Donatella RomanovaRever as fotos da minha família destruída foi como rasgar de novo uma ferida que nunca cicatrizou. Era uma dor que eu aprendi a enterrar fundo, onde ninguém pudesse ver. Desde cedo, eu soube que esconder as emoções era a única forma de sobrevivência. Mas, mesmo com todo esse treinamento de sobrevivente, não havia como evitar o queimar lento de cada imagem.Roman estava furioso. Eu podia ver em seus olhos, mas ele não entendia o que se passava dentro de mim. Ele não sabia da confusão que minha mente era. Como poderia entender essa necessidade doentia que eu tinha de ser quebrada por ele? Talvez nem eu mesma entendesse. Havia algo de destrutivo dentro de mim, algo que ansiava por ser empurrada até o limite... até não restar mais nada.Eu queria a destruição. Queria o caos. Queria que, quando eu queimasse, Roman queimasse comigo. No fundo, eu sabia que não haveria inferno suficiente para Roman se ele não estivesse ao meu lado, e era esse fogo que eu desejava acender. M
PARTE I - PODERMoscou | Mansão Ostrov Roman Ostrov - 12 anos — Roman, concentre-se — a voz de minha professora ecoava como um som distante, abafado, enquanto meus olhos permaneciam fixos na janela. Lá fora, as árvores altas se curvavam suavemente ao toque do vento, mas meu coração batia acelerado por outro motivo. Meu pai estava em casa. A expectativa me consumia, como sempre fazia quando ele retornava. Eu não tinha tempo para as palavras rabiscadas no caderno à minha frente. Nada importava além de vê-lo. Num movimento abrupto, empurrei a cadeira para trás, o som das pernas arranhando o mármore polido da sala fez a professora saltar. Antes que ela pudesse me conter, eu já estava de pé, marchando em direção ao escritório. — Roman! — A voz dela, mais incisiva agora, me seguiu pela sala. — Seu pai está ocupado! Por favor, volte para sua cadeira. Ignorei. A ideia de recuar me causava um mal-estar que eu odiava sentir, um frio que gelava o estômago. Quando alcancei a porta maciça do
Roman Ostrov - 12 anosA sensação de puxar o gatilho sempre fora algo familiar para mim. O leve recuo da arma, o som seco do disparo ecoando na floresta enevoada, tudo isso fazia parte do que eu era. O primeiro pássaro caiu quase no instante seguinte, uma mancha escura contra o céu cinzento e nebuloso. O segundo logo o seguiu, um tiro limpo, preciso. Não havia hesitação. Não podia haver. No mundo de meu pai, o erro era um luxo que não se podia cometer.Mais um disparo. O terceiro pássaro despencou, seus últimos momentos interrompidos no ar. Não desviei o olhar enquanto os corpos das pequenas aves caíam, imóveis, em meio à vegetação densa. O silêncio que se seguiu era tão denso quanto a neblina que nos cercava, sufocante.Olhei para meu pai, esperando, quase ansiando por algum sinal de aprovação. Seus olhos, duros e calculistas, fixaram-se em mim por um momento que pareceu durar uma eternidade. Mesmo sem palavras, eu sabia. Ele estava satisfeito. Ele não precisava dizer, o brilho gelad
Roman Ostrov – 18 anosSicília | Máfia ItalianaO homem que me encarava do outro lado do espelho não era mais o garoto que deixara a Rússia seis anos atrás. Aos 12 anos, quando Ivan me trouxe para a Sicília, eu era moldado por promessas, preparado para ser uma arma letal, o orgulho da Bratva. Mas aquele menino tinha desaparecido. O reflexo à minha frente agora era algo muito mais perigoso, mais frio, mais implacável.Meus olhos, que antes vibravam com curiosidade e fervor juvenil, agora estavam calmos, gélidos. O semblante sereno que eu exibia poderia facilmente enganar qualquer um que não entendesse o verdadeiro peso do mundo em que eu vivia. A superficialidade da juventude ainda me cercava, mas apenas na aparência. A profundidade das sombras que me moldaram estavam impressas em minha alma. Aos olhos dos outros, eu era jovem demais para ser uma figura tão envolvida nos jogos de poder e sangue. Mas isso era apenas a superfície.A máfia italiana tinha me quebrado, me destruído em pedaç
