21 de Dezembro, sexta-feira
Meu telefone tocou de forma repentina e alta, quase dentro do meu ouvido, me fazendo levantar num pulo. Imaginava qual imagem o espelho ofereceria para meus olhos e apalpava todo canto da cama, num ato desesperado de fazer com que o telefone parasse de fazer tanto barulho.
Sem ver quem era, deslizei de forma desleixada o dedo pela tela e levei-o ao pé do ouvido.
Chamada on
— Alô, meu Deus! — choraminguei as palavras.
—Desculpa atrapalhar teu sono de beleza diário, mas pautas já saíram. — Tânia anunciou e me fez esquecer o sono que sentia.
Naquele ano, Jesus Cristo renasceria numa terça-feira e nós festejaríamos seu nascimento com alguns membros da família, na casa dos meus falecidos avôs paternos.O céu estava super nublado e o vento estava gelado, mas nem isso impedia com que os preparativos para a ceia de Natal acontecessem na naturalidade.Cada um cumpria com sua tarefa. A minha era descascar um saco de batatas inteiro. Tinha começado até a sentir um certo desconforto na região da coluna e sentia minhas pernas doloridas.— Falta muito? — Tia Ofélia, gêmea do meu pai, surgiu na varanda com seu avental xadrez coberto de sangue.— Não, estou quase a terminar. — apontei para o saco de batatas quase vazio.— Posso trazer algumas cenouras para descascares, também? — perguntou com receio e eu sorri para não mostrar que queria atirar a faca para ela.— Sim, pode, Tia.Ela se virou e entrou na casa, me dei
A gravidez conseguiu me fazer sentir nojo de salada de beterraba. Aquilo me deixava frustrada porque mais uma das minhas comidas favoritas teria que ser sacrificada. Tinha acabado de vomitar quando alguém bateu na porta.— Está ocupada. — com a boca cheia de água, respondi as batidas na porta.— Sou eu! Abre a porta! — minha mãe insistiu, me fazendo cuspir a água no vaso sanitário, abrir a porta e voltar para frente do espelho. — Oque foi agora?— Salada de beterraba. Vomitei algo colorido dessa vez. — me virei para ela com meus óculos na mão.Com uma das mangas do blusão, limpei as lentes e recebi o olhar da minha mãe.— Eu disse que isso vai raspar as lentes dos teus óculos! Você não ouve porquê?Parei de limpar e coloquei no seu lugar antes se acenar e caminhar para fora da casa de banho. Assim que fechei a porta, olhei para os dois
Fui lentamente despertada do meu sono porque meu irmão me sacudia pelos ombros. Seu ato era tão forte que chegou até a irritar.— Oque foi? — murmurei e me virei. Assim que ia me cobrir melhor, meu irmão puxou o lençol.— Vamos! Estamos para matabichar.— Mmh! — meus olhos, que ainda estavam fechados, foram bruscamente abertos assim que ouvi a voz do meu pai.Me levantei e me comportei como quem estava ansiosa para descer do carro e dizer bom dia ao dia. Sim, eu havia dormido no carro e não sabia como tinha parado ali.— Vivi! Acorda e vai ajudar tuas tias a arrumar as coisas, temos que ir porque amanhã vamos viajar.— Viajar para onde? — franzi o cenho e me estiquei para alcançar os óculos que estavam no banco de motorista.— Ponta d'ouro. — meu pai vasculhava sua pasta de costas e meu irmão procurava por algo por baixo dos bancos — Era para irmos com
Ponta d'ouro. Pela terceira vez em minha vida eu tive o privilégio de ter meus pés sujos por aquela areia fina, branca e salgada. Não sabia se existia estado gasoso do sal, mas o cheiro da praia o tinha como principal característica.Meus óculos me permitiam ver meu pai e meu irmão naquelas águas azuis, que certamente conversavam sobre algo que não os permitiu ver a onda que desequilibrou por completo meu irmão.Soltei risos que se perderam no clima marino e por pura necessidade, me sentei na areia e minha camisete que ia até acima dos joelhos passou a cobri-los por completo quando dobrei minhas pernas. Numa mão, eu segurava o telefone do meu pai, sua carteira de dinheiro, as chaves do carro e do nosso quarto; noutra eu tentava impedir com que os raios solares atrapalhassem minha visão daquele cenário que estava gravado na minha mente.Eram por aí 13 horas e eu já tinha comido muita merda, mas meu estômago ansiava por um prato cheio
