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Capítulo três - Estou vivo

MALÚ acordou mais cedo naquela sexta-feira, tomou seu banho tranquilamente e havia saído do banheiro quando o telefone tocou. Era Bea do outro lado da linha, pedindo para levar o sobrinho à escola. Ela achou aquilo estranho, ainda mais porque a cunhada já estava em frente à sua casa. Não que Bea não tivesse aquele costume, pelo contrário. Ela sempre fazia aquilo, porém, combinavam durante o dia com antecedência. Escutou a campainha de casa, então desceu as escadas e foi abrir. Abraçou forte a cunhada. Ela a tinha como uma irmã.

— Maicon está descendo.

— Ok.

— Como todos estão? — Malú disse, indo para a cozinha.

— Todos bem, muito bem.

— Que bom, fico feliz. Já tomou café?

— Sim, comi algo antes de sair. — Ela se sentou na cadeira da cozinha.

— Tia, tia, tia... — Maicon entrou na cozinha e pulou no colo da Bea.

— Meu amor. — Ela o abraçou apertado.

— Estava com saudade, onde estava?

— Tive uma emergência em outro lugar, por isso fiquei fora todo esse tempo.

— Não vai mais, eu fico com saudades!

— Não, a tia não vai mais. Quer dormir lá em casa hoje? Amanhã é sábado e a gente pode fazer uma festa do pijama.

— Mãe, eu posso? — ele perguntou cheio de esperança.

— Pode sim, filho, vai ser bom ver os seus avós e passar um tempo com a sua tia. Agora coma o seu cereal, precisa ir para a escola!

Malú sentia-se grata pela família que tinha. Naquela manhã, em especial, o carinho que ela via que Beatriz dedicava ao seu filho a deixava emocionada. Ao chegar em seu quarto, abriu o seu closet e escolheu a roupa que usaria para trabalhar. Estava começando a sentir cólicas. Como sempre, pegou uma calcinha e uma calça a mais para caso ocorresse algum acidente. Assim que arrumou sua bolsa, foi até sua penteadeira, ligou o secador e começou a arrumar os seus longos cabelos castanhos.

Entre devaneios e lembranças, pensou ter ouvido algum barulho no corredor, então desligou o secador imediatamente e ficou em silêncio. Como não ouviu mais nada, deu de ombros e terminou de secar as longas madeixas.

Prendeu-os em um coque no alto da cabeça, colocou a calça social preta, uma camisa branca os sapatos de saltos, passou um rímel e um batom cor rosa-chá, pegou sua bolsa junto com um livro que estava lendo sobre código penal e desceu as escadas tranquilamente.

Assim que chegou em sua sala, sentiu-se estranha. Um cheiro de perfume familiar invadiu suas narinas. Mesmo após tantos anos, ela ainda sentia o cheiro amadeirado de Miguel. Suspirou pesadamente e se virou.

Ficou estática no lugar, seus joelhos falharam, e assim que derrubou o livro e sua bolsa, segurou-se no corrimão da escada para não cair, abriu a boca, querendo dizer algo, mas fechou em seguida. Ela não conseguia pronunciar nenhuma palavra.

Seus olhos estavam cheios de lágrimas, arregalados, olhando-o em sua frente.

Aquilo seria um sonho?

Só podia ser...

— Malú — Miguel falava com a voz embargada pela emoção.

Malú não conseguia dizer nada, apenas permanecia na mesma posição, parada perto da escada. A diferença era que naquele momento chorava intensamente. Ela não podia acreditar naquilo. Aquela visão de um Miguel mais velho à sua frente a castigava, maltratando o seu coração.

Ela girou nos calcanhares e se sentou em uma poltrona azul que tinha na sala. Pôs as duas mãos embaixo de si, balançando as pernas freneticamente. Os olhos dela estavam perdidos e as lembranças de dias doces invadiram a sua mente. Teve a certeza de que aquilo não era real e sim a sua imaginação, seu desejo de vê-lo, de ouvi-lo.

— Você não é real — ela disse chorosa.

— Claro que sou, eu estou aqui, estou vivo — sua garganta queimava, assim como os olhos, pelo esforço que fazia para não chorar.

— Não você é uma lembrança, vá embora! — disse, convicta.

— Me olhe. Não pareço real para você? Toque-me. Eu estou aqui de verdade, meu amor. — Miguel deu alguns passos, parando de frente para Malu.

— Não quero — ela disse, balançando a cabeça em negativa.

