Os gritos ecoam pelos corredores da casa; cada palavra áspera de meu pai ressoa como uma melodia dissonante, alimentando minha determinação de lutar pelo que conquistei.
Entre gritos, ele tenta controlar meu destino, colocando-me dentro de uma redoma de vidro como uma boneca sem sentimentos. — Espero que você não seja surda, pois você não sairá da Rússia para ir para uma universidade na França. Respondo com coragem nunca antes demonstrada: — E quem vai me impedir? Você? Então, só te desejo boa sorte, porque você não irá controlar minha vida para sempre. Minhas palavras cortantes reverberam no tenso silêncio que se segue. Em 18 anos, nunca havia falado assim com ele, mas chegou o momento de questionar a redoma de vidro na qual cresci. Por muito tempo, vivi em uma bolha, enquanto meu irmão desfrutava de uma vida normal. Minha mãe tentou intervir, mas até ela era ignorada. Mas até quando eu terei que fazer tudo o que ele manda? É hora de tomar as rédeas da minha vida, de quebrar a redoma imposta por meu pai. A necessidade de independência, de ser a autora da minha própria narrativa, torna-se mais forte do que qualquer grito que ele possa lançar. É o momento de trilhar meu próprio caminho, romper as correntes e enfrentar o desconhecido. Decidida, enfrento o olhar furioso de meu pai, sabendo que minhas palavras cortaram fundo. Em meio ao silêncio que se instala, percebo que algo dentro de mim mudou. Pela primeira vez, estou desafiando as regras, recusando-me a ser moldada por sua vontade. Enquanto os ecos dos gritos desaparecem, a coragem cresce. — Até quando eu terei que fazer tudo o que ele manda? - pergunto a mim mesma, consciente de que a mudança é inevitável. Minha mãe, silenciosa testemunha desses conflitos da porta de meu quarto, olha-me com uma mistura de preocupação e apoio. Ela sempre tentou intervir, e agora, em seus olhos, vejo um sinal de encorajamento, como se dissesse “chegou a hora”. Respiro fundo, reunindo forças para enfrentar o desconhecido que me aguarda. Decido quebrar as correntes, dar o passo em direção à minha própria liberdade. — Papai, não se trata apenas de ir para a universidade na França, é sobre reivindicar meu espaço, minha voz e minha autonomia. Eu não sou uma boneca na qual você pode moldar como deseja, eu sou muito mais do que isso e você nunca olhou para mim, me diga o porquê? Porque não quis seguir nos treinamentos da máfia? Não quis ser uma assassina a sangue frio como um dia minha mãe foi? Ou simplesmente por não querer seguir os mesmos passos de meu irmão? As palavras fluem, carregadas de anos de frustração, uma busca por respostas que sempre quis, mas que nunca ousei questionar. Continuo, expondo a lacuna que existe entre nós. — Eu nunca quis nada disso e continuo não querendo. Minha vida sempre foi a moda, os esboços, os modelos que fiz. Diga-me, papai, em quantas apresentações você teve tempo para me ver? Em quantos eventos que fui em premiada você esteve ao meu lado? Eu respondo por você: nenhuma. Minha vida nunca foi digna de sua atenção. O impacto das palavras reverbera no quarto, criando uma atmosfera tensa. Percebo que meu pai está atento a cada sílaba que sai de minha boca, seus olhos refletindo confusão. O silêncio se torna um espelho da complexidade de nossas relações, enquanto aguardo sua resposta, esperando que, talvez, ele finalmente me veja como sou, além das expectativas impostas pela família. O silêncio persiste, como se as palavras que compartilhei pairassem no ar, aguardando uma resposta que parece relutante em emergir. O olhar confuso de meu pai parece perder-se em pensamentos, como se pela primeira vez estivesse confrontando as escolhas que moldaram nossa relação. Finalmente, ele quebra o silêncio com uma voz que carrega uma mistura de perplexidade e reflexão. O olhar do meu pai endurece, resistindo à revelação das minhas verdades. A expressão de perplexidade dá lugar a uma firmeza que conheço bem, sinal de que as antigas crenças ainda exercem seu domínio sobre ele. — Você pode achar que sabe o que quer, mas eu não permitirei que você jogue fora tudo o que construímos. A máfia é uma tradição, uma proteção para nossa família. Você vai para a universidade