As sombras de um império sempre foi assim que eu me sentia. Sempre foi como se eu não tivesse meu lugar no mundo. Ao contrário de Zyan, que desde pequeno sempre pôde fazer tudo o que sempre quis. Diferente dele, fui trancada em uma redoma de vidro, sempre ouvindo: 'Malia não pode fazer isso, Malia não pode fazer aquilo.'
Mas eles se esquecem de que eu sou um ser humano, não uma boneca. Tenho sonhos, desejos, e não vou deixar que comandem minha vida para sempre. Já estou cansada demais para isso. Terminei o colegial da máfia, sim. Criaram um colégio para que seus filhos não se misturassem com pessoas normais, dizendo que seria para nossa segurança. Vocês não têm noção de como isso é perturbador. Meu sonho é fazer moda, assim como tia Isenna, e Zarina quer fazer Ballet. No entanto, não sei até que ponto podemos sonhar com isso. Tenho certeza de que, quando nossos pais descobrirem, surtarão. Mas mesmo assim, tivemos a brilhante ideia de nos inscrever na faculdade mais renomada da França, em Paris, exatamente como sempre sonhamos. **Lembranças on:** Naquela época, tínhamos 12 anos. — Zarina, me fala qual é o seu sonho para a universidade? — Ela me olha surpresa, pois assim como eu, ninguém nunca ousou nos perguntar algo assim. — Ah. — Ela solta o ar. — Meu sonho é poder ser livre dos portões da máfia de nossos pais e poder fazer minha faculdade de balé. Conhecer pessoas de verdade e ser conhecida por quem eu sou, não por ser uma Ivanov ou uma das mulheres da máfia de bratva. — E você? — Eu sinto o mesmo que você. Quero ser livre também, poder viver sem regras, conhecer lugares diferentes. Quero estudar moda como tia Isenna. Mas, diferente dela, eu quero poder exercer moda. Não quero me casar pela máfia, e sim por amor. Isso será lá na frente, não no auge dos meus 19 anos, entende? — Te entendo, pois penso a mesma coisa. **Lembranças off:** Então, naquele dia, decidimos que quando tivéssemos 18 anos, iríamos sim para uma universidade, e ela não seria na Rússia. Essa é a universidade mais "cringe" de toda a França, localizada em Paris, o país da moda. Diferente de muitas universidades, lá é mais especializado em moda, artes e dança, ou melhor, em balé clássico. Eu sei, assim como vocês, que a Rússia é o lugar onde nasceram as melhores bailarinas e pintores conhecidos, mas convenhamos: acha mesmo que eu e Zarina queremos ficar trancadas nos portões da prisão dos Mikhailov? E se ainda não se lembram de nós, deixe-me refrescar suas memórias. Sou filha de Nikolai Mikhailov e Zoya Petrova Mikhailov, e Zarina é filha de Anastasia Mikhailov Ivanov e Dmitri Ivanov. Agora, para os que pensam que somos as famosas mimadas e insuportáveis, e se estiver pensando assim, tudo bem, eu não ligo. Porque ligaria mesmo? Sempre fui muito mimada mesmo, mas isso não é apenas o que define a minha vida. Sou muito mais do que uma garotinha que precisa ser salva. Ou melhor, eu não pretendo ser salva de uma torre, e nem espero que meu príncipe encantado venha de cavalo branco me salvar. Se está pensando que minha vida é uma daquelas histórias clichês da filha indefesa do mafioso, é aí que vocês se enganam. Eu quero ser livre e viver com minhas próprias pernas, sem ter que depender do sobrenome do meu pai para crescer na vida. Quero cometer meus próprios erros, mesmo que isso me leve para o fundo do poço. Quero dançar em cima de um palco, num bar da esquina ou nos maiores palcos já vistos na França. Quero beijar na boca e me sentir desejada, não me casar com uma pessoa que meu pai escolher para ter uma nova lealdade. Por isso, decidi que irei para Paris, meu pai querendo ou não. Não viverei trancada nessa mansão sem conhecer o que o mundo tem de melhor e pior a me oferecer. Só tenho que esperar a carta de aceitação da escola. Depois disso, enfrentarei a fera. Não vou abaixar a cabeça para meu pai e mostrarei a ele que a