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Faces Reveladas
Faces Reveladas
Por: G.K
Capítulo um - Oculto

O que fizeram comigo, me criou.

É um princípio básico do universo, que toda ação gera uma reação igual ou oposta.

V de vingança.

— Então, amigo, surpreso em me ver? — Miguel perguntou arrumando a camisa social. Pegou um copo de uísque, colocou uma dose e virou de uma vez. — Sim, estou vivo, não sou um fantasma, nem fruto da sua imaginação — o rapaz se aproximou de Lucas devagar, com um sorriso falso.

Sua vontade era de falar tudo, o acusar e mandá-lo para a cadeia, mas ele precisava seguir à risca o seu plano. O ex-amigo precisava pagar por tudo que fez, não só com ele, mas com todos.

Lucas estava tão surpreso em vê-lo, sua boca estava aberta em formato de “O”, os olhos, cobertos por uma fina camada de lágrimas, estavam grudados em Miguel, , e o seu rosto estava pálido. Por mais que ele quisesse articular alguma palavra, ela não saía. Recordou do seu desespero pela falta dos Alazar, então tudo se encaixou, todo aquele tempo era por causa dele. O rapaz engoliu em seco, sua cabeça girava e dúvidas surgiam.

O que será que Miguel faria com ele?

De certo, o acusaria e o faria ser preso, mas que provas Miguel tinha contra ele?

Lucas sabia que nenhuma, então um grande sorriso surgiu em seus lábios. Por mais que Miguel tentasse, não o colocaria na cadeia, Lucas tinha a vantagem.

— Não me dará as boas-vindas, Lucas? Eu voltei e dessa vez é para ficar — Miguel disse abrindo os braços e apertando-o contra o seu corpo num abraço que deveria ser feliz, mas que era de puro desprezo.

— Você… você, está vivo? — perguntou olhando a poucos centímetros de Miguel. Seu olhar era intenso e desafiador.

Lucas o segurava pelo cotovelo e encarava o antigo amigo. Por mais que sua mente já começasse a fazer planos para eliminá-lo, ele estava ainda surpreso.

— Sim, estou! Não me sente? — Miguel o olhou e mais uma vez abriu um sorriso falso.

— Sim, mas é que… o que aconteceu? Onde estava? — dissimulado, como somente ele, começou a enchê-lo de perguntas.

— Não me recordo, na verdade — respondeu Miguel. — A única coisa de que me lembro, é que estávamos no caribe e íamos velejar, daí acordei numa ilha deserta e permaneci lá por anos, sem saber quem eu era — disse se sentando novamente no sofá onde estava, antes de Lucas entrar. — O que me recordo é isso, perdi a memória. Sente-se, por favor! Vamos conversar.

— Mas, mas...

— O médico disse que levei uma pancada forte na cabeça e que o meu lobo temporal teve um coágulo.  Não sabem se eu vou recuperar a memória do acidente, mas eu me lembro de toda a minha vida, Lucas — disse Miguel. — E me sinto grato, poderia ter morrido. Sabemos os riscos que coágulos em artérias cerebrais podem causar.

— Isso é...

— Eu sei. Não consigo me lembrar de muita coisa da nossa viagem — Miguel soltou um suspiro. — Lembro agora quem eu sou, o que fazia da vida, das pessoas, mas a viagem é um grande borrão. Poderia me contar o que aconteceu? — o rapaz se ajeitou na cadeira, cruzou as pernas e levou a mão direita ao queixo.

— Eu... eu... quanto tempo faz que voltou? — Lucas perguntou, ainda desconfiado.

— Passei dois meses em tratamento no Panamá e voltei tem alguns dias — ele resumiu tudo, não queria que Lucas soubesse muito sobre a sua volta, na verdade, não era nem para ele saber disso ainda, não antes de Malú.

— Malú já sabe que você está vivo? — Lucas sentia um ódio crescendo dentro de si. Sua vontade era de matar Miguel com as próprias mãos e se certificar de que, dessa vez, ele morreria.

— Sim — foi o que Miguel disse, apenas. Ele percebia o modo como Lucas o olhava e sabia que, se ele pudesse, o mataria. Miguel sorriu. Lucas não teria esse prazer. — Me diga, Lucas, o que aconteceu quando saímos para velejar?

Lucas franziu o cenho, buscava em sua memória a desculpa dada a todos, incluindo a polícia, sobre o acidente.

— Bem..., a gente saiu para velejar em volta da ilha, no Caribe — Miguel assentiu com a cabeça —, estávamos no barco, na proa, sentados, tomando umas cervejas e conversando em comemoração à nossa formatura — Lucas acrescentou. — Nos assustamos quando escutamos um estrondo e vimos uma fumaça escura começar a sair do motor do barco. Ficamos mais desesperados quando vimos as chamas. Você então se levantou e acho que devido ao álcool, ao sol do Caribe e o movimento tão rápido..., ficou tonto e caiu, bateu a cabeça com muita força no piso — ele deu uma pausa em efeito dramático para Miguel, mas o rapaz sabia que tudo aquilo era mentira, lembrava-se bem do que aconteceu. — Você começou a sangrar! Por mais que eu tentasse te acordar, não conseguia. — Lucas secava algumas lágrimas falsas que caíam em sua face. — As chamas avançavam, então eu me desesperei, peguei um bote e pulei na água. À medida que me afastava, via o fogo tomando conta do barco, até que ele explodiu.