aqui na Rússia, assim como seu irmão, se ainda quiser estudar em uma, e seguirá o caminho que está destinado a seguir. As palavras de proibição ecoam no quarto, uma barreira impenetrável diante das minhas aspirações. Respiro fundo, mantendo a determinação que me impulsionou até aqui. — Papai, eu respeito a história da nossa família, mas não posso sacrificar meus sonhos para sustentar uma tradição que nunca fez sentido para mim. Eu preciso seguir meu coração. Ele recusa, firmando-se ainda mais em sua posição. — Você não entende a complexidade do mundo em que vivemos. A máfia oferece proteção, influência, segurança. Eu não vou permitir que você coloque tudo em risco por um capricho. — Capricho ? Você acha ser uma capricho querer viver com meus próprios pés ? O quarto se enche com a tensão entre meu pai e eu, suas palavras de proibição ecoando como um muro que parece insuperável. No entanto, mantenho-me firme, decidida a não deixar que essa barreira impeça minha busca por liberdade. — Papai, eu entendo que a máfia pode ter suas razões, mas não posso sacrificar minha essência por algo que nunca escolhi. Meus sonhos, minha paixão pelo moda, são tão legítimos quanto as tradições familiares. Eu mereço a chance de viver minha vida de acordo com minhas próprias escolhas. Ele permanece inabalável, resistindo à ideia de quebrar as amarras que a tradição impôs sobre nossa família. — Você não entende o perigo que está recusando. Há um mundo lá fora que pode ser cruel, e você, ignorando nossos métodos de proteção, estará à mercê dele. Minha resposta é carregada de determinação. — Eu sei que o mundo pode ser difícil, mas prefiro enfrentá-lo do que viver uma vida que não é minha. Eu não desrespeito nossa história, mas preciso encontrar meu próprio caminho. O silêncio paira novamente, mas desta vez é diferente. É algo que nem mesmo eu sei decifrar. Antes que ele diga qualquer coisa, saio do quarto, com a certeza de que a jornada para a autonomia será árdua, mas decidida a superar qualquer obstáculo que se coloque no meu caminho. A proibição do meu pai, por mais forte que seja, não será o último capítulo da minha história. Eu não ficarei parada vendo minha vida passar diante dos meus olhos. — Volta aqui agora, Malia. — Ouço ele gritar. — Não me dê as costas, essa conversa ainda não acabou. Maliaaaaa. — Deixe-a ir. — Diz minha mãe. — Antes que as palavras ditas sem pensar de vocês dois os machuquem ainda mais. Sua filha está certa; você se perdeu. Não é o homem por quem um dia eu admirei. Eu amava ver o jeito que cuidava de nossos filhos quando eles eram pequenos, mas conforme eles foram crescendo, você foi se esquecendo do significado de família. — Não é isso, eu só tenho que proteger minha menina. — Sua menina? Hoje é uma mulher, e você nem a viu crescer, pois estava ocupado demais resolvendo os problemas da máfia ou enfiando o nosso filho dentro dela, que esqueceu que sua filha não é uma boneca que você faz com ela o que quiser. — Deixe-me explicar, por favor. — Ele diz. — Não, não deixarei, pois estou cansada de ver o que se tornou. E acho bom você pensar em tudo que disse à nossa filha e colocar na sua cabeça que ela vai sim estudar na França. Ainda espero que fique feliz por ela, porque se não, muitas coisas vão mudar nesta casa, e te garanto que não irá gostar. Ela vira as costas e sai do quarto, deixando-o lá sozinho com seus pensamentos.Crescer na máfia, onde o machismo é evidente, é um desafio diário, especialmente quando você deseja seguir caminhos diferentes dos planejados pelos sua família. Testemunhar a desigualdade constante imposta às mulheres na máfia é emocionalmente abalador. Para eles, nosso propósito parece limitado a gerar lealdade, como se fôssemos contratos destinados a fortalecer os negócios da família.Nossos sonhos são relegados a uma gaveta trancada com sete chaves, uma metáfora para o segredo e a inacessibilidade que envolvem nossas aspirações. Eu e minha prima Malia enfrentamos uma luta constante dentro de nossas próprias casas para evitar que nosso futuro seja moldado pelas restrições impostas a tantas outras mulheres.Somos agora a sombra dos homens em nossa família. Com o tempo, irmãos e primos se tornaram estranhos. Antes, podíamos compartilhar nossos medos e segredos mais profundos com eles, mas hoje, são como desconhecidos para nós. A distância que cresceu entre nós é como uma névoa que obs
