Capítulo 3

Willow

Acordo às três e meia, me arrumo em meia hora e saio correndo para pegar o primeiro ônibus para uma cidade vizinha.

É duas horas até lá e tenho que estar na escola às sete.

Se tudo der certo, vou poder dar aula lá todos os sábados. Vai ser mais um dinheiro para ajudar no casamento e não precisar deixar tudo nas costas do Ricardo.

Por isso farei o meu melhor. Nem contei para Ricardo. Minha mãe sempre falava que dá azar contar as coisas antes de acontecer, então só contarei depois de acontecer, depois que se torne oficial as minhas aulas.

Fiz um coque para ficar o mais profissional possível e coloquei meu vestido cor de rosa. Ele é para trabalho mesmo, com a diferença que não me deixa com cara de professora chata para os alunos. Isso faz um contraste legal com o coque. Tenho que agradar alunos e colegas. Além de amar dar aulas para crianças, preciso do emprego, então não custa esforçar um pouco para agradar meus chefes e colegas.

Logo que chego, cumprimento todos na sala dos professores. Todos são amáveis, isso já me deixa mais tranquila. A diretora me leva até a minha sala e fico esperando os alunos que começam às 07:30.

A turma é de alunos entre seis e sete anos. Como já havia programado com a diretora, assim que todos chegam, distribuo os materiais e ensino os alunos a fazer cofrinhos em forma de animais com garrafas pet.

Para minha alegria, eles adoram. Nem vejo o tempo passar.

No fim da aula, tenho certa dificuldade em convencê-los a deixar suas criações na escola até a comemoração de Natal. Todos eles querem levar para casa para mostrar aos pais.

Depois que os convenço e eles se vão, fico distraída organizando os cofres. É quando sinto um puxão no meu vestido. Logo uma voz infantil se faz ouvir.

― Professora, posso mostrar meu cofre de bichinho aos meus pais?

Me viro para a menina com um sorriso no rosto e um sonoro sim. Mas meu sorriso some aos ver o casal com ela.

― Ricardo? ― o nome sai como uma pergunta da minha boca.

Na verdade, várias perguntas. O que está acontecendo? Por quê? Como?

― Conhece o meu marido? ― a mulher loira pergunta com desconfiança no olhar.

Ricardo me olha com os olhos arregalados. Eu vejo pavor neles. Medo de que eu dizer a essa mulher que além de seu marido ele é meu noivo, que a porra do anel na minha mão foi ele quem deu.

Mas eu não posso fazer isso sem destruir a minha vida sendo taxada de amante, enquanto essa família continuaria seguindo seu caminho. Sem contar que essa criança ― que ainda espera ansiosa pelo que criou mais cedo ― seria a mais prejudicada entre eles. Em fração de segundos minha mente soma as consequências de enfiar a mão na cara do desgraçado a minha frente.

Abro a boca sem nem saber o que responder, mas o desgraçado é mais rápido.

― Senhorita Fernandes? Não sabia que dava aula nessa escola. ― Se vira para a mulher ao seu lado. ― Amor, vendi um dos planos para ela.

Amor. Ele a chamou de amor. Essa merda de palavra confirma o que já estava mais que claro; fui amante desse desgraçado por todo esse tempo.

― Sim, foi isso. Me vendeu planos. ― Não suporto mais a presença desses dois. Me viro e pego o cofre em forma de porquinho. ― Tome, querida. Pode mostrar aos seus pais.

― Obrigada! — a pequena agradece com um sorriso.

― Se me derem licença. Tenho que ir à secretaria.

Sem esperar resposta, pego minha bolsa e saio da sala.

Não vou para a secretaria. Saio da escola e vou direto ao ponto do ônibus. Nunca mais volto a esse lugar. Não existe chance que eu fique ensinando a filha do homem que me enganou por quase um ano.

Me sento no fundo do ônibus e choro pelas quase duas horas em que passo nele.

Todos os meus planos idiotas de um casamento simples, de uma primeira vez inesquecível, de uma vida de casal... Ele já tinha tudo isso.

E agora?

Terei que recomeçar. Abrir meu coração outra vez, mesmo com medo de ser machucado novamente. Essa história de passar um tempo comigo mesma já está me deixando louca. Eu não vou achar alguém para casar de um dia para o outro. E quero desesperadamente descarregar minha frustração em sexo. Ando cada dia mais desesperada por transar. E agora minha esperança se foi.

