Capítulo 6
— Está tudo bem? — a "ruiva" perguntou, a voz carregando suavidade e firmeza ao mesmo tempo. Antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa, ela segurou minha mão, um gesto inesperado que me desarmou. — Vem comigo — disse simplesmente, seus olhos brilhando com algo que eu não conseguia decifrar. Deixei-me ser guiado até a cozinha, onde o sol já iluminava o espaço, destacando a desordem que ela tinha começado a causar no balcão. Ingredientes estavam espalhados, e ela parecia genuinamente empolgada. — Pensei que a gente podia fazer panquecas e bacon — anunciou, sorrindo, enquanto apontava para uma tigela com massa que claramente tinha levado mais farinha do que deveria. — Você sabe fazer panquecas? — perguntei, arqueando uma sobrancelha. — Eu sei fazer... uma bagunça. Mas não é para isso que você está aqui? Para ajudar? — retrucou, cruzando os braços, mas com um sorriso brincando nos lábios. Ri baixo e fui até a bancada. — Tudo bem, ruiva. Vamos lá. Primeiro, você colocou farinha demais. Vamos ajustar isso. Ela bufou, mas deixou que eu tomasse a tigela. Enquanto misturava os ingredientes, expliquei o básico, e ela me observava com atenção fingida, claramente mais interessada em me provocar. — Isso parece mais fácil do que realmente é — comentou, segurando uma espátula. — Mas, se eu fizer, você promete comer sem reclamar? — Prometo — respondi, segurando o riso. O primeiro teste dela resultou em algo entre uma panqueca e um desastre culinário. — Isso é uma... coisa, pelo menos — disse, segurando o prato e rindo de si mesma. — Ruiva, acho que vou ter que salvar esse café da manhã. Ela fingiu indignação, mas acabou rindo comigo. Trabalhamos juntos na cozinha, com ela alternando entre trapalhadas e tentativas sinceras. Aos poucos, a cozinha se encheu do cheiro delicioso de panquecas douradas e bacon. Quando finalmente nos sentamos para comer, ela colocou um pedaço no garfo e o apontou para mim. — Viu? Eu consigo. — Sim, mas quem fez a maior parte do trabalho? — retruquei, provocando-a. Ela revirou os olhos e riu, mas não respondeu. Era um momento simples, mas que carregava uma leveza que eu não sentia há tempos. — E agora? — perguntei, ao terminar o café. — Agora? Vamos para a praia. Esse dia ainda tem muito o que render. E eu não podia discordar. Saímos de casa carregando uma bolsa com toalhas e um guarda-sol, além de uma pequena caixa térmica com algumas bebidas. A "ruiva" parecia animada, andando à frente com seu biquíni vermelho vibrante que brilhava sob o sol. Ela olhava para o mar como se fosse seu refúgio, e, por um momento, me perguntei se ela queria fugir da realidade tanto quanto eu... Estendemos as toalhas na areia, e ela não perdeu tempo em correr para a água. Fiquei observando por alguns segundos enquanto ela mergulhava e ria sozinha. Parecia uma criança tão livre que me deu vontade de seguir, mas algo dentro de mim me fez hesitar. Foi nesse momento que, ao desviar o olhar para a direita, vi algo que fez meu estômago revirar. Ou melhor, alguém. Sophie. Ela estava sentada sob um guarda-sol a alguns metros de distância, com uma mão apoiada na barriga redonda, enquanto conversava e ria com alguém que eu conhecia bem demais: Martin, meu ex-melhor amigo. O ar pareceu sair dos meus pulmões. Por um momento, fiquei congelado, incapaz de desviar o olhar daquela cena. Ela acariciava a barriga com um cuidado que parecia calculado, como se estivesse exibindo o motivo pelo qual tudo entre nós tinha acabado. A traição. A dor. Tudo voltou com força total, como se eu tivesse levado um soco no peito. — Ei! Vai ficar aí parado o dia inteiro? — A voz da "ruiva" me trouxe de volta. Ela estava na beira da água, chamando-me com um sorriso despreocupado. Respirei