Henrik acordou com o som de seu celular vibrando em cima da mesa de cabeceira de Louisa. Já era dia, mas o quarto estava afundado na penumbra, com as cortinas fechadas. Pegou o celular e desligou a chamada sem sequer ver quem era e o colocou de volta na mesinha. Esfregou os olhos e se voltou à Lou, que ressonava tranquila ao seu lado com o lençol cobrindo até metade do rosto. Lembrou-se gradativamente de tudo que ela havia contado na noite anterior e de como Lou estava com o emocional em cacos, tendo acabado de descobrir que tinham um irmão fora do casamento e ter sido ameaçada de modo tão maldoso por seu próprio namorado. Seu celular voltou a vibrar, forçando-o a atender. Pegou-o e se levantou rápido da cama, tentando não acordar Louisa. Saiu do quarto e fechou a porta atrás de si, notando como a casa estava silenciosa.
Atendendo a insistente chamada, Henrik fechou a mão livre em punho ao ouvir aquela voz tão conhecida.
— Henrik?
— Chris. O que você quer? — Henrik
O sol havia nascido faria um bom par de horas. O gosto amargo da noite insone se instalou em sua garganta e ameaçava jamais deixá-lo. Chris revirava o celular nas mãos frias, repassando em sua mente as palavras de Lou. Não acreditava que até mesmo sua amizade de infância com Henrik ela estragaria. Ao chegar em casa na noite anterior, alguns flashes do dia de seu acidente o acometeram; momentos de luz azul intensa, o rosto de Louisa ora desesperado, ora admirado, eletricidade intensa nos braços delicados dela e dor, muita dor.Tentava entender o que diabos havia acontecido, mas nada plausível vinha à mente. Após algumas horas, Chris começou a deixar o ceticismo de lado e pensar mais além, em coisas mais fantasiosas, porém nada o fazia chegar a lugar algum. Um sentimento inominável tomava conta dele, expandindo seu peito a ponto de doer fisicamente. Não conseguia chorar, mas a vontade estava ali, batendo em seus olhos com força. Rangia os dentes dolorosamente, sentado no c
Já era quase noite quando Zya decidiu dar um passeio por Sunfalls. Havia ido trabalhar naquele dia, falou com o supervisor da fábrica e ficou sabendo que estavam de fato procurando por alguém muito parecido com ele, mas que não achavam se tratar Zya, disse o supervisor, pois o cara das fotos não era exatamente igual a ele, e ele não entregaria ninguém sem ter certeza. Zya sentira-se agradecido pela boa vontade de seu chefe, que o dispensou mais cedo por conta da quantidade de trabalho que já havia realizado naquele dia. No meio da tarde, já se encontrava em casa.O dia estava propício para o tal passeio e ele não perdeu tempo; caminhou devagar pelas margens dos campos de girassóis até chegar ao penhasco onde terminava Sunfalls. Aquele lugar ficava cerca de meia hora da cidade, afastado dela. Era vazio, sem casas – dando para se imaginar o porquê não tinha uma casa sequer ali – e muito alto. Lá embaixo uma faixa de terra árida se estendia antes de acabar em uma mata de ár
Aiden olhava pela janela do trem, vendo a paisagem passar rapidamente como um borrão verde, marrom e eventualmente cinza. Onde estavam já não era mais tão ensolarado e quente, mas não haviam chegado em Ghonargon; estava há uma hora de lá ainda. Ele sabia que Ghonargon era longe, só não imaginava o quanto. Genesis ressonava no banco à frente, sentado meio largado com o capuz da blusa de moletom sobre a cabeça cobrindo metade do rosto. Antes de sair, Aiden e Genesis separaram as roupas mais grossas que tinham e as puseram nas bagagens de mão, pois seria estranho saírem de Sunfalls vestidos daquele jeito. Aiden vestia calças jeans escuras e botas de cano alto marrons, completando com uma blusa estilo militar preta e luvas de couro. Genesis vestia um conjunto de moletom azul escuro e tênis pretos, simples. O dia já estava no fim e duas horas atrás começaram a sentir o frio enregelar seus ossos e embaçar as janelas do trem. Vestiram-se e esperaram pacientemente a chegada à Ghonargon.&nbs