princesinha dele cresceu, e ele terá que lidar com isso. Há alguns anos, eu e meu irmão perdemos a conexão que tínhamos após ele começar os treinamentos da máfia, o mesmo que eu não quis fazer, nunca quis e nunca irei fazer, pois não quero ter que matar alguém, por mais que essa pessoa mereça morrer. Para mim, a minha saúde mental vale mais do que pertencer a esse mundo. A desconexão com meu irmão pesa, mas a decisão de não seguir os treinamentos da máfia é inabalável. Eu valorizo minha saúde mental demais para me perder nesse mundo sombrio. A carta da escola é minha passagem para um novo começo, longe das amarras da minha família. Claro que sinto falta do meu irmão, mas acho que ele não sente o mesmo, então comecei a parar de me importar com todos à minha volta. Desde de então comecei a desenhar esboço passava horas e horas desenhando modelos que um dia sonhava em ver pelas passarelas. É como se ali eu pudesse ser eu mesma, sem me importar com mais nada. Naqueles esboços, só existe eu e os papéis onde eu sonhava com um mundo meu. Mandei minha inscrição para a universidade, e a única pessoa que sabe sobre isso é a Zarina, pois ela pretende ir comigo, só que fará Ballet. Tenho certeza de que o pai dela surtará tanto quanto o meu. No outro dia acordo bem cedinho para ser a primeira a ver as cartas recebidas. Desço as escadas sem fazer barulho algum. — Me sinto fazendo a coisa mais errada do mundo, mas eu não estou, não é? Por que o que tem de errado em querer viver minhas próprias escolhas e não as dos outros? A vida é minha, não é? Chego na cozinha e logo vejo Amaria, nossa governanta, com todas aquelas cartas na mão. Em passos longos vou até ela. — Eu preciso saber se há alguma coisa para mim? — Digo em pura aflição. — O que faz acordada tão cedo? — Por favor, só vê se tem algo para mim. Ela começa a passar carta por carta, e a cada carta que se passa, sinto que meu coração vai sair pela boca. Vejo ela me encarando como se não entendesse o que está escrito. — Você sabe que seu pai vai surtar, não sabe? — Ele não pode mandar na minha vida para sempre, não é? Ela me entrega a carta, e corro o mais rápido que posso para o meu quarto. O medo de alguém aparecer por aqueles corredores me assombra. Entro no quarto tão empolgada para ler o que está escrito que esqueço de um detalhe muito importante: Trancar a porta. Seguro a carta da universidade nas mãos, sentindo a pulsação acelerar com a mistura de ansiedade e excitação. Antes que eu possa mergulhar nas palavras que podem definir meu destino, a porta do quarto se abre abruptamente, revelando meu pai. Seus olhos se fixam na carta, uma mistura de curiosidade e preocupação me toma por inteira. — Posso saber o que é isso em suas mãos, Malia? — Ele pergunta sem tirar seus olhos de mim. — Não é nada que seja para o senhor. — Respondo friamente. Antes que eu possa ler o que há escrito dentro, ele toma a carta de minhas mãos, o pavor se instala em meu corpo e o ódio em meus olhos. — Você não tem o direito, me devolva. — Grito para ele, mas parece não surgir efeito algum. Pode-se ver em seus olhos que, ao ler sobre minha admissão na universidade de dança, meu pai é envolvido por uma enxurrada de emoções. O quarto se torna pequeno para nós dois. — Se você acha que irá para essa universidade, você está muito enganada, mocinha. Você não sairá da Rússia, nem que eu tenha que te prender dentro de casa. — Vamos ver se você será homem o suficiente para isso, pois eu não vou desistir de meus sonhos por causa da sua máfia. VOCÊ NÃO TEM ESSE DIREITO. — O quarto se torna um campo de batalha verbal, onde tradição e medo confrontam meus sonhos.Os gritos ecoam pelos corredores da casa; cada palavra áspera de meu pai ressoa como uma melodia dissonante, alimentando minha determinação de lutar pelo que conquistei. Entre gritos, ele tenta controlar meu destino, colocando-me