Capítulo 0005
Kayra encerrou a ligação devagar, respirou fundo, tentando acalmar o coração acelerado, e começou a juntar a bagunça espalhada pelo chão.

— O visto do Professor Daniel venceu. — Disse, mantendo a voz controlada. — Ele já tá velho, não pode ficar viajando para lá e para cá. Me pediu para ajudá-lo com a renovação.

Roberto, de braços cruzados, a olhava com desconfiança:

— Mas a filha dele não mora aqui? Por que ele não pede pra ela cuidar disso?

Kayra levantou o rosto, o olhar frio e sem paciência:

— Quer saber? Liga para ela e pergunta você mesmo.

— Não tenho tempo pra essas coisas.

— Então para de perguntar.

Naquela noite, Kayra ficou acordada até de madrugada, tentando reorganizar o quarto, recolhendo cada pedaço daquele caos que Patrícia tinha deixado para trás.

As roupas e sapatos que Patrícia tinha bagunçado e sujado, Kayra também não pretendia levar mais.

Decidiu empilhar tudo num canto do armário, de qualquer jeito, como quem já não se importa.

Kayra ainda conseguiu salvar alguns poucos rolos de filme, mas os negativos, depois de terem ficado encharcados, já estavam todos comprometidos, distorcidos, sem chance de serem usados novamente.

As maquiagens, então, nem se fala.

Os frascos de líquidos estavam praticamente vazios, e o que era em pó tinha sido completamente arruinado pela umidade.

Nada mais prestava.

[Hoje foi só um aviso.]

A mensagem de Patrícia chegou pelo WhatsApp.

Ficou ali, visível, por exatos dois minutos.

Antes de completar o terceiro, sumiu.

Patrícia apagou.

Tempo suficiente para Kayra ver.

Tempo suficiente para não deixar rastros.

Mas, dessa vez, Kayra estava pronta.

Depois de tudo o que já tinha vivido, não ia mais ser pega desprevenida.

Assim que a mensagem chegou, Kayra printou na hora.

Fria, sem deixar transparecer nada, abriu o WhatsApp e mandou a captura direto de volta pra Patrícia.

Sorriu sozinha. Aquele sorriso gelado, sem um pingo de humor.

Patrícia demorou. Demorou muito para responder.

Kayra quase riu.

Achava o quê?

Que podia continuar com as joguinhos e ela ia engolir calada?

Subestimava demais.

Depois de uns bons dez minutos, a resposta chegou:

[O que você quer dizer com isso?]

Kayra sorriu de canto, ainda fria, e respondeu, sem pressa:

[Nada demais. Só um aviso.]

Assim que enviou, desligou o celular.

Não se importava mais com o que Patrícia faria ou deixaria de fazer.

Que apagasse, que surtasse, tanto fazia.

E quanto a Roberto?

Se visse, viu.

Kayra não esperava mais nada dele.

Desde o dia em que decidiu ir embora, sabia que não podia mais contar com ninguém.

Na manhã seguinte, enquanto tomava café, Dona Valentina a olhava com preocupação.

Kayra estava pálida, com o rosto cansado, os olhos fundos.

— Kayrinha, minha filha, tá tudo bem? Você tá com uma cara… Parece que não dormiu nada essa noite. — Disse, cheia de carinho.

Kayra forçou um sorriso, tentando disfarçar:

— Não dormi muito bem, não… Mas tá tudo certo. Descansando uns dias, já fico nova.

Valentina assentiu, passando a mão carinhosa no braço dela:

— Tem que se cuidar, mesmo. E olha, vai ter trabalho no casamento do Beto, viu? Vai precisar de energia!

— Já marcaram a data? — Kayra franziu o cenho, surpresa.

Valentina sorriu, como se fosse a coisa mais normal do mundo:

— Claro. Vai ser no próximo fim de semana. O Beto não te contou? Esse menino… Antigamente, qualquer coisinha corria pra te contar. Agora, uma coisa dessas, importante, e fica quieto! Pode isso?

Próximo fim de semana.

Kayra, disfarçando, pegou o celular e olhou o calendário.

