Capítulo Dois

                                                                                   Olivia

Olhei para a aliança brilhante em meu dedo de novo. Ela brilhava inocentemente e meus olhos se encheram de lágrimas mais uma vez. 

Ele não merece suas lágrimas. Meu Demônio interior rugiu para mim. E com forças, passei as pontas do dedo pelos cantos dos olhos e limpei em minha camiseta preta. Tirei o anel de meu dedo e abri a gaveta de minha cômoda. Puxei várias roupas e a escondi enrolada em uma blusa bem no fundo da gaveta. Eu não queria nunca mais ver aquele anel na minha frente. 

Ele representava tudo que agora me fazia sofrer. 

Me sentei em minha cama e envolvi meus joelhos com os braços. 

Fazia uma semana que eu tinha descoberto a traição, quando eu havia fugido. A dor ainda retumbava no fundo de minha mente e no fundo de meu coração. As imagens horríveis nunca deixaram de desaparecer completamente. Os beijos. As palavras. Aquela coisa nojenta que o vi fazendo com Lexi. 

Minha raiva ardia mais do que o sofrimento. O orgulho falava mais do que as feridas. E eu sabia que era por que no fundo meu Demônio me dava forças. 

Lembro-me de quando ele fora embora mais de um ano atrás, eu não sabia, mas na época ele tinha sido preso. E eu o que eu fiz? Caí em depressão doente pela falta dele, e tudo por que eu não tinha forças de me levantar. Agora é totalmente diferente. Sou um Demônio e isso grita por cada veia minha. E é o que me dá forças para seguir em frente, porque eu já não sou mais a menina tola que chora pela falta. Agora sou a mulher que sorri por ainda estar viva. 

E para não ficar pensando mais bobagens, me lembrei de quando depois de fugir, retornei para a mansão de Lucian. 

Assim que cheguei o encontrei na porta de casa falando com mais alguns seguranças. Ele olhou para mim ao mesmo tempo em que com raiva e alívio por me ver de volta. Um olhar realmente de um pai que vê a filha fugir. Mas, não me enganei com aquele olhar. Ele estava aliviado apenas de não ter que ir atrás de mim novamente. 

Meu rosto ainda estava inchado de tanto chorar e Heron mantinha seus braços ao meu redor de um jeito protetor. E se não fosse por suas mãos em mim, não sei como ainda estaria andando. 

Lucian caminhou até nós, nervoso, e nos olhou.

- Onde raios vocês estavam?! – ele esbravejou. 

Heron me apertou e o máximo que consegui fazer foi abaixar a cabeça e continuar quieta. 

- Ela tinha fugido, mas consegui pegá-la não muito longe daqui. – Heron respondeu exatamente como havíamos combinado. Se Lucian desconfiasse que ele tivesse me ajudado a fugir, Heron teria sérios problemas.

Lucian nos avaliou e então sorriu. 

- Bom trabalho, Heron. Achei que já estivesse tendo um coração. – e riu. – Bem, já que a mocinha gosta de brincar de fugir vou manter você no porão por enquanto. Quem sabe você aprende algo. – ele puxou meu rosto para olhá-lo, mas meus olhos estavam inexpressivos. – Você fez alguma coisa para ela, Heron? Por que ela estava chorando? 

Senti o corpo de Heron tenso ao meu redor, e decidi responder por mim mesma. Desviei-me das mãos nojentas de Lucian e ergui meu corpo corretamente olhando em seus olhos, ainda sem expressão. 

- Ele não me fez nada. Só de pensar em voltar para esse lugar já é o suficiente para querer pensar em se matar. – respondi. 

Lucian sorriu com minhas palavras. 

- Bem, então talvez eu tenha que te amarrar também. – ele disse e me puxou pelo braço, me arrancando para longe de Heron. Olhei assustada para Heron. 

Heron deu um passo para frente.

- Não acha melhor deixá-la no próprio quarto dela? Eu mesmo posso vigiar a porta ou ficar dentro do quarto se for preciso. – ele disse. 

Lucian me soltou por alguns instantes e assentiu. 

- Ótimo. Assim ela dá menos trabalho para mim. Mas, se algo acontecer com ela, se souber que tocou em um fio de cabelo dela, eu te mato, Heron. Deve protegê-la, e não deixar que ela fuja. Entendido? – ele esbravejou. 

Heron assentiu. Pegou-me pelas mãos e me puxou para dentro. 

Suspirei mais tranquila, quando Heron abriu a porta do meu quarto e me empurrou para dentro. 

- Você está bem? – ele disse me ajudando a sentar na cama. 

