CAPÍTULO IV

Encostado na mureta feita de pedras cinzas, observei o sol que começava a nascer. 

O mar quebrava no rochedo lá embaixo, azul escuro e tão gelado quanto minha alma estava ao lembrar do que havia feito. 

Não me arrependo nenhum segundo de ficar com a irmã de Handora. A doçura dela terminava, quando tirei a última peça de sua roupa e a reverenciei com cada parte de minha língua, mais tarde com o próprio corpo, de um modo que seus gemidos ecoavam pelas paredes daquele lugar abandonado. 

Por dentro, não ouvi meu demônio reclamar dessa bobagem. Estava começando a desconfiar que nem mesmo me transformava. Tive que admitir para mim mesmo, que ontem não havia tentado, ao bater de frente com aquelas bestas por ter medo de me decepcionar. Provavelmente não saberia lidar com isso. Aliás eu era péssimo em lidar com sentimentos ou qualquer coisa nesse quesito. Desde acessos de raiva a ataques violentos e de emoções mais fortes. Nunca levava de um jeito bom. 

Ouvi os passos de Kendra, tão leves e suaves, que me virei. Ela estava parada na entrada da escadaria de onde eu havia subido, para conseguir respirar. Estávamos na parte mais alta da torre, para um patamar que se abria, no telhado e suspirei, vendo-a com uma saia preta apertada e uma blusa de mangas longas. Ao lembrar de minha boca entre aquelas pernas... Talvez não tenha me arrependido assim. Segurei o sorriso e pisquei para ela. 

Vi que ela andava roçando as coxas, um jeito específico de uma mulher bem satisfeita e com dores de uma noite bem aproveitada, mas que traziam ligeiros desconfortos. 

- Você está bem? - indaguei indicando com o nariz, sua saia. 

Ela segurou a respiração, os olhos brilhantes. 

- Estou ótima. - ela sorriu. 

Assenti e mordi os lábios por dentro. 

- Podemos ir? Teremos que ir voando, já que nosso carro foi destruído. - observei. 

Seu rosto perdeu toda a cor abruptamente e ela assentiu. 

- Daqui para lá são poucos quilômetros. Poderíamos fazer andando para não cansá-lo. - sua voz não estava mais doce e sim sem emoção. 

Olhei fixamente em seu rosto e perguntei a mim mesmo o que estaria acontecendo entre ela e Handora para que sua expressão se fechasse daquela forma. Será que elas teriam brigado ou algo assim? E eu estava forçando uma aproximação nada amigável? 

Bem, eu descobriria em breve. 

- Não. Tudo bem. Vamos voar. - falei. 

Kendra concordou com a cabeça e voltou para dentro, acredito que para buscar sua mochila.

Respirei fundo, ignorando meus dedos que tremiam e a segui. 

                                        ***

Meia hora mais tarde estávamos no céu. 

A paisagem era incrível. Me lembrei de ter estado ali quando os mares ainda sequer tinham nomes. De ver a água lapidando as pedras tão perfeitamente, que ninguém veria defeitos. O paredão tão comprido correndo ao longo do condado de Clare, levava quilômetros. Se estendendo até onde a visão se perdia. O Sol havia subido mais no céu e alimentada por sangue direto da veia, Kendra não estava com frio, mesmo que as rajadas de vento levassem nossos cabelos para trás e às vezes, envergasse a pele. 

Seu rosto, frio e branco como mármore, observavam nosso horizonte sem qualquer vestígio de emoção. A coisa deve ter sido mesmo feia. 

Ela levantou um dedo e apontou para um ponto perto da beira do penhasco, sob um grama fresca, que dali vi uma pedra cinza, mas não soube identificar o que era. 

- Ali. Vamos descer. - ela disse, a voz pesando dois quilos em algo sombrio. 

Eu conhecia Kendra há décadas. Jamais havia visto aquele rosto tão fofo, sorridente naquela escuridão.

Não consegui falar nada e apenas desci, inclinando as asas para trás, simplesmente planando com sutileza até aquele pequeno monte estranho e segurei mais firme Kendra em meus braços. Pousei imperceptível sob a relva rasteira, que se agitava em uma brisa marítima. 