— Por quê?  — Miguel agachou à sua frente.

— Porque é uma tortura te olhar e não poder te tocar. Sabe o quanto desejo que tudo isso seja real? Sabe o quanto sinto a sua falta e o quanto te queria perto de mim?

— Por que não tenta? — disse, colocando a mão em seu joelho.

Malú se assustou ao sentir o toque quente e macio dele. Ela levantou o olhar com uma certa tensão e encarou aqueles olhos doces que tanto sentiu falta. Sua mão esquerda se levantou com lentidão. A mulher tinha medo de que, quando fosse tocar, ele desaparecesse, como já aconteceu há alguns anos.

Quando a sua mão pousou em seu rosto e sentiu a quentura de sua pele, a macies de sua barba, ela sorriu entre lágrimas. Miguel fechou os olhos, sentindo cada movimento da mão de Malú. Ela passou pelos olhos, pelo nariz, pela boca, querendo sentir cada centímetro do seu amado.

— Como pode? — ela soluçava.

— Eu não morri, Malú — falou o rapaz. — Estava perdido — acrescentou.

As mãos de Miguel subiam pela coxa de Malú. Ele queria senti-la, queria beijá-la, queria que ela fosse dele mais uma vez.

— Como pode estar aqui? Como é possível? Você... você... não morreu? — Ele colocou a sua testa na dela.

— Não! Como e porque, depois eu explico. Estou aqui agora e prometo nunca mais partir — com os olhos fechados e o coração carregado de sentimento, Miguel se controlava para não forçar Malú a algo que, talvez, ela não quisesse.

— Sonhei tanto com isso — disse sorrindo, passando suas mãos pelo rosto de Miguel.

— Agora que aconteceu, o que vai fazer? — perguntou sorrindo.

Malú desceu as mãos pelo peito do seu amado. Ele era mesmo real, sólido, não era sua imaginação!

Sorriu quando o puxou ainda mais para si, beijou seu nariz e em seguida os seus lábios. Miguel se enfiou no meio das pernas de Malú, as quais entrelaçaram em sua cintura. O desejo era inflado dentro de ambos. As mãos de Miguel subiam pelas costas dela, enroscavam em seus cabelos, desfazendo o coque que  a moça havia feito minutos antes.

Com as bocas grudadas, sem se soltarem, ambos se entregavam a uma saudade que sentiam por anos. A sensação de felicidade era inevitável, o coração batia acelerado, as mãos passeavam pelo corpo um do outro por cima das roupas. O desejo os consumia.

Malú parou o beijo, achando que estava louca, colocou seu rosto na curva do pescoço de Miguel, inspirou o seu cheiro e voltou a chorar.

— Não chore, Malú, por favor! — por mais que o homem pedisse, ela não conseguia se conter e chorava, ainda sem acreditar que ele estava em sua frente.

— Eu achei que... que estivesse morto... — ela soluçava.

— Mas eu não morri, estou vivo, fiquei perdido esse tempo todo em uma ilha deserta. — Ele a abraçou com mais força

— Como? — perguntou, surpresa. Ele deu de ombros e ela o apertou ainda mais. Miguel deu um gemido e sorriu.

— Vai me quebrar assim — disse num tom brincalhão.

— Você é de verdade mesmo? — perguntou com medo da reposta.

— Não está me sentindo? — perguntou, segurando seu rosto entre as suas mãos grandes.

— Sim, estou. — Ela tocou as suas mãos e o encarou.

— Então?

— É que... — ela foi interrompida pelo celular que começou a tocar.

— Atenda, pode ser importante.

— Você promete não ir embora? — perguntou, chorosa.

— Não vou a lugar nenhum — Miguel deu um beijo em seu nariz e ela sorriu, levantou-se e Malú também. Ela foi até a sua bolsa caída no chão, abriu-a, pegou o celular e o atendeu sem nem ver quem era.

— Alô!

— Malú?

— Oi, Falcão, bom dia.

— Bom dia, tudo bem?

— Não. Quero dizer... sim — ela falou olhando para Miguel.

— Preciso falar com você. É urgente.

— Falcão, desculpe, mas hoje não poderei ir, tenho um assunto para resolver.

— Mas...

— Desculpe, é muito importante. Me cubra hoje. Fico te devendo uma!

Ela não esperou mais nenhuma palavra, desligou o telefone rapidamente e o jogou em cima da poltrona.

— O que aconteceu com você, Miguel? — perguntou sentando-se ao seu lado no sofá, sem ainda acreditar que ele estava ali.