Aiden e Genesis pararam em frente a um prédio pequeno com um elevador de carga de cor chumbo e uma porta de madeira que dava para um hall pequeno. O prédio ficava em uma rua estreita e escura, com calçadas desniveladas e um ou outro buraco no asfalto da rua. Havia mais prédios ali, quase colados uns nos outros, com apenas becos pequenos separando-os. De ambos os lados, ruas um pouco maiores e mais movimentadas levavam até eles o som ininterrupto de veículos e vozes.— Vamos entrar. Nosso apartamento é o de número nove, no terceiro andar. — Indicou Genesis.— Você já deixou tudo certo em relação ao apartamento?— Sim. Bom, na noite anterior à nossa ida, Saul perguntou se eu queria dinheiro e eu recusei. Mas quando fui pegar as cartas na manhã da nossa partida, em meio a elas havia um envelope recheado de dinheiro, com o nome dele escrito. Usarei esse dinheiro para pagar alguns meses de aluguel. Temos bastante agora.— Então, com quem devemos falar
Saul esperava todos saírem da igreja, permanecendo em pé no púlpito vendo aquele pequeno aglomerado de pessoas andando para fora, conversando animadamente. Ele se orgulhava de deixar as pessoas esperançosas e animadas com suas missas. Em pouco tempo, Saul se encontrava sozinho ali dentro; com exceção de uma pequena pessoa de longos cabelos claros e enormes olhos azuis.Louisa.Saul desceu do púlpito sorrindo para ela, unindo as mãos em frente ao corpo. Lou torcia as mãos no colo – como sempre fazia quando estava ansiosa ou com algum problema – e não o olhava nos olhos.— Lou! Gostou da missa de hoje?— Ah, sim. Foi muito boa.— Você queria falar comigo, não era?— Sim, e isso faz três dias, na verdade. — Respondeu ela, hesitando.Saul passou as mãos no cabelo, culpando-se por ter esquecido que sua filha precisava dele.— Me perdoe. Andei com coisas demais na cabeça ultimamente. Ainda quer falar algo?Louisa se s
O calor no quarto a fez acordar mais cedo do que de costume. Samira se arrastou para fora da cama, resmungando orações repetidas vezes enquanto andava pela casa de pijama – branco com bolinhas pretas. Os cabelos escorridos cobriam seu rosto envelhecido precocemente, com rugas e linhas de expressão que não deveriam estar ali. Samira não tinha muito em mente, apenas contava os dias desde a partida de seu filho e sobrinho. Deixaram um bilhete sem emoção e dois quartos vazios.— Me abandonaram... — Sussurrou ela, sem expressão.Samira se fechou no banheiro e ligou a torneira da banheira, enchendo-a com água quente. A cabeça cheia de pensamentos desconexos latejava fortemente, piorando a cada instante e a cada coisa nova na qual Samira pensava. Fora largada por Saul e pelo próprio filho, que não pensou nela nem por um momento e se fora para algum lugar que Samira não conhecia, pois sequer fora avisada.A banheira transbordava, alagando aos poucos o chã
Willem permaneceu sentado à mesa do pequeno quarto de hotel durante todo o dia, amaldiçoando o calor excessivo e os malditos papéis que indicavam a péssima situação de sua divisão de polícia. Arrancou a gravata de seu pescoço, abrindo os primeiros botões da camisa branca. Se já era certo inferno usar roupas sociais naquele calor, Willem pensava no que seus policiais deveriam estar passando com a farda pesada. Compadeceu-se quando dois deles tiveram de ser hospitalizados por conta de insolação e desidratação. Mesmo que fossem resistentes, o calor de Sunfalls era inumano.Elya tinha o olhar distante para além do horizonte, com o rosto quase colado na janela. Ele sabia do nervosismo de Willem pela verba da divisão já chegando ao fim e pela recusa do Governo em renovar o contrato deles para que continuassem caçando aquelas pessoas.— Elya, temos dinheiro para dois meses de operação apenas. Não querem renovar nada, dizem que não está dando resultados de verdade essa nos
O dia fora bastante produtivo e ocupou boa parte dos pensamentos de Zya, que normalmente estavam voltados à Chris e no que havia feito com ele. Ficou sabendo que todos na cidade achavam que Chris estava desaparecido, que logo o encontrariam e com vida. Mas Zya sabia que jamais iriam achá-lo, a não ser que fizessem algum teste miraculoso no punhadinho de cinzas aos pés do penhasco, sendo levada pelo vento um pouco mais a cada dia.Zya teve de ficar responsável pela enorme prensa de metal naquele dia, apenas apertando botões e mexendo em alavancas, tendo seu rosto ligeiramente apertado pela máscara de proteção e sentindo o avental de lona pesar mais a cada minuto que se passava. Zya já tinha se acostumado ao calor ali dentro da fábrica e quando saía, não era acometido por um calor tão grande quanto o do dia em que chegou a Sunfalls. É claro que sentia falta de Ghonargon, mas Sunfalls era a sua casa naquele momento e teria de permanecer ali até segunda ordem. Tal certeza já