Donatella Romanova - 8 anosMoscou | Mansão RomanovAos oito anos, eu ainda era uma criança, inocente em muitos aspectos, mas a mansão onde cresci não permitia que essa inocência durasse muito. Enquanto brincava no corredor com minha boneca, os ecos de vozes abafadas vieram do escritório. Não era incomum ouvir conversas entre minha mãe, Anastacia, e os homens de confiança de meu pai. Mas havia algo diferente naquele tom, algo que me fez parar.Curiosa, me aproximei da porta entreaberta, sabendo que deveria ficar longe. Eu já tinha ouvido tantas vezes que espiar assuntos dos adultos traria problemas, mas algo na tensão na voz de minha mãe me puxou irresistivelmente.— Eu não aguento mais esperar, Nikolai! — a voz dela estava ríspida, carregada de uma impaciência que eu não costumava ouvir. — Já faz anos. Quanto mais tempo isso vai levar?Houve uma pausa. A resposta de Nikolai veio calma, metódica, como sempre.— Já lhe expliquei, Anastacia. Isso deve ser feito com cautela. — Sua voz so
Roman Ostrov - 18 anosSão PetersburgoO frio de São Petersburgo não era apenas uma presença física; ele cortava como lâminas invisíveis, entrando por cada poro, se infiltrando nos ossos. Mas aquilo não me incomodava. Estar de volta à Rússia era mais que uma mudança geográfica, era um retorno ao meu destino inevitável. Durante os anos que passei na Sicília, fui moldado, endurecido pela Cosa Nostra, e agora estava pronto para cumprir o papel que a Bratva exigia de mim. A hora de provar minha lealdade havia chegado.A reunião seria o primeiro passo. Esperava encontrar o Conselho da Bratva, onde seria formalmente apresentado como o filho de Ivan Ostrov, o Capitão, e finalmente fazer o juramento que eu já havia ensaiado tantas vezes em minha mente: Pelo Sangue e Pela Bratva. Mas o que me esperava não era o Conselho, e sim duas figuras isoladas na penumbra da sala. O local era uma construção antiga, suas paredes de pedra tão velhas quanto os segredos que guardavam.Ao entrar, senti o peso
Donatella Romanova - 8 anosJá faz meses que papai anda doente. Os médicos, figuras de jaleco branco e olhares clínicos, insistem que seu coração está fraco. Mas minha mãe, Anastacia, tem pouco tempo e menos paciência para as explicações desses homens. "Seu coração é fraco demais para liderar a Bratva," ela diz, sua voz cortante como uma lâmina de gelo. As palavras dela, tão cheias de desprezo, reverberam em minha mente como um eco perturbador. Há uma verdade amarga nelas, uma verdade que me incomoda profundamente, mesmo que eu não entenda completamente o que isso significa. Papai, o homem outrora temido por todos, não é mais o mesmo.Ele está mais frágil, suas mãos tremem, seus passos são mais lentos. Até as surras que costumavam ecoar pelas paredes da mansão pararam. Era estranho não ouvir mais o som das cintas, dos gritos abafados e dos olhos suplicantes. Eu sabia, no fundo do meu coração, que ele estava fraco demais até para impor sua fúria sobre as desobediências de minha mãe.Ai
Roman Ostrov - 18 anosO som abafado da prisão já havia se tornado um ruído familiar, quase um companheiro silencioso. O eco constante de vozes distantes, o ranger das camas de metal enferrujado e o silêncio pesado que preenchia as lacunas entre as paredes de concreto... tudo isso fazia parte do cenário que me envolvia. A cela, pequena e opressora, era o meu território agora. Ou, pelo menos, era assim que precisava pensar para manter a sanidade. Mas a cada dia que passava, a espera se tornava uma tortura lenta, o tique-taque invisível da minha paciência sendo corroído a cada segundo.Sabia que estava ali por um motivo maior — uma missão. Um alvo. Um teste. Mas mesmo com esse conhecimento, a incerteza e o tédio me consumiam como um fogo que queimava silenciosamente por dentro.Foi numa tarde cinzenta e claustrofóbica que a ligação chegou. Como um som dissonante no caos rotineiro da prisão, o guarda veio me chamar. Eu sabia, antes mesmo de pegar o telefone, que algo importante estava pa