Com um suspiro de alívio, agradeço a Irina por sua discrição e esperança. Pego a carta da universidade nas mãos, sentindo uma mistura de nervosismo e excitação. Ao voltar para o meu quarto, abro o envelope com cuidado, sabendo que este papel pode mudar completamente o curso da minha vida.A ansiedade cresce enquanto leio as palavras impressas. Minhas mãos tremem, e finalmente, vejo as letras formando a resposta tão aguardada. “ APROVADA “ lá estava as tão esperada palavra. Uma onda de emoção me envolve ao constatar que fui aceita. É um misto de alegria, alívio e a certeza de que estou prestes a iniciar uma jornada extraordinária.Decido guardar a notícia por enquanto e compartilhá-la no momento certo. Esta conquista é minha, um passo ousado em direção ao meu futuro. Mesmo sabendo dos desafios que enfrentarei, estou determinada a trilhar esse caminho. Com um sorriso nos lábios, olho pela janela, ansiosa para contar aos meus pais sobre essa nova etapa da minha vida.Ouço risos e conve
O dia se desenrolou no silêncio tenso do meu quarto, evitando confrontos inevitáveis com meu pai. O medo de palavras ditas no calor do momento torna-se um peso adicional que me faz preferir a solidão. A noite avança, e minha mente continua a girar entre pensamentos tumultuados. A dor de cabeça me força a sair do quarto em busca de alívio. Na cozinha, um remédio e um sorvete parecem ser a resposta momentânea para os tormentos que me assombram. Imersa em meus próprios pensamentos, encaro o pote de sorvete como um refúgio temporário. Sem perceber, Zyan entra silenciosamente pela porta, e só noto sua presença quando sinto seus olhos sobre mim. O encontro de nossos olhares é um instante de compreensão silenciosa, como se nossas lutas individuais se conectassem em um momento de vulnerabilidade compartilhada. A visão do meu irmão machucado contrasta fortemente com as lembranças mais antigas de nossa relação. A vontade de perguntar sobre seu estado de saúde e expressar minha preocupação
Zarina Ivanov Corro para meu quarto, preciso contar tudo para Malia. Pego o telefone e disco seu número, chamo várias vezes, mas ela não atende. Tento diversas vezes, mas sempre cai na caixa postal. Começo a ficar preocupada, hoje também chegaria a carta dela da universidade, e começo a pensar que a resposta pode ter sido negativa, ou que até mesmo a reação do tio Nikolai não tenha sido boa.Meu pai sempre entendeu meu lado muito mais do que o pai de Malia. Tá, eu até entendo que ele seja o Don da bratva e meu seja o sub e conselheiro dele, mas mesmo assim, os limites impostos na vida de Malia sempre foram bem maiores.Respiro fundo, tentando acalmar os nervos, e decido enviar uma mensagem para Malia, expressando minha preocupação e pedindo para que ela retorne assim que possível. Enquanto espero, tento manter a esperança de que a situação pode não ser tão grave quanto imagino.Pois se ela não for comigo, não terá a mesma graça. Sonhamos com isso juntas, foi um juramento que fizemos
Depois de conversar com Zarina, desço as escadas correndo atrás de minha mãe e paro no último degrau quando vejo meu pai e meu irmão conversando sobre uma missão. Minha vontade era passar por eles sem nem dar bom dia, mas sei o quanto minha mãe ficaria chateada com isso. — Bom dia. — Falo seca, andando em direção à cozinha. — Bom dia. — Os dois respondem. — Parece que alguém acordou animada para abandonar a família. — Meu pai diz com deboche. — Nunca soube que quando alguém vai para a faculdade abandona a família. Aliás, se o Zyan está na sua frente, significa que isso não existe, ou existe só para o caso de quando a filha é mulher? — Perguntei no mesmo tom. — Olha o jeito que você fala comigo. — Indagou irritado. — Já ouviu falar sobre reciprocidade? Se quer respeito, deve me tratar da mesma forma, não é? Antes mesmo que ele responda, saio dando as costas para ele em direção à cozinha. — Mamãeeeee, mamãeeeeee! — Grito indo até ela. — Alguém acordou animada, bom dia meu amor.
