Meu casamento foi um grande acontecimento. Durou três dias, com todo o seu ritual, cheio de dança e animação dentro dos costumes muçulmanos.
Um casamento onde pouparei lágrimas e distribuirei sorrisos, segurarei minhas verdadeiras emoções, não me permitindo sentir.No primeiro dia tivemos as trocas de alianças e eu recebi pela primeira vez o beijo casto de meu noivo, um singelo beijo na testa. Eu me senti carimbada do tipo "é minha"No dia seguinte me produziram: hena, limpeza de pele e cuidado com meus cabelos. Eu me senti como um carneiro, sendo bem tratado para ir ao matadouro.Hoje, no terceiro dia me maquiaram e dentro de um lindo e rico vestido, composto de renda com pedraria bordadas. Com gola canoa, manga ¾ e modelagem sereia, com uma linda cauda arredondada, eu me transformei numa linda princesa. Mas o dia para eu brilhar, estou triste.O palácio, cheio de convidados ilustres. Um casamento sem uma grande história de amor, sem afinidades e nada para ser um marco em nossas vidas.Quando entro no salão, homens tocam bumbo e flauta doce, dançam com suas espadas e seus passos específicos enquanto eu entro na festa. As mulheres fazendo o zaghareet, um som típico que se fazem com a língua, enchem o lugar com o som do festejo.A decoração, nem preciso dizer que está linda, moderna! Cheia de brilhos, chão espelhados e lustres, véus, almofadas coloridas, flores.Nossa cerimônia tão peculiar, foi ao som da linda voz da cantora árabe ao som de Amr Diab ~ Habibi Ya Nour El Ain que toca os corações com sua música de amor, e que para mim um esfregão na cara, me mostrando o que eu não terei ao lado do meu marido.Minha querida, você é o brilho dos meus olhosMinha querida, você é o brilho dos meus olhosVocê está no meu pensamentoEu a adoro há anos, não penso em mais ninguémMinha querida, minha querida, minha querida brilho nos meus olhosMinha querida, minha querida, minha querida brilho nos meus olhosVocê habita minha imaginaçãoOs mais belos olhos que eu já vi neste universoO príncipe está lá, parecendo mais poderoso do que nunca. Vestido com roupas típicas. Um kandoora branco cheios de pedras encrustadas nele, turbante negro na cabeça, sentado em seu trono fixo, esperando que eu me una a ele.Logo sou erguida por um trono móvel enquanto convidados dançam e festejam com muita alegria abaixo de mim. Atravessamos o salão até onde meu noivo está. Quando eles me descem e eu ocupo meu lugar ao lado de Zair.Pela primeira vez, desde que entrei na festa, meus olhos procuram os dele. Sinto meu coração dar uma pirueta dentro do meu peito quando encontro os seus negros voltados para mim. Meus lábios tremem quando Zair sorri. Incomodada, desvio meus olhos dos dele. Sinto sua mão quente na minha e olho para ele novamente.Provocativamente, ele a pega e a leva aos lábios e a beija. Um beijo demorado. Sim, ele sabe representar.Deveria existir príncipes de contos de fadas, como minha mãe contava quando íamos dormir.Puxo minha mão sem usar força e ele a solta, passo os olhos por todos os convidados, que felizes comemoram dançando, comendo e bebendo.O cardápio, divino. Comida farta, animação e bebidas sem álcool.A comida: Penache de legumes regado com azeite de ervas e muçarela de búfala ao molho artesanal de tomates frescos ao pesto. Risoto de alho poro. Gratinado de batata e queijo gruyere. Filé Mignon em croute de parmesão sob veloute de cenouras e amêndoas laminadas. Arroz com pinólis (uma semente nativa do Mediterrâneo)As raízes muçulmanas de Zair falaram mais alto na hora de eles escolherem as bebidas e apenas águas aromatizadas, refrigerantes, água tônica, sucos e espumantes não alcoólicos foram servidos.Zair