Um soluço subiu por meu peito. E as lágrimas começaram a transbordar novamente. Pelo menos por hoje eu não ia ter forças para me fingir de forte. Eu tinha que tirar aquele peso de mim chorando por pelo menos aquela noite. E quando eu acordasse pela manhã eu seria outra pessoa. Seria uma orgulhosa, uma forte, e uma que ninguém pisaria nunca mais. Um Demônio. 

E foi assim que aconteceu. Durante os dias que foram se passando eu fora adiando a conversa que teria mais tarde com Lucian, e fui ficando mais forte e mais dura. Ele não merecia e nunca mereceu minhas lágrimas. 

E hoje seria o dia em que eu conversaria com Lucian a respeito do exercito que eu lideraria. 

Fechei a gaveta e suspirei. Agora eu estava muito mais calma e muito melhor do que no dia em que tinha retornado. Sentia que era outra pessoa completamente diferente do um dia já fui. A Olivia inocente e apaixonada, que não queria nada mais que amor, havia ficado naquela campina. Junto com Melahel e com sua traição. E tudo que restara fora dor, orgulho e forças para recuperar o que um dia fora destruído. 

Houve um sutil batido na porta. Me desviei de meus pensamentos e corri abrir. Eu já sabia que era Heron. 

- Você está pronta? – ele perguntou. Estava todo vestido de preto, com calças jeans e uma camisa agarrada. 

Sorri ligeiramente para ele. Era um claro sorriso fraco, mas era o máximo que eu chegava. 

- Sempre estou pronta. – falei, saindo de meu quarto e fechando a porta. 

Caminhamos em silêncio para o escritório de Lucian e eu sabia que ele já estava me esperando. Heron me beijou no rosto antes de entrar e acenei para ele. Sem cerimônia abri a porta do escritório e Lucian estava relaxado em sua poltrona preta. 

Fechei a porta e andei até ele. 

- Com licença. – pedi e me sentei ao lado dele. 

Lucian sorriu e apertou suas mãos sobre as pernas. Já tinha se passado o tempo que eu sentira ódio e medo dele. Respirei profundamente esperando que ele falasse primeiro. 

- Você queria falar comigo? – ele disse calmamente. 

- Sim. É a respeito de algo que te interessa. – murmurei. 

Lucian sorriu ainda mais.

- Vejo que seus modos mudaram, minha cara. – ele disse com os olhos profundos nos meus. – Vejo até mesmo que suas atitudes mudaram. Você está mais fria. Mais cautelosa... Diria até que mais como um Demônio do que como uma humana. 

Permaneci em silêncio. Sabia que ele apenas estava falando aquilo para descobrir o motivo pelo qual mudei. E isso ele não teria de mim não tão fácil. 

- Não acho que meus problemas pessoais sejam da sua conta. – falei. – Estou aqui para dizer que liderarei seus Demônios. 

Lucian abriu a boca para falar algo, acho que não tão gentil, mas de repente ele parou e então sorriu. Parecendo uma criança numa manhã de natal. Sinceramente tudo isso era ridículo. 

- Mas, que grande notícia boa! – ele murmurou alto. – Vejo que finalmente está aceitando seu destino como minha filha. E nada me deixará mais feliz do que ter você futuramente como meu braço direito. Mais que alegria! – disse e se levantou me dando um abraço. Senti repulsa, mas não me movi. 

- Quando irei começar meu treinamento? – falei indo direto ao ponto. 

Seu sorriso diminuiu, mas o contentamento em seus olhos dourados não. 

- Calma, minha querida. Primeiro vamos dar um grande jantar de comemoração. E amanhã veremos para que campo de treinamento iremos te m****r. Acho que o melhor seria em uma cidade aqui perto. Não seria muito distante de mim e você teria excelente desenvolvimento de seus dons. Você será um grande soldado como os outros. Mas, terá vantagens por ser minha filha. Você terá poderes que ninguém teve. Dentro de um mês você atingirá o amadurecimento e seus dons farão de você uma maravilhosa Demônio. – ele piscou.

- Ótimo. – murmurei. 

Caminhei em direção à porta. E as palavras de Lucian me atingiram quando girei o trinco. 

- Te espero às oito no jantar, querida. E vista algo elegante. Hoje será uma grande noite para você. – ele sorriu. 

Dei de ombros e caminhei para fora. Pronto, tudo estava feito agora. Eu tinha selado o destino de vez e tentei ficar feliz com isso. Eu seria uma grande em todos os pequenos Demônios de merda que eu via. 

Enquanto estava caminhando pelo corredor, meu braço foi puxado abruptamente. Olhei para trás e vi Kendra. Ela sorriu para mim e fazia tempos que eu não a via. Mais ou menos um dia antes de eu fugir. O alívio me tomou conta e olhei para seu rosto. 

