Liana
Acabamos chegando muito tarde por causa do bloqueio na estrada, essa nem foi a pior parte... O pior foi constatar o show de ciúmes da mulher dele ao nos ver chegando, sinto que vou enlouquecer de ódio daquelas insinuações. Com que direito ela pensa que tenho algum interesse nesse homem? Eles saíram para discutir bem longe de mim e agradeço, Théo e eu ficamos juntos no quarto dele e o ajudei com as atividades da escola e estudamos algumas cores em alemão. — Faz tempo que Elena e seu pai namoram? — Me arrependi depois da pergunta. — Sim, muito tempo. Eu não gosto dela, é metida e chata! Sorri contidamente, mudei de assunto e mais tarde eu estava sentada na varanda, observando Théo brincar sozinho com um carrinho de brinquedo. O vento balançava meus cabelos, e o silêncio da fazenda só era quebrado pelo som das rodinhas do brinquedo deslizando pelo chão de madeira. Depois de um tempo, senti vontade de puxar assunto novamente com ele. — Théo, o que você mais sente falta? — perguntei, tentando soar um pouco casual. Ele parou de brincar por um instante e ficou bem pensativo. — Gostaria de ter mais amigos para brincar... — respondeu, com a voz baixinha. Senti um aperto no peito ao ouvir aquilo. Ele era um menino tão doce e inteligente, não merecia se sentir sozinho enquanto o pai dá atenção aquela idiota. Fiquei matutando a ideia por alguns minutos, até que uma solução me veio à mente: eu poderia pedir a Bruce para organizar uma festinha e trazer alguns amiguinhos para a fazenda. Ele poderia negar... Bruce é um enigma para mim ainda, mas não custava tentar algo para mudar o astral do menino. Mais tarde, quando já estava no quarto e Théo havia ido jantar, peguei o telefone que instalaram no meu quarto e liguei para minha amiga Marcela... Ela demorou para me atender. — Marcela, preciso desabafar com você. — O que foi agora Liana? Algum problema com o patrão bonitão? — ela brincou, soltando uma risadinha do outro lado da linha. — Para com isso! Meu problema é outro, sinto que o menino é uma criança triste, apesar de ter tantas coisas que o dinheiro pode comprar. — Tristes somos nós que não temos onde cair mortas! Esse menino tem um futuro nas mãos, pense em você Liana! — Que sensibilidade a sua! — suspirei, percebi que não adiantava discutir sentimentos com alguém que enxerga tudo com os olhos da ambição... Mudei de assunto — Além disso, continuo morrendo de medo de que ele descubra que não tenho formação para ser professora de alemão! — Ah, besteira! Você só precisa seduzir o patrão e tudo fica resolvido! Eu andei pesquisando umas coisas sobre ele... — provocou, rindo ainda mais. — Eu nunca olharia para um homem como Bruce! Acho que preciso desligar, falamos depois... — rebati, revirando os olhos, mesmo sabendo que ela não podia me ver. Desliguei a ligação, não sei o que Marcela tanto investiga na vida de Bruce... Ele não impressionou de forma alguma, se ficarei ou não com esse emprego não importa. Enquanto eu estiver aqui, penso apenas em melhorar as coisas para Théo! Tomei um bom banho e me troquei para jantar e a comida estava maravilhosa. Ouvi uma delas citar Pedro o capataz, dizendo que ele havia saído para acompanhar um advogado. Percebi que, enquanto falavam sobre ele, olhavam para minha direção... Como se esperassem uma reação minha ao ouvir algo sobre esse homem! Eu não esboço nenhuma expressão, não vim para esse lugar almejando um relacionamento ou algo do tipo. Quanto perdi meu marido, minha capacidade de amar o sexo oposto se foi junto... Não serei de nenhum outro! Jamais! — Está gostando da comida? — Uma delas me questiona. — Sim, como sempre... Excelente! Enquanto conversávamos, fiquei sabendo sobre uma cachoeira dentro da propriedade. — É um lugar lindo! Você precisa conhecer... — Com certeza eu irei! Aquilo despertou minha curiosidade. Eu adorava cachoeiras e já comecei a imaginar uma oportunidade para relaxar nas horas de folga e até levar Théo comigo para sair do marasmo dessa casa. Quando a noite chegou, eu estava prestes a ir para o meu quarto quando Bruce apareceu no corredor. Senti meu corpo enrijecer por instinto e ele estava sério, com aquele olhar intenso que sempre me deixava desconfortável. Não sabia explicar, mas quando ele me olhava assim, parecia que podia enxergar além das minhas palavras e até das mentiras que eu trouxe para cá. — Então, Liana... — ele começou, cruzando os braços. — Gostando do trabalho? — Sim senhor, Théo é um bom menino! — respondo e tento disfarçar a tensão. — Me diga mais sobre sua formação. Onde aprendeu alemão? Meu coração disparou. Será que ele suspeitava de algo? Tentei manter a calma e fingir ainda mais naturalidade. — Ah, eu sempre tive interesse em línguas estrangeiras... — respondi vagamente, esperando que ele não insistisse no assunto. Ele me observou por mais alguns segundos, resolvi mudar de assunto. — Queria falar sobre Théo. Ele é um menino muito carente, e acho que faria bem a ele ter alguns amigos aqui na fazenda. Pensei em organizar uma festinha para ele... Obviamente, se o senhor permitir! — falei, esperando sua reação. Bruce ficou em silêncio por um momento, como se estivesse ponderando, e o olhar dele tão fixo em mim me constrange muito. — Vou pensar nisso — respondeu, finalmente. — Mas aproveitando sua fala, provavelmente minha mãe virá passar um tempo na fazenda! Assenti, sem saber exatamente o que dizer. Quando entrei no quarto, me joguei na cama e suspirei. Como será que era a mãe dele? Uma mulher legal e acolhedora ou uma metida insuportável como Helena, a namorada dele? Algo me dizia que eu descobriria em breve. Abri a mala, separei um biquíni e amanhã terei algumas horas disponíveis enquanto Théo estiver na escola. Posso dar um mergulho nessa cachoeira e esquecer os problemas... Consigo adormecer, desperto com os pássaros cantando e os outros animais da fazenda. Tomo um banho, desço para o café da manhã e vejo Bruce na cozinha comendo uma maçã. — Traremos alguns amigos de Théo aqui para a fazenda, se encarregará disso, Liana? — Ele pergunta, me olhando de cima a baixo. — Sim, claro, senhor! Obrigada por permitir...Liana Ele sai colocando a maçã sobre a mesa, fico feliz por conseguir isso. Théo ficará muito feliz e o menino logo aparece com a mochila nas costas...— Tomou seu café da manhã? — pergunto, ajudando-o com as coisas que levaria.— Sim Liana, minha lancheira está pronta! Pode ir comigo e com Pedro até a escola?— Oh meu amor, não posso ir dessa vez... Mas prometo que irei te levar outro dia!— Bom dia, professora! — A voz quase cantada de Pedro nos interrompe, me viro para ele.— Bom dia, Pedro. — Digo, observando-o entrar para tomar um cafe na cozinha.Théo sai em direção à entrada da casa, onde o motorista o esperava para levar à escola. Aproveito o ensejo para sair da cozinha e evitar um pouco os olhares do capataz que me deixaram um pouco desconfortável. As empregadas também pareciam forçar algo entre nós dois e eu quis evitar.Subi e peguei uma bolsa que havia preparado para levar até a cachoeira, perguntei a um dos peões que estavam selando um cavalo:— Bom dia, pode me dizer pa
LianaThéo me emocionou com o cartão, por um momento esqueci a vergonha que passei antes. Não sei como sairei desse quarto após ter entrado na casa seminua!O tempo passa, tento evitar as pessoas da casa e esperar que Bruce volte ao trabalho ou sair de carro para resolver algo fora, mas nada disso acontece e ouço a voz dele pela casa com a mãe.— Liana, o almoço está servido! — Ouço uma das empregadas me chamar, não adianta ficar aqui dentro, cedo ou tarde terei que me explicar.Saí do quarto, Théo me encontrou pelo caminho e disse que queria me apresentar à sua avó. Meu corpo queima, mas ele me leva pela mão até a mulher... Ela parece manter uma expressão serena e eu sei que a minha cara deve estar denunciando o medo que sinto.— Essa é minha avó, Ivone! E ela é a Liana...— Muito prazer, senhora! — digo, engolindo em seco.— Já nos conhecemos há uns minutos, mas foi um encontro meio... Tenso.— O que aconteceu? — Théo pergunta.— Nada de mais, meu amor, vá brincar um pouco que Liana
LianaPenso que estou sendo boba, quem sabe ele possa me dar um pouco de alegria e distrair a mente.— Está bem, mas falarei com Bruce!— Ele vai permitir! Te pego amanhã às oito...— Tá!Um encontro, há tantos anos, não sei o que é isso. Nem quero pensar nesse passeio como algo a dois, quero ver a cidade e conhecer as pessoas daqui. Pedro sai, me deixando sozinha e terminando de arrumar tudo...— É bom ver que sabe qual é seu lugar aqui nessa casa!Era Helena.— Nunca tive dúvidas disso, senhora...Terminei e saí deixando-a por lá. Théo já tinha ido para a cama. Fico feliz que Ivone esteja aqui para dar um pouco de amor materno a ele... Esse menino precisa muito!Saio um pouco, sinto a brisa da noite tocar meu rosto e ouço os animais da fazenda antes de entrar para seguir até meu quarto. Assim que me viro, esbarro em Bruce e ele me toca os braços, alisando-os e me soltando em seguida.— Eu te chamei para conversar mais cedo, mas Helena insistiu em vir e atrapalhou meus planos. — Se
LianaA caminho desse lugar, ainda penso no que descobri sobre George Bruce e isso me deixa inquieta.— Algum problema, Liana? Parece tão pensativa!— Me perdoe Pedro, não quero ser uma má companhia para você essa noite...— Eu preciso ser sincero. Quero me aproximar de você de verdade.As palavras dele me deixam envergonhada, sinto que talvez não devesse ter aceitado vir até aqui. Ele claramente confundiu isso com um interesse que eu não sinto por ele!Chegamos ao lugar, a praça estava lotada e havia muitas barracas vendendo comida para todos os gostos. Pedro me puxa pela mão, parece ter visto algum conhecido.— Boa noite, essa é Liana. Professora do menino Théo na fazenda!— Muito prazer! — era uma senhora bem simpática, nos cumprimentamos com um aperto de mão.— Ela é muito bonita mesmo, você não exagerou nos elogios, filho!Sorrimos, me dei conta de que ela é a mãe dele. Ficamos por perto, crianças correm e começam alguns fogos anunciando o show de uma banda local. Pedro me convid
BruceHelena não queria ir à festa na cidade, não posso negar a mim mesmo que estou fazendo por causa de Liana. Pedro e ela juntos!Assim que chegamos ao local os encontro, em uma sintonia que me incomoda. Dançando juntos como se já se conhecessem há muito tempo, talvez eu tenha idealizado outro padrão de comportamento para ela. Deve ser como todas as outras, que se encantam por qualquer homem que as elogie...— Eu quero ir embora! Esse lugar fede a pobre!— Elena, acabamos de chegar...— E eu nem sei por que viemos, você nunca gostou desse tipo de festa. Me faz pensar que só veio porque quer vigiar os empregados.— Me poupe Elena, você sabe que tenho ambição de entrar na política. Preciso estar nessas festas e ser visto!— Esqueça esse lugar... você prometeu que deixará tudo isso para trás, podemos ir para casa agora?Suspiro irritado, mas Elena está certa e não tenho mais nada a fazer aqui. Liana e Pedro certamente têm planos para depois da festa, ajeito meu chapéu e seguimos para c
LianaThéo me acordou bem cedinho para dar um beijo de bom dia, dependendo do que aconteceu com Pedro, essa pode ser nossa despedida. Saí do quarto e fui tomar café da manhã na cozinha, não posso ficar presa no quarto ou obviamente levantarei mais suspeitas.— Liana, pode vir comigo ao escritório um momento? — Era Bruce, achei que ele poderia ter ido para a cidade comprar algo.— Sim, senhor!Entrei na sala, ele se sentou e eu à sua frente tentando manter a calma.— O que aconteceu ontem com Pedro e você? — A frase dele me deixou muda, não esperava que as consequências já tivessem chegado para me encurralar.— Com ele...— Sim, ele está com um ferimento na cabeça e você está muito estranha. O que me faz ligar as duas coisas!— O que ele disse? — pergunto ansiosa.— Liana, estou perguntando a você!Nesse momento, Pedro abre a porta e entra surpreendendo-nos.— Desculpa, senhor, mas as empregadas me disseram que estavam aqui e suponho que estejam falando sobre ontem à noite! Me feri qua
LianaO veterinário foi conduzido até o estábulo para tratar de uma vaca que não conseguia parir, eu fui com Ivone levada apenas pela curiosidade. O animal parecia estar em profundo sofrimento, mas ele parecia saber bem o que estava fazendo e a medicou... — É só uma questão de tempo agora — O veterinário disse com uma calma impressionante.Em pouco tempo, a vaca mostrava sinais de forte contração. Ivone estava do meu lado, observando em silêncio, com um semblante sereno, como se já tivesse visto aquilo inúmeras vezes.Olhei para a vaca novamente e ela estava respirando mais rápido agora, com a barriga se contorcendo. Ouvi um carro chegando, era Bruce bem a tempo de ver mais um membro da fazenda chegar...— Olhe, acho que finalmente está na hora — Bruce disse, parado ao meu lado.A vaca deu um movimento mais forte, e o líquido amniótico começou a escorrer. A ansiedade em mim aumentou, mas Bruce surpreendeu ao ficar ao lado da vaca, tocando-a e tranquilizando... Nunca pensei que ele am
LianaSaí de casa logo cedo nessa segunda-feira, fiz minhas compras como sempre e, ao voltar, vi o dono com uma placa de "aluga-se" na porta:— Por que fez isso sem me avisar antes? Tenho direito a pelo menos um mês para achar outro lugar!Ele respondeu:— Achei que já tivesse saído da casa. Mandei vários e-mails e telefonei várias vezes. Que espécie de ser humano não tem celular em pleno século XXI? Já chega de desculpas, encontrarei alguém que possa me pagar em dia! — A resposta dele fez algumas pessoas que me assistiam ser despejada de casa, rirem.Apesar da frustração, consegui telefonar para uma amiga chamada Marcela, que me permitiu ficar em sua casa até resolver minha situação. Seria difícil me reorganizar, já que aquela era uma das casas mais baratas do bairro e estou sem emprego há quase dois meses.— Não fica assim Liana! As coisas vão se organizar! — Marcela tentava me consolar enquanto seguíamos para a casa dela.Ao longo dos meus trinta e cinco anos de vida, nunca passei