Larguei nossas malas ali mesmo e Kendra andou até a estrutura, que do céu não era muito visível, mas parado ao seu lado, ergui as sobrancelhas para encarar, não entendendo porque estávamos diante do que parecia ser uma estátua de duas asas fechadas para trás. Caminhei até onde Kendra parou na frente da estátua, que estava de joelhos e curvava os braços abertos para cima, as palmas apontadas para o  Oceano como se estivesse entoando sua imagem. Os cabelos abundantes correndo pelos ombros e asas, parando na cintura onde o vestido se dobrava, por ela estar de joelhos. Ao parar na frente da estátua, vendo seu rosto pela primeira vez, arregalei os olhos. Senti minhas pernas fraquejarem, o coração batendo tão rápido, que martelava em meu peito, tão sonoro quanto o mar que deságua nas pedras abaixo de nós. 

- Handora amava o mar. - Kendra olhava para a imagem. O rosto de Handora, sério, como uma Deusa impetuosa que ela era, de fato. Não passou despercebido, o verbo no passado. - Ela dizia que estar no mar, era como passar por um portal, onde a alma encontrava o sentido do bem e renovava nosso ser. Acho que foi digno que ela fosse representada desse jeito. 

Fechei meus olhos, escutando o que eu sabia que ela ia dizer. 

- Aquela batalha que enfrentamos, não foi nada perto do massacre de alguns anos atrás. Levou embora todos que conhecíamos e sobraram quase ninguém. - sua voz tremia. -  Alaster não resistiu e Zahir tomou a frente de meus cuidados para que nada me acontecesse. Mas, Handora abraçava o mundo e o queimaria até o fim se com isso fosse estabelecida a paz. Ela fugiu de Melahel,

que a mantinha praticamente presa, com medo de que ela enfrentasse tudo sozinha. E adivinha o que ela fez? 

“Achou a base de nosso inimigo no meio de um Inferno hostil de demônios, colocou fogo um por um, mas eram muitos. A torturaram durante algum tempo, tempo suficiente para que Melahel e nós percebêssemos o que ela havia feito. Tentamos resgatá-la e enquanto ela rasgava, dilacerando de dentro o exército de demônios, nós íamos por fora. Ao chegar lá, ela já estava praticamente morta. A fúria de Melahel foi terrível e ele destruiu todos que restaram”. 

Senti uma mão se fechar sob minha garganta, mas não falei nada, quando abri os olhos. 

- Ele queimou seu corpo, como ela gostava de dar um fim digno aos seus amigos. As cinzas foram jogadas no mar. Os filhos construíram a estátua em homenagem a ela. - ela chorava silenciosamente e os olhos como os da mulher que eu amava, estavam vazios e em dor. 

Um sentimento oco e frio retumbou dentro de mim. 

Não houve choro, nem lágrimas e muito menos desespero. 

Observei a estátua tão imóvel e não consegui sentir nada. Mas, referente a isso. Era como se tudo, a ansiedade que eu estava para vê-la, a vontade imensa de abraçá-la, o êxtase que carregava no peito ao relembrar de seu rosto, estivessem sido preenchidas por um silêncio mortal dentro do peito, onde nem mesmo meu coração parecia bater mais. Uma estabilidade sensorial sem nenhum vínculo com sentimentos humanos tomou controle de minha mente e algo de mim, se lembrou da onde vinha isso, mas não quis me recordar. Era uma sensação tão antiga quanto minha criação. 

Mas, sabia que aquela estátua não poderia representar o suficiente de alguém que eu amava tão viva e intensa como Handora. Ela era poderosa, cruel e absurdamente linda para ser resumida a pedras em um lugar longe demais para que qualquer um visse seu esplendor. Isso nunca faria jus a ela. 

- Não sobrou ninguém? - perguntei, a voz morta, calculada e sem nenhum vestígio do humor negro sempre presente como uma arma. 

Kendra me encarou, como se estranhasse minha reação e uniu as sobrancelhas com o rosto tenso. 