Justo o dia que ela planejava ir embora.

Nesse momento, Roberto e Patrícia apareceram, saindo do quarto de mãos dadas, sorrindo como se fossem o casal perfeito.

Patrícia, com aquele jeito doce e falso, veio direto até Kayra:

— Kayrinha! Tá tudo acertado com o Beto! Você vai ser nossa fotógrafa oficial, viu? Quero sair linda nas fotos! Capricha para mim! — Falou, rindo como se nada tivesse acontecido.

Kayra a olhou com frieza, sem mudar o rosto:

— Não vai dar. Tenho um compromisso. Não vou poder ir.

Patrícia fez um biquinho, olhando para Kayra com cara de quem ia chorar:

— Ah, Kayrinha…Ainda tá brava comigo por causa de ontem, né? — Disse, toda manhosa. — Eu já pedi desculpa, não pedi? Me perdoa, vai?

E, vendo que Kayra continuava em silêncio, completou:

— Se você não me perdoar, eu me ajoelho aqui, agora, para te pedir desculpas!

Ela começou a se abaixar, teatral.

Roberto, na hora, segurou o braço dela e a puxou de volta, firme:

— Não precisa se humilhar por ela. Ela não merece isso. — Falou seco, frio.

Valentina, percebendo o clima tenso, tentou acalmar:

— Patrícia, querida, não precisa disso, não. A Kayrinha gosta muito dos filmes dela, claro que ficou chateada, isso é normal. Mas também não precisa se ajoelhar, né?

Patrícia, com os olhos cheios de lágrimas, continuou se fazendo de vítima:

— É que parece que eu não faço nada certo… Me sinto tão mal, Kayrinha, de verdade. Me desculpa.

Roberto acariciou o ombro dela, carinhoso:

— Tá tudo bem. Só presta mais atenção da próxima vez, tá? Agora vem, vamos comer. Você tava morrendo de fome, lembra?

Patrícia sorriu com um ar sapeca, mordeu levemente o lábio e olhou para Roberto, como quem faz charme.

— A culpa é sua! Se não tivesse me provocado hoje cedo, eu não estava assim, cansada e com fome.

Roberto riu baixinho, balançando a cabeça:

— Tá bom, tá bom. A culpa é minha. Agora se senta, vai.

Ele puxou a cadeira para ela, todo cavalheiro, ajeitou o guardanapo no colo dela e só então sentou ao lado, como se Kayra nem estivesse ali.

Enquanto passava geleia na torrada de Patrícia, Roberto falou, sem olhar pra Kayra, num tom que misturava ordem e gentileza forçada:

— Kayra, no próximo fim de semana é meu casamento. Não importa o que você tenha para fazer, cancela. Quero você como fotógrafa. São mais de vinte anos de amizade, né? Nada mais justo.

Antes que ela respondesse, a campainha tocou, quebrando o silêncio pesado.

Uma das empregadas foi atender.

Do lado de fora, uma mulher simples, de meia-idade, com roupas humildes, sorria com doçura:

— Bom dia, a Srta. Kayra está? Eu sou do grupo de caridade. Ela combinou de doar umas roupas para as meninas carentes da zona rural. Vim buscar hoje.

Kayra se levantou, sem olhar para ninguém:

— Sou eu. As roupas estão prontas. Só um minuto.

Kayra subiu para o quarto, e, poucos minutos depois, desceu carregando várias sacolas enormes, cheias de roupas, tudo o que ainda tinha.

A mulher de meia-idade, visivelmente emocionada, recebeu as sacolas com um sorriso sincero e os olhos marejados:

— Muito obrigada, Srta. Kayra. De coração. Tá começando a esfriar lá nas montanhas, e tem muita menina sem roupa de frio... Essas doações vão ajudar muita gente, mesmo.

— Não precisa agradecer. Só peço que entregue o quanto antes.

— Pode deixar. Pode confiar. Que Deus abençoe.

Foi quando uma voz dura cortou o ar:

— Espera aí.

Roberto se aproximou, com a testa franzida, olhando para as seis ou sete sacolas enormes espalhadas no chão.

— Você doou todas as suas roupas?
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