Eu nunca pensei que o tio Nic pudesse tratar a Malia daquele jeito. Sei que ele faz de tudo para proteger a família, mas dessa vez ele passou dos limites. Na verdade, se formos observar bem, ele tem pegado pesado há algum tempo. Antigamente, quando éramos crianças, não era assim. Eles pareciam uma daquelas famílias felizes e amorosas de comercial de TV. Mas tudo mudou quando Zyan começou o treinamento na máfia. Malia foi colocada em uma redoma. Não podia ter amigos, sair ou mesmo ir a pequenas festas, por mais inofensivas que fossem. Ela tinha tudo de material que podia desejar, mas por mais que se esforçasse, nunca conseguiu se sentir orgulhosa ou ganhar algum reconhecimento do tio Nic. Tudo para ele girava em torno do filho, que se tornaria o futuro Don. Ele deixou Malia de lado. Após toda a gritaria e palavras jogadas ao vento como se não significassem nada, o avô da Malia interveio. O silêncio reinou por um longo momento. O olhar perdido de Malia causava pena, mas apenas eu sab
— Eu não vou abrir mão da minha vida por suas convicções, pai. Como te disse várias vezes, se essa é a última coisa que você tem a dizer, então prefiro ser deserdada desta família.Todos na sala me olham chocados. Meu pai se levanta furioso, vindo em minha direção, e levanta a mão para me dar um tapa, mas Zyan é mais rápido e o segura.— Pai, acalme-se. Pense no que está fazendo. A Malia não merece ser tratada assim. — Meu irmão intervém, segurando firmemente o braço do nosso pai.— Você está passando de todos os limites, Nikolai. — Meu avô acrescenta, com voz firme.A tensão na sala se torna insuportável. Meu pai, ainda ofegante de raiva, olha para Zyan e depois para mim. A luta interna dele é visível, uma batalha entre seu desejo de controle e o amor, ainda que distorcido, que sente por nós.— Vocês acham que é fácil? — Grita ele, a voz ecoando pelo salão. — Vocês acham que eu quero ser esse monstro? Eu só quero proteger vocês, manter vocês seguros!— Mas não é assim que você faz is
A semana passou voando, e reunir tudo o que precisávamos levar parecia uma tarefa impossível. Entre caixas empilhadas e listas intermináveis, a ansiedade pairava no ar.Surpreendentemente, tio Nic estava mais conformado com a ideia de Malia ir para a universidade. Ele até nos presenteou com um apartamento perto do campus. Claro, nós queríamos liberdade, mas também valorizávamos o conforto. Deus me livre pensar em ter que dividir o banheiro com outras meninas ou ficar em quartos separados da Malia.Querendo ou não, éramos mimadas. Sempre tivemos tudo o que queríamos, e não seria agora que seria diferente. Queríamos liberdade, mas isso não significava que não queríamos conforto.Malia e eu estávamos empolgadas com a nova fase de nossas vidas, mas também estávamos um pouco nervosas. Era a primeira vez que estaríamos longe da família e de toda a segurança que conhecíamos. Mas, ao mesmo tempo, era uma oportunidade para explorar o mundo, conhecer novas pessoas e nos descobrirmos além das ex