dentro de uma redoma de vidro como uma boneca sem sentimentos. — Espero que você não seja surda, pois você não sairá da Rússia para ir para uma universidade na França. Respondo com coragem nunca antes demonstrada: — E quem vai me impedir? Você? Então, só te desejo boa sorte, porque você não irá controlar minha vida para sempre. Minhas palavras cortantes reverberam no tenso silêncio que se segue. Em 18 anos, nunca havia falado assim com ele, mas chegou o momento de questionar a redoma de vidro na qual cresci. Por muito tempo, vivi em uma bolha, enquanto meu irmão desfrutava de uma vida normal. Minha mãe tentou intervir, mas até ela era ignorada. Mas até quando eu terei que fazer tudo o que ele manda? É hora de tomar as rédeas da minha vida, de quebr
Crescer na máfia, onde o machismo é evidente, é um desafio diário, especialmente quando você deseja seguir caminhos diferentes dos planejados pelos sua família. Testemunhar a desigualdade constante imposta às mulheres na máfia é emocionalmente abalador. Para eles, nosso propósito parece limitado a gerar lealdade, como se fôssemos contratos destinados a fortalecer os negócios da família.Nossos sonhos são relegados a uma gaveta trancada com sete chaves, uma metáfora para o segredo e a inacessibilidade que envolvem nossas aspirações. Eu e minha prima Malia enfrentamos uma luta constante dentro de nossas próprias casas para evitar que nosso futuro seja moldado pelas restrições impostas a tantas outras mulheres.Somos agora a sombra dos homens em nossa família. Com o tempo, irmãos e primos se tornaram estranhos. Antes, podíamos compartilhar nossos medos e segredos mais profundos com eles, mas hoje, são como desconhecidos para nós. A distância que cresceu entre nós é como uma névoa que obs
Com um suspiro de alívio, agradeço a Irina por sua discrição e esperança. Pego a carta da universidade nas mãos, sentindo uma mistura de nervosismo e excitação. Ao voltar para o meu quarto, abro o envelope com cuidado, sabendo que este papel pode mudar completamente o curso da minha vida.A ansiedade cresce enquanto leio as palavras impressas. Minhas mãos tremem, e finalmente, vejo as letras formando a resposta tão aguardada. “ APROVADA “ lá estava as tão esperada palavra. Uma onda de emoção me envolve ao constatar que fui aceita. É um misto de alegria, alívio e a certeza de que estou prestes a iniciar uma jornada extraordinária.Decido guardar a notícia por enquanto e compartilhá-la no momento certo. Esta conquista é minha, um passo ousado em direção ao meu futuro. Mesmo sabendo dos desafios que enfrentarei, estou determinada a trilhar esse caminho. Com um sorriso nos lábios, olho pela janela, ansiosa para contar aos meus pais sobre essa nova etapa da minha vida.Ouço risos e conve
O dia se desenrolou no silêncio tenso do meu quarto, evitando confrontos inevitáveis com meu pai. O medo de palavras ditas no calor do momento torna-se um peso adicional que me faz preferir a solidão. A noite avança, e minha mente continua a girar entre pensamentos tumultuados. A dor de cabeça me força a sair do quarto em busca de alívio. Na cozinha, um remédio e um sorvete parecem ser a resposta momentânea para os tormentos que me assombram. Imersa em meus próprios pensamentos, encaro o pote de sorvete como um refúgio temporário. Sem perceber, Zyan entra silenciosamente pela porta, e só noto sua presença quando sinto seus olhos sobre mim. O encontro de nossos olhares é um instante de compreensão silenciosa, como se nossas lutas individuais se conectassem em um momento de vulnerabilidade compartilhada. A visão do meu irmão machucado contrasta fortemente com as lembranças mais antigas de nossa relação. A vontade de perguntar sobre seu estado de saúde e expressar minha preocupação