fundo, desviando o olhar de Sophie e Martin. Não valia a pena. Não naquele momento. — Já estou indo — respondi, tentando soar normal, mas minha voz estava carregada com algo que eu esperava que a "ruiva" não percebesse. Caminhei até a água, sentindo a areia quente sob os pés e tentando me concentrar no presente. Ela não parecia notar meu desconforto, ou, se notava, decidiu não comentar. Mergulhei ao seu lado, e ela começou a me desafiar a nadar mais longe, rindo alto enquanto se afastava. Eu me forcei a acompanhar seu ritmo, deixando que sua energia me distraísse da cena que acabara de testemunhar. Mas, no fundo, a imagem de Sophie com Martin continuava gravada em minha mente, como uma sombra que não queria ir embora. O dia seguiu com risadas e momentos leves, mas a sombra do passado insistia em me acompanhar. A "ruiva" – parecia determinada a me fazer esquecer o mundo, e, por algum tempo, conseguiu. Estávamos voltando pela areia em direção ao carro quando o inevitável aconteceu. Sophie e Martin vinham na direção oposta, ela com a barriga redonda destacada pelo vestido fluido, e ele segurando sua mão. Por um momento, quis mudar de direção, evitar o encontro, mas era tarde demais. — Cristian? — A voz dela cortou o ar, carregada com uma mistura de surpresa e constrangimento. Meu corpo travou. Era como se o tempo tivesse parado, e tudo que eu conseguia sentir era o peso de seus olhos sobre mim. — Sophie — murmurei, incapaz de evitar. Ela deu alguns passos na minha direção, hesitante, enquanto Martin ficou para trás, observando a cena. Seus olhos passaram rapidamente de mim para a "ruiva" ao meu lado, que parecia confusa, mas ao mesmo tempo alerta. — Não esperava te ver aqui — disse Sophie, um pequeno sorriso forçado nos lábios. Ela olhou para Cassandra, curiosa. — E... você é? Antes que eu pudesse responder, Cassandra deu um passo à frente, segurando meu braço como se fosse a coisa mais natural do mundo. — Cass — disse, com um sorriso confiante que parecia esconder um mundo de intenções. — A namorada dele, e finalizou beijando meu rosto animada. O ar pareceu ficar mais denso. Sophie piscou, claramente surpresa, enquanto Martin desviava o olhar, desconfortável. Eu, por outro lado, fiquei sem palavras. Não sabia se deveria agradecer ou questionar a ruiva por sua intervenção repentina. Mas, naquele momento, algo na maneira como ela segurava meu braço, firme, mas reconfortante, me fez sentir que talvez fosse exatamente o que eu precisava, e a cara que Sophie fez foi impagável. Sophie pigarreou, visivelmente constrangida. — Bom... foi bom te ver, Cristian. Cuide-se. Ela deu meia-volta, e Martin a seguiu sem dizer uma palavra. Ficamos ali, parados, observando-os se afastarem até que desapareceram no horizonte. — Você está bem? — A ruiva perguntou, a voz carregada de preocupação, mas mantendo o tom leve. Eu respirei fundo, tentando dissipar a tensão. — Estou. Acho que obrigado por... isso. Ela apenas sorriu, dando de ombros. — Não precisa me agradecer, loiro. Mas, se quiser, pode me pagar com uma rodada de sorvete. Eu ri, apesar de tudo, e seguimos juntos pela praia. No fundo, sabia que aquele momento havia mudado algo entre nós. Mas o que exatamente, eu ainda não tinha certeza, e tenho medo de descobrir, mas agora temos nomes, Cass e Cristian...Capítulo 7CristianO carro parecia mais silencioso do que o normal enquanto seguíamos de volta para o hotel. A conversa que tínhamos acabado de ter, a de Sophie e Martin, ainda pairava no ar, e eu sabia que Cass estava tentando entender tudo o que havia acontecido. Ela tinha o direito de saber, e eu não queria que ela ficasse com a sensação de que precisava fazer suposições. Então, antes que o silêncio entre nós se tornasse desconfortável demais, tomei coragem para falar.— A mulher que você viu lá... — comecei, sem saber exatamente como as palavras sairiam. — Ela é minha ex-esposa.Cassandra virou a cabeça na minha direção, surpresa, e eu pude ver a expressão dela mudar, um misto de curiosidade e compreensão.— Ex-esposa? — repetiu, tentando digerir a informação. — Então... aquele cara com ela?— Sim. Ele é um velho amigo. Martin E... — Respirei fundo, ciente de que o que eu estava prestes a dizer poderia ser pesado para ambos. — Ele foi o motivo do fim do meu casamento.Ela não res