— Pronta para saber de tudo? — Ele passou a mão pelo rosto dela.

Malú assentiu com a cabeça e o olhou fixamente. Miguel então relatou tudo, a viagem, a emboscada, a perda de memória, a ilha, o resgaste e, por fim, o tempo que precisou passar no exterior para sua recuperação. Ocultou o dia do apartamento e o dia que Bea o levou na escola, depois ele contaria aqueles detalhes.

Após terminar sua história, Malú ficou pensando em cada palavra que ele disse, então uma raiva crescente foi se apossando dela e tudo explodiu de uma só vez, deixando Miguel sem saber o que fazer.

— Eu não acredito que Lucas foi capaz disso! — ela disse e se levantou, começou a andar pela sala. — Mentira, acredito sim, porque sei bem a laia dele. Como pôde achar que eu ficaria com ele se você estivesse morto?!

— Malú, se acalme. — Miguel se levantou, foi até ela e a abraçou.

— Calma?! — indagou a mulher. — Como me pede calma, Miguel?! — vociferou Malú. — Ele arruinou nossas vidas! Você poderia ter morrido, entende isso?! Passou anos perdido, sozinho em uma ilha deserta! Minha vontade é de acabar com a raça dele! — Ela se desvencilhou dos braços de Miguel e voltou a andar pela sala, enfurecida com tudo.

— Não irá fazer nada contra ele. Ao menos, não assim! Nós vamos desmascarar o Lucas.

— Como pode falar assim? Você deveria ser o primeiro a querer ele morto.

— A morte seria uma saída muito fácil, Malú. Lucas precisa pagar por todo mal que ele causou, não só para nós, mas para todos.

Malú parou para pensar, enquanto Miguel se aproximou e a abraçou. Ele tinha o dom de acalmá-la com um simples abraço.

— Tem razão — ela disse num sussurro. — Eu ainda não acredito que está aqui, isso não me parece real..., me diz que não vou acordar... — Miguel sorriu, sentiu as mãos de Malú acariciarem a sua nuca, então fechou os olhos e se entregou a sensação que esperou tanto tempo para sentir.

— Não vai, meu amor — beijou a cabeça dela e a olhou. — Nosso amor não é passageiro, Malú, mesmo perdido, sem memória, eu me lembrava de você — disse o rapaz. —Era estranho, mas ao mesmo tempo, familiar. Você, Malú, é muito mais para mim, não apenas a pessoa que eu amo, mas é a minha vida. Não existe palavras que possam explicar o meu sentimento por você — acrescentou, carinhoso e sincero. — Quando se ama de verdade, não existe tempo, distância e nem a morte é capaz de separar duas pessoas que nasceram para ficar juntas. O destino pode até tentar, mas ele não vai nos separar.

Os olhos de Malú estavam marejados. Todas aquelas palavras, todo aquele sentimento que ficou guardado tanto tempo dentro dela estava ali novamente, fazendo seu estômago se agitar, fazendo com que as borboletas ganhassem vida novamente.

— Eu sei que temos ainda muito o que enfrentar. Sei que precisamos pôr fim em toda a maldade que nos rodeia, mas eu não quero mais ter que esperar um segundo sequer para viver a minha vida com você. — Miguel se afastou de Malú, remexeu no bolso da jaqueta e retirou uma pequena caixinha de veludo preta, ajoelhou-se aos seus pés e entregou-lhe o anel. — Quero que seja minha esposa, porque eu não encontro palavras para expressar o quanto te amo. Quero ver esse sorriso que me salvou todos os dias da minha vida, quero que você seja a última pessoa que eu veja quando for dormir e a primeira quando acordar — disse o homem, emocionado. — Quero passar o restante da minha vida com você. Aceita se casar comigo, Malú? — a pergunta, enfim, foi feita.

A voz de Miguel era doce e suave. Malú chorava tanto que não conseguia dizer nada, então apenas assentiu. Ele sorriu, levantou-se, colocou o anel em seu dedo e a beijou.

Miguel sabia que o amor dos dois foi traçado muito antes de nascerem. Ele a reconhecia como a sua alma gêmea, como se há séculos se amassem e estivessem juntos desde então. Malú tinha a mesma sensação. Seu coração o reconhecia, não importava o caminho que ambos caminhassem, pois sempre se encontrariam e se amariam.

— Eu te amo — ela disse chorando.

— Eu também te amo.