- Não sobrou ninguém. Melahel acabou com todos. 

Balancei a cabeça e desviei meus olhos para a estátua, me curvei e segurei seu queixo imóvel, tão gelado como a morte. Os olhos inexpressivos e tão falsos. Soltei a pedra, com medo de quebrá-la com meus dedos que tremiam e me virei de costas para Kendra. Respirei fundo e não tinha nada na mente para dizer ou fazer.

Kendra se aproximou e pegou meus ombros. 

- Eu entendo se quiser um tempo. - ela disse. 

Fechei os olhos, a pontada de um monstro dentro de meu ser. Seria meu demônio? 

Minha pele se arrepiou e senti o brilho se tornar mais intenso do elo sob minha cabeça. As tatuagens se tornaram marcantes pelo ardor na pele e a raiva tremulou dentro de mim, como um fio invisível.

- Podemos ir? - trinquei os dentes e passei a mão pelo cabelo, que me incomodava ao tocar em meu rosto. De repente, a mão de Kendra em mim, se tornou pesada e insuportável. 

Ela parou em meu campo de visão, pois eu havia reaberto os olhos e algo naquele dourado me doeu, tão amargamente que me afastei, abrindo as asas pesadas banhadas a ouro amanteigado pelo sol que nos inundava e olhei uma última vez para aquela estátua, que estava me sufocando e tirando o ar, que no fundo eu sequer precisava. Mas, saía em rasas respirações e peguei as nossas malas. 

Kendra limpou o rosto e sua expressão estava decepcionada. 

- É isso? - ela me perguntou. 

Cruzei os braços, colocando as asas em guarda. 

- Ela morreu e você não demonstra nada? - a voz dela sofria.

Não me importei. Nada me importava mais. 

- O que você queria? Que ferisse um coração que não existe? - soltei, minha voz tão glacial e cortante como vidro. 

A indignação avançou por seus olhos e ela sem esperar nada, socou meu rosto com força. Foi tão certeiro, que atingiu meu nariz e o sangue espirrou pela grama, quase atingindo a estátua. 

- Você a amava. Eu sei que amava. Como pode não sentir nada diante da morte dela? - sua voz ultrajada gritava para mim. 

Pisquei os olhos, parado e sem mudar minha expressão neutra, calculista. 

- Você pensou nisso enquanto eu a fodia com tanta força que tremeram aqueles tijolos? - apontei para trás, como se aquela torre estivesse próxima de nós, e não há quilômetros. 

A raiva tilintou como labaredas naquele dourado, que me deixava sem fôlego. Não conseguia encarar seus olhos e trazer Handora para meus pensamentos… Eu não conseguiria. Não poderia lidar com toda aquela carga que vinha junto. 

- Me leve embora agora. E espero que o Inferno arda com sua alma. - ela disse. 

Não esperei para mais nada, quando a peguei nos braços ainda gentil, mas o peito carregado de trovões como uma tempestade escura, apenas esperando para chegar e me afogar. 

                                                     ***

De joelhos, meu coração bombeava alto e meu corpo balançava com o vento, mas não tinha reação nenhuma, postado no chão daquele jeito como se estivesse rezando. E poderia até ser encarado como piada, porque ninguém salvaria minha alma - se eu tivesse uma - de tudo que eu havia feito nesses últimos dois dias. 

Não tinha certeza do que tinha acontecido. Me lembrava de deixar Kendra no aeroporto sem olhar para trás. Apenas quis garantir que ela chegaria até ali e em segurança voltasse aos Estados

Unidos. Caminhei, retornando para o condado de Clare a pé. A mochila pendendo em um ombro e totalmente sem rumo. 

Sabe quando nada preenche seus pensamentos a não ser um silêncio retumbante? 

Eu estava oco por dentro. Uma casca com ódio, dor e morte pesando em cada fibra, em cada poro como se fosse uma segunda pele. 

Me sentei finalmente sob a grama, observando o mar do Atlântico agitado, tão terrível como o ser que eu era. Ouvi algo pingando e não quis prestar atenção de onde vinha, apenas fiquei olhando para a frente sem qualquer reação.