Capítulo 8CassandraOs dois dias com o celular desligado haviam sido um alívio. Estar distante de tudo e de todos, sem me preocupar com mensagens ou ligações, me dava uma sensação de liberdade temporária. No entanto, ao ligar o aparelho naquele momento, o alívio logo se desfez quando vi a tela acesa, com várias notificações e uma chamada perdida.Eu não sabia por que o coração começou a bater mais rápido, mas, ao ver o número na tela, algo dentro de mim se acelerou. Não era um número que eu reconhecia, pois nunca era, mas o tom de urgência do aviso na tela me fez hesitar. Olhei para Cristian, que estava sentado na cama, aparentemente distraído, mas eu podia sentir seus olhos em mim, mesmo sem ele olhar diretamente.A ansiedade tomou conta de mim e, sem pensar duas vezes, saí da sala e fui até a sacada. O ar frio da noite não ajudou a aliviar a tensão que sentia. Respirei fundo antes de atender.— Alô? — Minha voz saiu mais tremida do que eu esperava.Do outro lado da linha, uma voz g
Capítulo 9CassandraO silêncio no quarto se tornou quase ensurdecedor. Mesmo com a leve tensão pairando entre nós, era difícil negar que algo havia mudado, algo que eu não conseguia controlar. Olhei para Cristian, e os olhos dele estavam fixos em mim, mas havia algo diferente no modo como me observava, como se ele estivesse tentando ler cada pedaço daquilo que eu estava escondendo.Eu sabia que ele desconfiava de que algo estava errado. Mas, por mais que eu tentasse, não podia deixá-lo se envolver de maneira alguma, em meio ao meu caos, essa vida de fuga é só minha.Não podia deixá-lo ser parte dessa tempestade. O risco de ele ser arrastado para o meu mundo... eu não podia suportar isso.Respirei fundo, sentindo o peso da decisão que tinha que tomar. Era hora de partir. Não posso mais ficar aqui, menos ainda ao lado dele. Por mais que a ideia de ir depois desse fim de semana me quebrasse por dentro, a realidade da minha vida é essa...— Cristian — comecei, minha voz falhando um pouco
Capítulo 10 CassandraAs noites aqui na Irlanda são tão silenciosas que o som da chuva contra a janela parece um sussurro em meus ouvidos. A pequena vila parecia um refúgio perfeito, onde o tempo corre devagar e as pessoas não fazem perguntas. Para todos aqui, eu sou apenas uma fotógrafa estrangeira, extremamente reservada, alguém que prefere fotografar, e observar o mundo à distância.Mas, enquanto a vila dorme, eu vivo na minha escuridão, me escondida atrás da luz azul do meu laptop. Não havia descanso para quem vive em ritmo de fuga. Cada conexão que faço, cada código que quebro é uma luta para permanecer invisível.Mas nessa noite, meu foco está em um novo firewall que detectei em uma base de dados de um banco do FBI. Não deveria ser nada mais do que rotina, mas então um nome surgiu na tela, destacando-se como um grande sinal de alerta: Cristian HillsMeus dedos pararam de digitar, congelados sobre o teclado. O coração começou a bater mais rápido, e um