Zarina Ivanov Corro para meu quarto, preciso contar tudo para Malia. Pego o telefone e disco seu número, chamo várias vezes, mas ela não atende. Tento diversas vezes, mas sempre cai na caixa postal. Começo a ficar preocupada, hoje também chegaria a carta dela da universidade, e começo a pensar que a resposta pode ter sido negativa, ou que até mesmo a reação do tio Nikolai não tenha sido boa.Meu pai sempre entendeu meu lado muito mais do que o pai de Malia. Tá, eu até entendo que ele seja o Don da bratva e meu seja o sub e conselheiro dele, mas mesmo assim, os limites impostos na vida de Malia sempre foram bem maiores.Respiro fundo, tentando acalmar os nervos, e decido enviar uma mensagem para Malia, expressando minha preocupação e pedindo para que ela retorne assim que possível. Enquanto espero, tento manter a esperança de que a situação pode não ser tão grave quanto imagino.Pois se ela não for comigo, não terá a mesma graça. Sonhamos com isso juntas, foi um juramento que fizemos
Depois de conversar com Zarina, desço as escadas correndo atrás de minha mãe e paro no último degrau quando vejo meu pai e meu irmão conversando sobre uma missão. Minha vontade era passar por eles sem nem dar bom dia, mas sei o quanto minha mãe ficaria chateada com isso. — Bom dia. — Falo seca, andando em direção à cozinha. — Bom dia. — Os dois respondem. — Parece que alguém acordou animada para abandonar a família. — Meu pai diz com deboche. — Nunca soube que quando alguém vai para a faculdade abandona a família. Aliás, se o Zyan está na sua frente, significa que isso não existe, ou existe só para o caso de quando a filha é mulher? — Perguntei no mesmo tom. — Olha o jeito que você fala comigo. — Indagou irritado. — Já ouviu falar sobre reciprocidade? Se quer respeito, deve me tratar da mesma forma, não é? Antes mesmo que ele responda, saio dando as costas para ele em direção à cozinha. — Mamãeeeee, mamãeeeeee! — Grito indo até ela. — Alguém acordou animada, bom dia meu amor.
Eu nunca pensei que o tio Nic pudesse tratar a Malia daquele jeito. Sei que ele faz de tudo para proteger a família, mas dessa vez ele passou dos limites. Na verdade, se formos observar bem, ele tem pegado pesado há algum tempo. Antigamente, quando éramos crianças, não era assim. Eles pareciam uma daquelas famílias felizes e amorosas de comercial de TV. Mas tudo mudou quando Zyan começou o treinamento na máfia. Malia foi colocada em uma redoma. Não podia ter amigos, sair ou mesmo ir a pequenas festas, por mais inofensivas que fossem. Ela tinha tudo de material que podia desejar, mas por mais que se esforçasse, nunca conseguiu se sentir orgulhosa ou ganhar algum reconhecimento do tio Nic. Tudo para ele girava em torno do filho, que se tornaria o futuro Don. Ele deixou Malia de lado. Após toda a gritaria e palavras jogadas ao vento como se não significassem nada, o avô da Malia interveio. O silêncio reinou por um longo momento. O olhar perdido de Malia causava pena, mas apenas eu sab
— Eu não vou abrir mão da minha vida por suas convicções, pai. Como te disse várias vezes, se essa é a última coisa que você tem a dizer, então prefiro ser deserdada desta família.Todos na sala me olham chocados. Meu pai se levanta furioso, vindo em minha direção, e levanta a mão para me dar um tapa, mas Zyan é mais rápido e o segura.— Pai, acalme-se. Pense no que está fazendo. A Malia não merece ser tratada assim. — Meu irmão intervém, segurando firmemente o braço do nosso pai.— Você está passando de todos os limites, Nikolai. — Meu avô acrescenta, com voz firme.A tensão na sala se torna insuportável. Meu pai, ainda ofegante de raiva, olha para Zyan e depois para mim. A luta interna dele é visível, uma batalha entre seu desejo de controle e o amor, ainda que distorcido, que sente por nós.— Vocês acham que é fácil? — Grita ele, a voz ecoando pelo salão. — Vocês acham que eu quero ser esse monstro? Eu só quero proteger vocês, manter vocês seguros!— Mas não é assim que você faz is