Miguel deu mais alguns passos, passou os braços por sua cintura e colou suas testas. Ele sorria, enquanto ela deixava um beijo singelo na ponta de seu nariz. Malú tinha as mãos sobre o peito do futuro marido, observava a grande esmeralda cravejada em sua aliança, que reluzia sob a luz do sol que entrava pela janela da sala. Então passou os braços pelo pescoço de Miguel e o trouxe para si, beijou os seus lábios com desejo e paixão.

Sorriu entre o beijo quando sentiu Miguel apalpá-la mais intimamente, empurrou-o e, sem jeito, ele caiu sentado na poltrona da sala. Em seguida, ela subiu em seu colo, manteve suas pernas ao lado de seus quadris e o beijou mais uma vez. Ele a abraçou pela cintura e a apertou, sonhou tanto tempo com isso que mal podia acreditar que era realidade. As mãos dele passeavam livremente pelo corpo dela, que gemia com os seus toques.

— Acho melhor parar, Malú.

— Por quê? Você não quer? — encarou-o, confusa.

— Sim, eu quero...

— Então, qual é o problema?

Miguel abaixou o olhar e tocou a cicatriz em sua mão. Ela o olhou confusa, então abaixou o olhar também e viu a marca.

— Tenho mais delas no corpo. Algumas consegui cobrir com tatuagens, mas outras não.

Malú segurou a sua mão e a beijou.

— Não me importo, você está aqui e isso é o suficiente para mim. Eu te esperei por oito anos, Miguel, sem saber se voltaria. Não vou me afastar por causa de algumas cicatrizes, elas fazem parte de você e eu as amo, assim como amo você.

— Diz de novo? — ele pediu olhando-a nos olhos. Afastou uma mexa do seu cabelo de seu rosto.

— O quê? — Malú perguntou, confusa.

— Que me ama — a moça sorriu

— Amo você, amo você, amo você... — disse, beijando-o a cada palavra que dizia.

Miguel sorriu. Esperou tanto tempo para ouvir isso, que mal cabia em si de felicidade.

— Espera, Miguel, eu preciso te falar uma coisa. — Ela saiu de cima dele e se sentou na mesinha à sua frente.

— O quê? — Miguel se sentiu tenso, pois sentia a tensão de Malú.

— Eu não sei como te falar isso. — Malú torcia os dedos e Miguel sabia que ela só fazia isso quando estava bem nervosa.

— Malú, tudo bem, pode me falar qualquer coisa, eu irei compreender — Miguel começou a se sentir nervoso. Levantou-se e sentou-se ao lado de Malú, segurando a sua mão.

— É que... temos um filho, Miguel. O nome dele e Maicon, tem oito anos e...

Miguel sorriu e nem esperou Malú terminar de falar, beijou-a, deitou-se no sofá com Malú embaixo. O beijo era quente e lascivo, as mãos de Miguel apalpavam cada cantinho da sua amada, assim como as delas, que eram mais ousadas e estavam na intimidade de Miguel.

— Miguel...

— Eu sei do Maicon, Malú. A Bea me contou dele.

— Contou? — ela perguntou, surpresa. Foi então que ela percebeu. — Bea só veio pegar o Maicon para me deixar sozinha com você, não é?

— Sim, para as duas coisas. Na verdade, ela deixou escapar sobre o Maicon, me mostrou fotos de quando ele era bebê e do seu crescimento. Ela disse que, além da aparência, ele é bem parecido comigo na personalidade.

— Sim, ele é mesmo.

Malú passou as pernas na cintura de Miguel e o trouxe mais para perto de si. Ele estava deitado em cima dela, com os cotovelos apoiados no sofá. Miguel amava tanto Malú, que mesmo ficando longe por terríveis oitos anos, parecia não ter se passado tanto tempo assim.

Aquele sentimento aquecia o coração de Miguel, fazendo-o se sentir o homem mais feliz do mundo por ter alguém como Malú ao seu lado. Ele sabia que havia muito que se fazer, sabia que havia riscos e que Lucas seria um empecilho na relação deles, afinal, era um sociopata bem perigoso, mas naquele momento só conseguia se sentir grato, pois o seu amor era puro e verdadeiro.

Malú passou as mãos pelo rosto de Miguel e observou os seus olhos, estavam radiantes e vívidos. Ela podia sentir o seu coração batendo feito louco dentro do peito. Mesmo depois de tantos anos, aquele sentimento continuava imutável dentro de si. Ela beijou o seu amado da forma que ele merecia: com todo o amor que sentia.

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