Capítulo 11 CristianAs luzes da sede do FBI em Nova York nunca se apagavam. Era como se o prédio se recusasse a descansar, espelhando o turbilhão de pensamentos que me atormentavam. Jogava-me no trabalho como um náufrago se agarra a um pedaço de madeira, tentando escapar de uma tempestade.O caso de Ghostred consumia meus dias e noites. Cada linha de código que ela escrevia, cada sistema que invadia era um desafio lançado diretamente a mim. Ela era brilhante, talvez até a melhor que já enfrentei. E, ironicamente, isso tornava minha obsessão por ela ainda maior.Nas últimas semanas, novas pistas começaram a surgir. Pela primeira vez em anos, conseguimos algo concreto: Ghostred era uma mulher. A descoberta veio através de uma imagem captada por câmeras de segurança. A foto era embaçada, mas mostrava uma figura de cabelo preto estilo chanel, usando óculos de armação grossa e um casaco pesado. Claramente um disfarce — o cabelo parecia uma peruca, e os óculos exagerados criavam um contr
Capítulo 12 CassandraA fila do embarque parecia interminável, cada passo que eu dava era uma eternidade. O aeroporto estava lotado, mas, mesmo cercada por tantas pessoas, a sensação de estar sendo observada não desaparecia.Eu me forcei a manter a calma, fingindo ser apenas mais uma passageira cansada. Minha aparência era cuidadosamente planejada: cabelos castanhos presos em um coque simples, lentes de contato verdes e um blazer azul discreto. Mais um disfarce. Mais um nome, mais uma personalidade. Mais uma tentativa de desaparecer.Com o passaporte falso em mãos, revisei mentalmente os próximos passos. Meu destino era Amsterdã, onde tinha uma nova identidade esperando. De lá, outro plano seria traçado. Mas, enquanto avançava na fila, algo no ambiente mudou.Primeiro, foi o silêncio repentino, como se o som ao meu redor tivesse sido abafado. Depois, veio aquela sensação inquietante, como um frio percorrendo minha espinha. Como se algo me chamasse, olhei por cima do ombro, e foi quan
Capítulo 13 CristianO voo para a Irlanda foi longo, mas minha mente não estava no tempo ou no conforto. Eu estava distante dos meus colegas, mas dentro da minha cabeça, o peso de uma missão urgente me acompanhava. O caso de Ghostred não era mais uma busca comum. Agora, tudo parecia se entrelaçar de forma tão íntima e complexa que eu não sabia mais se estava perseguindo uma hacker brilhante ou tentando entender algo muito mais profundo.Durante a viagem, tentei me manter focado no trabalho, em cada detalhe que poderia ser importante, em cada possível pista que me separava de encontrá-la. Mas, a verdade é que, mesmo com toda a experiência que eu tinha, nunca estive tão dividido.Cassandra... ou Ghostred... Como se faz para lidar com isso? Quando a linha entre o trabalho e o pessoal se apaga e você não sabe mais quem está caçando e quem está sendo caçado?Eu me forçava a não pensar nela, mas a cada momento, a imagem de Cassandra surgia na minha mente. Ela era tudo o que eu não esperav
Capítulo 14CristianChegamos à Irlanda com uma sensação de urgência que eu não conseguia dissipar. A cidade estava enevoada, e a umidade penetrante do clima europeu tocava minha pele enquanto eu saía do carro. Eu sabia que não poderia perder tempo. Os últimos sinais de Ghostred vinham desta região, e a missão estava perto de se concluir — ou pelo menos era o que eu achava.A investigação me levou a um bairro tranquilo, quase suburbano. Depois de andar por ali e fazer algumas perguntas, chegamos a um pequeno edifício de três andares que se destacava entre os outros. Ele parecia inofensivo à primeira vista, mas era ali que as pistas me levaram. Uma padaria ocupava o térreo, com um cheiro de pães frescos tão delicioso que me fez questionar por um momento se tudo o que estava acontecendo não era um pesadelo, ou se realmente estava a um passo de encontrar Ghostred.Entrei, disfarçando a tensão, e observei as prateleiras repletas de doces e pães. Não era o tipo de lugar onde eu esperava en