31 de DezembroFormigueiro nos pés era oque eu sentia quando soprava com tudo oque tinha aqueles pedaços de carvão que se negavam a acender. Meus poros libertavam suor e minha cabeça doía imenso por conta das tranças que eu havia feito.Para mim, o último dia do ano tinha iniciado de forma muito cansativa. A volta para casa foi apressada demais e fez com que eu passasse mal. Vomitei, perdi ar, transpirei, me deitei, me levantei, me molhei até que finalmente deu para continuar com a viajem já com mais calma.Pelas 09 horas chegamos à casa e depois do sermão que meu pai ouviu da minha mãe, demos início aos preparativos.— Ainda não estás a conseguir? — minha mãe surgiu com uma bacia na mão e estreitou o olhar por conta do sol.
2 de janeiroMinha amiga estava o pânico em pessoa quando tentava me acalmar para que eu, pelo menos, conseguisse respirar como devia ser.— Oque se passa? Respira! — depositou suas mãos em meus ombros para me ajudar na buscava por ar de forma desesperada.O esforço enorme que eu fazia para respirar, condicionava meu equilíbrio. Estava com as mãos no peito e com uma tortura forte que inutilizava meus pés.— Evie, fala comigo! Oque se passa? — o cenho de Tânia estava franzido e eu sabia que sua vontade era de sair e pedir ajuda, mas não o fez exactamente por eu ter pedido que não o fizesse.Sabia que aquilo tinha haver com a gravidez e não queria correr riscos. Mesmo no meio de tudo aquilo, não me esquecia que meu pai estava em casa.— Me deixa regular a respiração, só. — falei com dificuldades.Busquei p
— Tânia, estás bem? — perguntei caminhando ao seu lado pela rua estreita que nos levaria até a clínica.Minha amiga me ignorou e continuou a cantar. Faziam exactas duas horas que eu tinha me encontrado com ela e de certeza não estava nos seus melhores dias.—"This is for my father, from the older brother of your children made of three(Isto é para meu pai, do irmão mais velho de suas crianças feitas de três)Yeah you’ve been so good to us and showed us how to live and taught us to be free(Sim,você tem sido tão bom para nós e nos mostrou como viver e nos ensinou a sermos livres)But when mother told you that she didn’t love you all these bridges hit the sea(Mas quando mãe lhe disse que ela não ti amava todas essas pontes caíram no oceano)So you built another one and helped us cross it even though you were in need(Então você construiu uma ou
— Hoje você fará a segunda ultrassonografia, que se chama "ultrassom com translucência nucal". Eu acho que o nome já permite entender o objectivo do mesmo, que é avaliar as primeiras estruturas fetais e um líquido que se acumula na região da nuca. — Qual é a necessidade de avaliar esse líquido? — perguntei já mais calma, pois era algo bom saber que primeiro seria um diálogo.— É necessário porque é através dele que se detectam anomalias cromossómicas como por exemplo Síndrome de Down. Isso quando o líquido está em excesso.— Quais são as chances de esse líquido estar em excesso? — me movi desconfortável com a revelação.Algo me fazia pensar que minha gravidez não seria normal ou saudável. Por eu ser nova, eu acreditava que, ou a gravidez teria algum risco, ou o bebé nasceria com alguma doença.— Talvez 1 em 300. Não é porque você é nova que seu bebé terá mais chances de desenvol