— Não me viu quando me levantei, ou quando gritei por ajuda? Por que me deixou lá? Por que não me trouxe junto com você?

— Você não se levantou, eu teria visto! Eu não conseguia te erguer, Miguel! — mentiu ele, com seu falso desespero. — Achei que estivesse morto. Queria ter o levado e foi um dos meus maiores arrependimentos ter feito o contrário. Se eu tivesse me esforçado mais, você não teria passado por tudo que passou — Lucas fingia um choro convincente. Se Miguel não o conhecesse, diria que tudo aquilo era verdadeiro. — Me perdoe, me perdoe! — exclamou, aumentando o nível de fingimento usado naquela encenação

— Tudo bem, Lucas — disse Miguel, se esforçando para esconder o nojo e a raiva que sentia naquele momento, enquanto sua mente se perguntava como podia existir alguém tão dissimulado como aquele homem. — Não chore, eu estou vivo e bem, estou de volta e vou seguir minha vida de onde parei, meu amigo… — acrescentou, sentindo espinhos rasgarem sua garganta de dentro para fora ao proferir a palavra amigo.

Miguel se levantou da poltrona e se sentou ao lado de Lucas em um dos sofás da ampla sala de estar. Ele passou a mão esquerda nas costas dele, que chorava compulsivamente. Então o rapaz se virou e abraçou Miguel, que se obrigou a não repelir o gesto. Ele sabia que o amigo era um bom ator, então decidiu continuar dando corda, para que no final, pudesse se enforcar com ela.

Mais cedo ou mais tarde, Miguel se vingaria e veria seu rival sofrer. O homem sorriu ao pensar no dia em que Lucas pagaria por tudo que fez a ele e a todos em sua volta. Tudo valeria a pena.

— Ah, mamãe, não é assim — Miguel soltou Lucas ao escutar a voz da irmã entrando em casa.

— Claro que é, Bea — Joseane falava animadamente com Beatriz, porém, parou no meio da sala ao ver Lucas. — Lucas? O que faz aqui?

—Oi, Joseane, Bea, como estão? — perguntou limpando as lágrimas fingidas e olhando para as duas.

Joseane abriu a boca para falar algo, mas Miguel fez que não com a cabeça e tomou frente. Ela não poderia pôr o seu plano por água abaixo assim, na primeira oportunidade.

— Mamãe, Lucas veio ver vocês e acabamos nos reencontrando, não é o máximo?

— Miguel, eu...

— Por favor, aceite! — ele disse em seu ouvido quando a abraçou.

Joseane era contra o plano de Miguel. Por ela, expulsaria  Lucas, iria à polícia e contaria tudo, porque o que ele fez não tinha perdão, além de que era um crime grave. Mas a mulher pensou rapidamente no filho sozinho por oito anos, perdido na ilha deserta, então forçou um sorriso quando  o rapaz a soltou e olhou para Lucas.

— Oi, querido, tudo bem com você? — perguntou, abraçando Lucas.

— Por que não me falaram sobre o Miguel? Por que me deixaram aqui, sozinho? — exigiu saber.

— Oras, Lucas, eu... — Miguel olhou para a mãe e Joseane mudou o tom, soltando Lucas e indo para o outro lado da sala, fingindo arrumar algo na estante — não sabíamos se era o Miguel realmente. Como eu falaria isso para você, dando falsas esperanças depois de oito anos... OITO ANOS... não seria justo, não é mesmo?

Beatriz deu um abraço rápido em Lucas e saiu da sala. Ela não conseguiria ser tão fingida como a mãe. Era o irmão dela, prometeu não se intrometer e se desse, ajudaria. Mas queria distância de Lucas e se e pudesse, deixaria sua família o mais longe possível daquele crápula. Porém, sabia que cada um tinha o direito de agir como quisesse, então respeitou a decisão do irmão.

— Eu queria estar com vocês no momento do reencontro — disse Lucas, vendo Beatriz sair da sala e subir as escadas. — o que houve com a Bea?

— Não ligue para ela, só está cansada. — Joseane olhou para Miguel. — Vou deixá-los a sós, acho que tem muito o que conversarem. Com licença — acrescentou a senhora, logo se afastando.

Lucas estranhou a forma com que Joseane e Beatriz o trataram, estavam frias e distantes. Antes de Miguel voltar elas não eram daquele jeito. Miguel, percebendo a confusão de Lucas, tratou de chamar a atenção dele, passando seu braço direito pelo pescoço do ex-amigo e o levando para o sofá.

— Vem, vamos conversar, quero que me conte tudo que perdi nesses últimos anos — Miguel sorriu.

Ele sabia que a vingança era um dos sentimentos que se instalara dentro de si desde que despertou naquela ilha. Sabia que ela poderia corroer a sua capacidade de raciocínio e levá-lo a ações totalmente impensadas. Sabia também que teria danos emocionais, pois a intensidade e forma com que estava levando aquele sentimento era dura e amarga. Porém, necessitava daquilo para que sentisse que a justiça foi feita. E para isso, se fosse necessário se destruir no caminho, faria sem pensar duas vezes.

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