Não tinha mais a voz de meu demônio e então estava só. 

- Heron… - uma voz feminina estava horrorizada. - O que você fez?

Levantei meu rosto débil, inútil, cheio de frieza e a encarei. 

Ash estava com suas asas douradas, prima das minhas e o vestido como algo parecido com os que os egípcios usavam, estava enrolado em seu corpo voluptuoso. Os cabelos longos soltos e volumosos. Ela estava com a alça transpassando seu peito de um arco alojado em suas costas, entre as asas. Ash poderia ser a própria cupido do amor. 

Soltei uma risada estranha que ressoou em meus ouvidos. 

- Você está ficando louco? Bateu com a cabeça? - ela se colocou na minha frente e a raiva dela sobressai em lufadas quentes. 

Dei de ombros. Eu não ligava. Não me importava com mais nada. Será que já tinha dito isso em voz alta? 

Finalmente me coloquei de pé, meio trôpego, um flash rápido passou por minha mente e me lembrei de virar cada garrafa, todas elas, daquele bar sujo horrível da vila que queimava em minhas costas. Ri de novo ao rever em minha cabeça, o dono do bar - um homem gordo, rubro e com cabelos vermelhos - dançando ao som de música dançante gay, foi apenas uma faca no joelho e descobri o que ele gostava de fazer com garotos novos demais para entender que aquilo era errado, junto com a garçonete que roubava dinheiro do caixa para consumir drogas ilícitas… Ri ainda mais do que antes, quase gargalhando. 

Ash me olhou, a raiva um pouco deixada de lado, para me olhar como se eu fosse um doido. 

- O que aconteceu com você? 

Pisquei para ela e ouvi algo gotejar novamente. Olhei para baixo e notei que era o sangue em minhas mãos, tão denso escorrendo que parecia o meu próprio, respingando no gramado verde e cheio de orvalho. 

- Ei. - ela bateu em meu peito. - Você devastou um vilarejo inteiro! 

Cruzei os braços, mesmo manchando a camisa preta e aquilo era apenas umas das manchas. Meus braços estavam cobertos de sangue e terra. Descalço e os pés imundos, que sequer havia notado e respirei fundo. Fiquei esperando vir qualquer sentimento diferente daquele breu congelado que me sugava, me chamando e me possuindo e não veio.

Sua mão bateu em meu peito novamente e lembrei de Kendra fazendo aquilo. 

- Tire a merda de suas mãos de mim! - rosnei como um animal, nada humano. 

Sua expressão não se alterou. 

- Você violou pelo menos algumas centenas de vidas, Heron. - a raiva e o nojo estavam presentes como um tapa em minha cara. - Você tem ideia do que fez? Da carga energética que isso terá para sua existência? 

Apontei para ela, com garras surgindo nas pontas dos dedos. 

- Vocês me arrastaram para toda essa merda. Eu já destruí milhões e milhões de vidas humanas. Nunca violei um corpo como você está dizendo. Mas, você acha que isso me importa? Esse povinho teve o que merece, e se servir de desculpas, o fato de que eu estava entediado, pode levar em consideração. - falei, tão inflexível e sem emoção. - Eu não me importo.

Ash abriu os lábios para dizer algo, mas ficou parada me avaliando como se eu fosse uma experiência científica que havia dado errado. Se levar em conta o que era, o que tinha feito e onde estava. Talvez sim. Sua expressão foi de ira homicida a algo tão frágil em seus olhos que não entendi. 

- Você soube. - ela disse, sua mão se levantou e quase tocou meu ombro, mas ela deixou cair e reconheci o que estava em seus olhos. Era pena. - Eu disse a você para não ir atrás dela, Heron. Isso não poderia acabar bem para nenhum de vocês. E não terminou mesmo. Olha para você. Você massacrou pessoas inocentes por auto sabotagem. Você sabe que ela odiaria vê-lo dessa forma. Porque você se odeia dessa forma. Handora era o que trazia a luz que o guiava. 

Mordi o interior de minha bochecha, sentindo o gosto de sangue. 