Se eu não posso me vestir como mulher fatal e me vingar nos braços de outro, que merda posso fazer com toda essa decepção dentro de mim?

Mãe, é muito difícil cumprir essa promessa. A senhora não devia ter morrido. Sinto tanto a falta dos seus conselhos e do seu amor.

Choro. Simplesmente choro. É tudo que posso fazer.

Ricardo

Que inferno!

Por que Willow estaria dando aula no sábado e na escola da minha filha?

Claro, ela me falou alguma coisa sobre trabalhar, mas eu estava mais concentrado em tentar tirar sua roupa que ouvir sobre seu trabalho chato de professora.

Eu queria dizer a ela que a amava, mas não faria isso na frente da minha mulher e filha. Tive que fingir que ela não era nada para mim. Mentir que era uma cliente. Pude ver a decepção em seu olhar, a raiva, a mágoa.

Preciso resolver isso. Não pode acabar sem ela ser minha.

Esperei até segunda-feira e sai do trabalho direto para a pensão. Onde parei o carro na porta e mandei uma mensagem.

Ricardo: “Willow, saia. Estou te esperando na porta.”

Não houve resposta por dez minutos.

Mandei outra mensagem.

Ricardo: “Saia ou vou começar a buzinar e fazer escândalo.”

Ai veio a resposta.

Willow: “Faz. Talvez assim chame a atenção da sua esposa.”

Ricardo: “Quero te explicar.”

Willow: “Não há nada para explicar. Vá embora!”

Ricardo: “Vou te esperar.”

Ela não respondeu mais. Esperei por duas horas. Como tinha que voltar para casa, decidi sair do trabalho mais cedo no dia seguinte e esperar ela voltar da escola no horário de sempre.

Foi o que fiz. Estou estacionado em sua porta há vários minutos.

Quando penso em desistir, a vejo se aproximando, com sua pasta e sua bolsa, o terninho creme e o rabo de cavalo. Linda como sempre. Adoro seus cabelos castanhos e volumosos, suas curvas suaves e seios pequenos. Tão perfeita! Não posso abrir mão dela assim.

Ela vem de cabeça baixa, por isso não reconhece meu carro.

Abro a porta e a espero.

― Precisamos conversar. ― Seguro seu braço assim que se aproxima.

Ela me encara com seus olhos cor de mel faiscando ódio.

― Não temos nada para conversar. Se quer o anel de volta vai procurar no esgoto porque dei descarga naquela merda ― fala alto o bastante para chamar a atenção de quem estava próximo.

― As pessoas estão olhando ― alerto. Não quero um escândalo. Se chegar até Karina eu estou ferrado.

― E daí? Não tem ninguém aqui que vai perder o sono por descobrir que a idiota aqui foi amante por quase um ano sem saber. E que amante, hein?! ― ri e limpa os olhos impedindo as lágrimas de descerem. ― Nem sexo teve. Patético!

― Eu te amo. Vou ficar com você. Só preciso de um tempo para resolver minha vida.

― Típica fala de cafajeste. Só tem um erro nesse seu plano, Ricardo, eu não vou quebrar a promessa que fiz a minha mãe. Teria que se casar comigo para ter sexo. Ou seja, a história de ter uma amante não daria certo no seu plano.

― Se eu esperei esse tempo todo é porque te amo ― insisto.

Ela ri com amargura. Nunca a tinha visto assim. Parece outra mulher. Não tem mais o brilho em seus olhos, a expressão serena que a seguia mesmo quando falava dos seus problemas financeiros ou da morte de sua mãe.

― Não. Você tem esperança de me fazer mudar de ideia e não quer largar o osso. Tenho uma novidade para você; o osso te largou.

― Willow, por favor...

Ela puxa o braço que eu segurava.

― Se afaste de mim. Nunca mais vai conseguir nem um bom dia meu. Minha maior alegria é saber que vai sair dessa traição sem ter conseguido o que queria, o que insistia para ter todas as vezes que nos encontrávamos. Porque era só sexo que você queria. Só desejava me comer, descartar e voltar pra sua família.

― Já disse que quero mais que sexo. ― Aumento o tom de voz, irritado, e logo me arrependo. Nada de escândalos.

― Não vai ter é nada. Me deixe em paz. ― Ela começa a ir em direção a pensão sem olhar para trás.

Penso em seguir, mas há pessoas olhando a nossa cena. Decido ir embora e insistir de outra forma.

Ela vai ser minha. Não existe chance de não ser.

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