Sim, eu estou me casando para a alegria de todos.Estou sentado no trono ao lado de minha noiva. Estou no meio do salão cerimonial que já testemunhara uma vez meu casamento com Amina. Vestido nos trajes cerimoniais que nunca pensei que eu fosse usar novamente. Todos os membros da família real, os Anciãos, todos os emissários estão com seus olhos focados em nós.Só que esse casamento é diferente para mim. Ele tem um sentido diferente. Eu bloqueei todo o meu sentimento com ele. Hoje impera a frieza e não o calor, a razão ao invés da ilusão do amor.Aysha
Relanceio os olhos para Zair. Ele está com o semblante pensativo e pela expressão de seu rosto, seus pensamentos não parecem nada bons. Deve estar pensando nela, deve estar sofrendo por ela... isso me incomoda, a ponto de apertar meu coração. Não tenho tempo de pensar sobre isso, pois de repente o clima da festa muda e os bumbos tocam animadamente.Zair se levanta e estende a mão para mim, eu a pego com relutância sem olhar nos olhos dele. E ele então me ajuda a me levantar, e me conduz até o meio do salão. Caminhamos devagar, passando pelos convidados movimentando seus lenços em círculos, logo estamos dentro dessa roda e Zair começa a dançar para mim. Seu sorriso é frio, não toca seus olhos. Com toda a espécie de emoções conflitantes, eu fico parada ali, sem dançar, o encarando enquanto ele dança de um jeito envolvente. Sua expressão muda e ele sorri de um jeito diabólico que engulo em seco. Ele parece estar se divertindo em me ver sem ação ali, estática.Zair então envolve a minha cintura e me faz me movimentar com ele para frente e para trás.—Não pense que me afeta você estar dura como uma vara. Ao contrário, seu jeito recatado, sua timidez, será muito elogiada pelos convidados, minha gazela do campo. — Ele diz num tom sardônico no meu ouvido.Playboy arrogante!Eu paro de dançar. A expressão zombeteira está lá, bem evidenciada em seus olhos escuros e brilhantes. Quando ele me pega pela cintura novamente e me força a dançar com ele eu digo:—Eu não consigo mostrar algo que não sinto.Eu o encaro para ver sua expressão. Zair me dá um outro sorriso.—Eu sei o que você precisa, gazela. Logo estará ardendo tanto por mim que não estará representando.Para meu terror, eu começo a sentir meu rosto arder enquanto ele me olha. Mas não me dou por vencida e lhe dou um sorriso debochado. Ele me olha sem entender meu sorriso.Se ele pensa que faremos algo, ele pode tirar seu cavalinho da chuva, pois o coitadinho vai morrer ensopado. Antes que eu fale qualquer coisa, o ritmo da música muda quando duas mulheres com um candelabro na cabeça entram, homens se juntam a elas fazendo um show de danças com espadas. Eles vêm ao nosso encontro e depois fazem um túnel com suas espadas erguidas, passamos por baixo delas e no final desse corredor, apagamos as velas dos candelabros. Todo um ritual para recebermos sorte.Allah! E eu vou precisar!—Chegou o momento de deixarmos a festa. —Zair sussurra no meu ouvido.Meu coração bate forte enquanto minha cabeça gira com as palavras dele. Tento me concentrar no perigo de estar sozinha com esse homem, não importa o quanto meu coração se agite no peito, afetada por sua beleza, por sua masculinidade, mas não quero me entregar a ele sem sentimentos envolvidos. Ainda mais agora, depois de ouvir suas falas arrogantes.Os convidados abrem espaço com muita dança, palmas e alegria quando eu e Zair começamos a caminhar para fora da festa. As duas grandes portas se abrem, quando passamos por ela, alcançamos uma grande sala e depois o corredor.Minhas mãos tremem na de Zair enquanto ele me conduz. Eu pareço aqueles fantasmas de lençol, branca e sem vida.Depois de muito andar calados, entramos na grande ala separada para nós e que fica o nosso quarto. O palácio é cheio delas, como se fossem vários casarões conjugados.Ao chegarmos em frente a porta do nosso quarto, Zair abre para mim e espera eu entrar.O quarto está divinamente preparado. Backur está aceso perfumando o ar, exalando a essência. Pétalas de rosas vermelhas foram espalhadas na cama. Candelabros acesos deixam o quarto iluminado, dando a ele uma aparência aconchegante e romântica.Quando ouço Zair fechar a porta, eu estremeço. Sem olhá-lo, eu caminho para o meio do quarto e então, me viro para ele.Zair ainda está parado perto da porta. Ele me olha agora sem aquela arrogância de antes. Na verdade, ele parece inseguro, sem saber muito o que fazer comigo.Ele desvia seus olhos dos meus e vai até uma penteadeira que está ao meu lado direito e pega a cadeira e a puxa, então ele faz um gesto para eu me sentar.Sério isso? Ele irá lavar meus pés?Isso representa estar juntos na hora da dificuldade, suportar o outro em sua fraqueza, criar um lar que glorifique a Allah, caminhar juntos em todas as situações da vida.—Aysha, sente-se aqui. —Ele diz quando percebe minha relutância.Nego e contesto:—Esse ato tem um grande significado e...—Nosso casamento é de conveniência, mas isso não significa que eu não irei cumprir meu papel de marido. Vou cuidar de seu bem-estar, então, pare de besteira e se sente aqui.—Como você consegue? Fica apegado a rituais que expressam sentimentos, mas ao mesmo tempo os deixa de fora?Ele parece irritado:—Não questione e se sente aqui! Estamos casados, então cumpriremos todo o ritual.Eu aperto meus lábios e faço uma mesura para ele, ironizando seu jeito mandão e caminho até o local indicado. Respirando fundo, eu me sento. Zair pega a bacia e a jarra de água e as coloca no chão.—Erga o vestido. —Ele pede impaciente.Eu faço como ele me pediu. Ele então pega o meu pé direito e retira o meu sapato e lava o meu pé. Faz o mesmo gesto com o outro. Coloca então uma toalha no colo e enquanto os sec
ZairAllah! Eu me senti um crápula quando ela chorou e ela tem sido mestre em me fazer sentir assim ultimamente. O sentimentalismo é uma fraqueza que há muito eu deixei para trás. Agora há em mim a determinação, a coragem, a firmeza. Qualidades que um homem de negócios precisa ter. Hoje me fortaleci com esses sentimentos. A realidade precisa ser enfrentada, por isso hoje sou comedido, pois conheço as consequências da entrega.—Mas que Diabos! Eu não deveria ter me casado com essa mulher!Allah! Forçar uma situação não faz parte do meu carácter.Vou até a escrivaninha que está num canto do quarto e abro a gaveta. Pego uma adaga e erguendo meu kandoora, corto o interior da minha coxa direita, a ardência só aumenta minha frustração por não fazer imperar minha vontade. Tampo o corte com o le
AyshaEntro no quarto, ele está todo escuro. Só a luz do luar entra pela janela. Fico na soleira da porta até eu me acostumar com a escuridão.Aos poucos vou reconhecendo as formas das coisas na penumbra. Consigo ver Zair também.Allah! A cama é king size, enorme, e mesmo assim ele consegue se espalhar nela de modo que fica só um pequeno espaço para eu me deitar. Eu já vi que vou ter uma péssima noite de sono.Caminho lentamente e me deito ao lado dele tentando não movimentar muito o colchão. Mas o colchão é dos bons, conforme me ajeito ele nem se move, ele é firme e ao mesmo tempo macio. Bocejando, me cubro, tomando cuidado para não me encostar nele.Sempre dormi abraçada a um travesseiro. Então pego um, dos dois que ficam na cama e o envolvo com meus braços. Fecho os olhos. Estou tão cansada que, aos poucos, minha re
ZairOlho para os jardins do palácio e vejo o espetáculo de flores de todas as cores. Flores que a víbora da Amina adorava. A lembrança de como fui enganado por sua fragilidade, docilidade e beleza, de como entrei no conto mais velho do mundo, ainda me transtorna. Quem é Aysha para que eu confie nela? Amina me enganou da pior forma que se pode imaginar. Ela me envolveu em suas teias de inocência e sedução. Aquela garota que convivi minha adolescência inteira, na verdade queria o titulo de princesa. Uma vida perdida.Sonhos desfeitos.Ela mentiu com suas palavras, com seu jogo de sedução, ela mentiu com seu corpo, com seus gemidos, com seus sussurros de amor. Nem sei se a menina que ela pariu é minha filha. Samira pode ser fruto de seu adultério. Até hoje não peguei a criança nos braços, até hoje não co
AyshaMeia hora depois fizemos uma aterrissagem tranquila na rica cidade de Muharraq. Catar e Bahrein são países quase vizinhos, é só atravessar alguns quilômetros do Golfo Pérsico que fica entre eles.Momentos depois estamos dentro de um carro de luxo sendo levados para, sei lá onde. Desde que saímos, Zair está quieto em seu canto. Não chega a ser um silêncio opressor. A verdade que estou meio cansada, então estou um pouco anestesiada com tudo que estou vivendo. Agora, nesse momento, me sinto como uma marionete, levada pelo seu dono.Observo tudo pela janela do carro também quieta, com certeza onde ficaremos deve ser um lugar espetacular.Allah! Tudo é muito lindo, e luxuoso. O país é riquíssimo. Minutos depois passamos por grandes portões e percorremos a propriedade arborizada até o palácio. Quando o carro estaciona e
AyshaQuando Zair sai do quarto, eu desmorono na cama, minhas pernas bambas, parecem geleiasRecomposta, vou até o banheiro e me tranco nele. Tenho que ficar esperta. Eu deveria ter tomado essa atitude com a porta do quarto.Tomo um banho rápido e coloco um caftan verde-escuro. Faço uma maquiagem leve e tento me lembrar do caminho até a sala.A encontro logo. Zair está no sofá, seu semblante pensativo. Quando ele me vê, aponta com o dedo um lugar ao seu lado. Relutantemente eu me sento.—O Sheik Koul veio aqui. Vou precisar trabalhar em campo. Acho que dois dias resolvo tudo.—Bem, é isso? Irá amanhã? —Eu digo, com um sorriso doce.—Sim. —Zair diz com aquele sorriso que não gosto.—Bom trabalho. Pode deixar que fico quietinha no palácio, bancando a boa esposa.—Quem disse que ficará? Você
Apesar dos pesares, eu durmo bem. Basta colocar minha cabeça no travesseiro e apago com o sono dos justos. Mas essa noite demorei para dormir. Fiquei rolando na cama.Quando durmo, fujo da realidade. Vou para uma outra dimensão. Esqueço-me da minha prisão, do meu isolamento. Da minha sina. Mas essa noite fiquei pensando em que lugar ficaremos, se teremos que dividir a mesma cama e isso me tirou o sono. A dura realidade me assola.Desde que me conheço por gente, meu pai me preparou para esse casamento, mas não me preparou para o homem frio e arrogante que eu iria enfrentar. Eu me sinto desarmada com essa situação.De manhã espreguiço-me na cama e abro os olhos lentamente. Quando rolo meu corpo para ver às horas, meus olhos focam Zair sentado em uma cadeira com um sorrisinho cínico no rosto. Ele me observa daquele jeito que me constrange, é como se estivesse me admirando, ou
Estou no meio do nada, no deserto. O alojamento tem um tamanho razoável, ele é simples, todo aberto, sem separação por paredes, ou seja, da porta temos uma visão de tudo, cozinha, sala, quarto, banheira e apenas aonde fica o vaso sanitário é fechado. Ele é bem limpo e quente.Puxo o lenço que cobre meus cabelos e começo a me abanar com ele, já me sentindo irritada com o calor.—O ar condicionado já deveria estar ligado. Vou ligar e você verá que dissipará o calor.Allah! Como se isso melhorasse alguma coisa.Estou surpresa por Zair, príncipe do clã dele, riquíssimo, se sujeitar a isso. Eu nunca morei assim, sempre vivi muito bem, e devo admitir que graça à família dele. O que me preocupa agora é essa banheira sem uma cortina, exposta. A sala não tem sofás, apenas almofadas e um aparelho