Meu coração parou ao ouvir o nome da mulher que eu mais havia amado. Aquele anjo jamais saberia o que passava em minha cabeça, ninguém nunca saberia o quanto eu amei Handora e o quanto a dor estava me devorando de dentro para fora sem que eu tivesse qualquer controle sobre isso. Me deixava incapacitado, dormente em um estado devastador. O que aquela forma insignificante entendia sobre o que eu estava sentindo? 

Mas, não previ o que isso causaria. 

Repassei os gritos dos humanos correndo em pânico, pelo fogo, sangue e o elo que cortava e degolava cada vida, ceifando suas malditas existências em questão de segundos. Havia dito a verdade, eu já tinha matado até cobrir o queixo nadando em seu sangue. E pouco fazia diferença. Agora ainda menos. Foi um prazer acabar com cada humano. Homens, mulheres - as mais bonitas, eu tinha me alimentado - velhos e crianças. 

Eu era um demônio e ninguém tiraria aquilo de mim. 

No entanto, toda a escuridão que morava dentro do que eu considerava esse ser, tremeu em cada respiração ao ter o nome daquela que havia sido minha consorte por poucos anos. Eu não estava esperando que minha reação fosse tão intensa. 

Nesse momento um monstro gritou, reverberando por cada onda sonora que saiu de meus lábios, destruindo absolutamente um raio de um quilômetro. Ofegante, cai de joelhos e minhas asas se soltaram, vibrando com um poder sombrio tão denso, que Ash havia sido jogada para longe, assim

como as construções, o fogo que tinha queimado transformando tudo em cinzas, foi apagado pelo meu grito cortante e a terra sob minhas pernas tremia, formando pequenas rachaduras no chão. Meu coração voltou a bater e o mal encarnado surgia sob minha pele, de um jeito que só havia sido nos primeiros séculos depois de minha queda do Céu. 

Eu lembrava perfeitamente do que tinha habitado em meu corpo, como uma besta com uma roupa de carne, se alimentando, matando e corrompendo quantas almas pudesse. E eu tinha amado ser aquilo. Aprendi que quando se olha muito para a escuridão, ela reage a você como uma amante poderosa e se torna parte sua tão profunda como algo vital, e tão letal quanto aquela dor que me esmagava como um compressor. Levando tudo que um dia fui com Handora. E deixei ir. Não queria mais me sentir ferido, como um passarinho com asa quebrada. Eu era melhor que isso e pior, sendo aquele monstro que me olhava de volta. Escutei meu demônio interior, rugindo, lutando como eu para sobreviver a isso e sair inteiro. 

Vi que minha única alternativa era deixar ser aquele monstro cruel. 

E me ergui, emergindo, levitando alguns metros acima do chão, como morte em minha pele, não o anjo, mas a própria criatura e cortinas de trevas violentas. Então explodi, gritando novamente em vibrações profanas negras, pendendo pelo ar. Senti a mudança mais do que vi. O campo de visão ficou toldado como à noite, o sol foi tampado por aquela magia estranha que se agitava para fora do que eu era. Meus olhos, não mais dourados, negros por completo e arreganhei os dentes, a besta do Inferno tão irada quanto o próprio Diabo. Minhas asas voltaram a se tornar escuras como as gavinhas pretas que saiam de meu ser e me rodeavam como cobras. Minha pele cor de oliva, agora ligeiramente mais escura pelos dois dias de Sol daquela recente carnificina, queimou como ferro em brasas, modificando as tatuagens que antes eram orações de boas vindas às almas passageiras, mas que se tornaram canções sangrentas chamando a obscuridade e devassidão como entes queridos em um dialeto da língua dos mortos. Não usada há mais de cinco mil anos. 

Ash, que estava caída, sangrando em uma pilha de grama arrancada, se colocou sob os cotovelos, seu rosto sujo em puro terror, encarando o ser que se elevava sob asas gigantes escuras. Meu elo ainda estava ali brilhando dourado, mas sua luz tão amanteigada estava rodeada de algumas gavinhas negras como toda a minha presença. 

- Deus da Morte. - ela sussurrou.

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