- Soube que você tinha fugido. Mas, nosso pai não me deixou vê-la. – ela disse. – Você está bem?

- Estou sim. – falei com a voz sem emoção e ela caminhou comigo até meu quarto. 

Ela fechou a porta quando entramos e me sentei na minha cama. Ela se sentou ao meu lado e encarei seu rosto infantil. Acho que ela era a única amiga que eu tinha nesse momento. Eu não precisava ser tão fria com ela. Sorri devagar. 

- O que você estava falando com papai? – ela sorriu em resposta. 

Suspirei e contei a verdade. Aliás, todo mundo ficaria sabendo disso logo a noite mesmo. 

- Ele pediu que eu liderasse seu exército. Que eu fosse seu braço direito e eu aceitei. Não me sobrou muita escolha mesmo. – ri. 

Kendra riu junto. 

- Isso é verdade. Papai pode ser muito persuasivo às vezes. Mas, você é realmente muito corajosa em aceitar isso. É uma grande responsabilidade também. – ela observou.

- Nada me resta mais nada agora. Foi a única opção que encontrei. – respondi com sinceridade. 

- Mas, e o seu anjo bonitão? – ela disse. – Sabe que seus futuros agora estão separados para sempre. 

O sorriso sumiu de meu rosto e me tornei séria. Não queria falar de Melahel nesse momento. Não quando meus pensamentos finalmente estão distraídos com todo meu futuro que eu praticamente já estava aceitando. 

Desviei os olhos dela. 

- Nós terminamos. – sussurrei. 

Kendra ficou em silêncio durante alguns segundos. Suas pequenas mãos tocaram meus ombros e ela abaixou a cabeça. 

- Desculpe. Não sabia disso. Bem, vocês não tinham muita escolha diante das coisas que aconteceram. – ela disse. 

- Não precisa se sentir culpada. Você tinha razão quando me disse aquelas coisas no carro quando nos vimos pela primeira vez. Esse é o meu destino e não há outra opção. – falei e sorri. Não queria deixar culpa sobre os pequenos ombros dela. 

Kendra assentiu. E seu rosto se iluminou. 

- Sabe de alguém que sei que não tira os olhos de você e provoca inveja em todos os Demônios mulheres de nossa casa, e até mesmo nossa irmã?! – ela disse. 

Imaginei quem fosse, mas corei e não disse nada. 

- Ah! Esse rubor no seu rosto entrega, Livy. – ela riu. – Você sabe que é Heron. Ele cuida muito bem de você. A gente sabe da história que foi ele quem te alimentou durante suas primeiras mordidas. – ela riu novamente.

- Não rolou muita coisa. Vejo mais como amigo. – falei. 

Ela fez cara de incrédula. 

- Até parece que alguém pode resistir a Heron Black. Ele é simplesmente gostoso. – ela disse. 

Black? Era esse o sobrenome de Heron? 

Desviei meus pensamentos para Kendra. E decidi mudar de assunto antes que as coisas se complicassem para mim. Óbvio que eu não resistia a Heron, mas eu não queria me envolver com ninguém agora. 

- Você sabia que ele é ex de Ruanda? – ela disse. 

Aquilo me pegou desprevenida.  

- Mesmo? 

- Sim. Eles namoraram durante algumas décadas. Mas, acho que ele estava se enjoando. Rolou até mesmo noivado. Mas, Ruanda não é mole. Eles terminaram numa briga feia onde até mesmo papai teve que se intrometer, e olha que, ele raramente se mete no meio de relacionamentos dos Demônios. E depois nunca mais eles se falaram. Ruanda foi por um lado e Heron para outro. Ela sempre gostou ainda dele, mas Heron não quis mais saber dela. Por isso ela se tornou ainda mais amarga do que já era. E morre de raiva de você por vê-lo tão grudado ao seu lado. E vai morrer ainda mais quando souber que você vai virar chefona de todo mundo... – Kendra continuou tagarelando. 

Aquilo de verdade era surpreendente. Mais tarde eu perguntaria ao Heron sobre isso. Sei que seria invasão de privacidade, mas ele era meu amigo. Contava-me tudo que eu perguntasse. 

- Bem, mas todo mundo ficará sabendo hoje à noite. Lucian dará um jantar. – falei.

Kendra bateu palmas. 

- Que divertido! Você sabe que os jantares aqui são grandes bailes de gala na verdade, né?  

- Não. 

- Então vou te ajudar a se vestir e se maquiar. Quem sabe você não se enrola com o Heron de vez! Papai ficaria muito feliz. – ela disse. 

Revirei os olhos. Pelo jeito teria que me acostumar com a personalidade iluminada de Kendra. 

  

 

  


Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo