O dia seguinte já era segunda feira, para o meu total desânimo.
Acordei com aquela costumeira vontade de voltar a dormir, uma vez que havia tido uma péssima noite de sono. Me sentia cansada. E não era para menos. Minha festa de aniversário exigira muito de mim. Ficar cerca de sete horas andando de um lado para o outro, com um salto de 13 centímetros, me deixou com os pés moídos.
" Nossa, Amber, então você jamais serviria para ser modelo, pois elas vivem quase que o tempo todo de salto alto ", era o que diria Nina.
Amém! Eu não queria mesmo ser modelo. Longe de mim. Estava muito bem com a minha decisão de ser médica, obrigada.
Mas, voltando ao assunto, eu estava mesmo arrasada. Pelo menos fisicamente, e talvez... mentalmente. Afinal, aquele desfecho horrível da minha festa não me saía da cabeça.
Meu Deus, só podia ser comigo mesmo, acontecer uma coisa dessas! Ter a casa invadida por assaltantes na própria festa de aniversário.
Eu ainda estava sem entender, francamente.
Olhei ao redor, sonolenta, os vários pacotes de presentes que havia ganhado, sem muita vontade ainda de abri-los.
Vários questionamentos passavam pela minha cabeça.
E enquanto eu me levantava ( preguiçosamente ), tomava banho e me arrumava para o colégio, esses questionamentos continuaram me rondando.
* Como aqueles caras entraram na minha casa?
Ok, pelo portão, que estava escancarado para que o pessoal entrasse. Ninguém ia adivinhar que seríamos assaltados. E também não tínhamos seguranças, nem nada do tipo.
* Será que eles escolheram aleatoriamente minha casa para assaltar ou tudo foi planejado?
* Por que só dois deles usavam máscara?
* Por que roubaram os celulares de todo mundo, menos o meu?
Como visto, para a maioria dessas questões, eu não tinha resposta.
Saí do quarto com a mochila nas costas, e pude ouvir perfeitamente os roncos da minha prima. Eu não ia nem tentar acordá-la. Seria perda de tempo. Aquela ali a gente veria de pé só à tarde.
Desci as escadas, ainda prendendo o cabelo num rabo de cavalo e bocejando.
Olhei ao redor, reparando, e até que a casa não estava numa bagunça total, como eu achei que estaria.
De qualquer forma, Cida, a doméstica, viria mais tarde e arrumaria o que fosse preciso.
Minha mãe, assim como eu, já estava de pé na cozinha, mexendo uma xícara contendo algum líquido fumegante.
Coloquei a mochila sobre uma cadeira.
- Bom dia, mãe - falei, abrindo a geladeira, em busca de suco.
- Bom dia, filha - ela disse, me olhando rapidamente, parecendo meio aérea.
Peguei alguns biscoitos em um pote e comecei a comer.
- Tá tudo ok? - perguntei.
- Tá... só estou pensando aqui.
- Em quê? - falei, enfiando mais um biscoito na boca.
- Não posso esperar pela investigação da polícia e pelo possível resgate dos telefones, vou ter que comprar outro pra mim.
Nossa, realmente. Minha mãe era decoradora de interiores ( e era ótima profissional, posso dizer ) e uma muito requisitada na cidade. O telefone dela tocava constantemente, devido aos vários clientes que tinha. E convenhamos... em pleno século 21, a maioria dos trabalhos exigem que você tenha um telefone.
- Tá certo. Compre um - incentivei.
Mas não pude deixar de sentir certa raiva daqueles caras. Por causa daquele assalto idiota minha mãe teria que comprar outro telefone. As coisas não estavam tão fáceis assim, e telefones costumam ser caros. Pelo menos os bons.
Me levantei, limpando a boca com as costas da mão mesmo.
- Eu já vou - disse, pegando minha mochila e pendurando-a no ombro.
Minha mãe ergueu as vistas.
- Cadê a Nina?
Balancei a cabeça.
- Esquece. Ela não vai voltar do mundo dos sonhos por agora.
Minha mãe suspirou, sorrindo.
- Tchau, mãe.
- Vai com Deus - ela me disse.
Peguei minha bike na garagem e saí. Estudar é preciso, né?
***
Depois da terceira aula daquela manhã chata, fomos liberados para um merecido ( e curto ) intervalo.
- Oooolha só quem saiu muito gata, linda e perfeita nessas fotos?! - Era o Jeff, com aquele jeito de ser pra frente dele, espalhando sobre a minha carteira várias fotos.
- Ai, Jeff! - exclamei.
- Ficaram lindas, hum? - Ele apontou as fotos, sorridente. - Claro, você é linda, bebê, não tinha como saírem de outro jeito.
Peguei uma aleatoriamente.
Acredito que era aquela primeira instantânea que ele havia tirado de mim. Eu estava meio que de lado, meio que de frente, com o rosto totalmente virado para a câmera, mas o corpo meio torto. Era porque eu havia me virado exatamente na hora que o Jeff clicou. Não estava mal. Nina havia feito realmente um belo trabalho ao me arrumar para a festa.
O vestido longo preto de alcinhas tinha se moldado perfeitamente ao meu corpo magro, minha pele reluzia ( o que maquiagem não faz, não é mesmo? ) e meu cabelo castanho ondulado, penteado de lado, estava muito bonito.
- Ou será que eu que sou um ótimo fotógrafo mesmo? - Meu amigo se gabou, sacudindo a gola da própria camisa do uniforme.
Eu ri, olhando as outras fotos.
- Acho que as duas coisas, Jeff.
Eu sabia do sonho e do talento dele para ser fotógrafo, e achava o máximo. Era legal.
- Ficaram muito boas mesmo - disse Luísa, a irmã de Jeff, se aproximando e se inclinando para também olhar as fotos.
Ela era loira como o irmão, e usava seus cabelos curtos.
- Você vai me dar algumas dessas fotos, não é? - falei, me levantando.
- No máximo uma, gata. Escolhe.
- O quê?? Mas sou eu nas fotos! - Protestei.
- Mas são minhas. Tem direito apenas a uma. - Impôs o folgado, cruzando os braços.
Que seja. Eu não ia discutir. Peguei a que eu estava torta mesmo e guardei no meu caderno.
- Espertinha - Jeff disse e me deu um beijo no pescoço.
Ele era assim mesmo. Bem pra frente. Às vezes era preciso colocá-lo em seu lugar, mas tudo bem.
Luísa revirou os olhos e sorriu para mim.
- Vamos, gente, senão vamos perder boa parte do intervalo - ela disse, saindo na frente.
Logo estávamos os três andando pelos corredores, lotados de estudantes por todos os lados.
A cada meio segundo Jeff cumprimentava ou era cumprimentado por alguém, principalmente meninas. O garoto era popular.
- Ah! O Jhony! - exclamou Luísa, com os olhos brilhando e ficando um pouquinho vermelha.
Jhony vinha na nossa direção.
Eu, Jeff e Luísa estudávamos na mesma turma do terceiro ano, enquanto que Jhony e Nina estavam em outra. Mas éramos um grupo de amigos, e vivíamos juntos por aquele colégio em qualquer oportunidade.
- Oh, lá vem o Príncipe Encantado da Luísa! - disse Jeff com sarcasmo, imitando a voz fina e delicada da irmã.
- Cala a boca, Jeff.
- Ei, pessoal - Jhony disse, quando chegou mais perto.
O cumprimentamos de volta.
Ele me olhava com certa ansiedade.
- E aí, Amber? Você está bem? Ficou tudo bem lá na sua casa depois que todo mundo foi embora? - ele perguntou.
- Sim, sim - balancei a cabeça. - Ficamos bem.
- Eu não estou muito bem não. Não fico bem sem meu telefone. Papai só vai me dar outro no fim do mês - reclamou Luísa, e de certa forma percebi que ela estava aborrecida por Jhony não ter lhe perguntado nada.
- Por isso que é sempre bom ter um reserva! - Jeff disse, tirando um telefone do bolso e balançando-o no ar, com uma expressão de quem sabe se dar bem.
Sentamos num dos bancos do pátio. Eu e Luísa ficamos entre os dois.
- Será que a polícia vai conseguir pegá-los? - falou Luísa.
- Provavelmente não - respondi.
- Por que você acha isso?
Dei de ombros.
Eu costumava ser meio negativa com esse tipo de coisa. Não desmerecendo a polícia, mas, na minha cabeça, os bandidos sempre sairiam na melhor. Claro que isso não era verdade. Pelo menos não sempre.
- Vamos pensar positivo - disse Jhony.
Percebi algumas pessoas olhando na nossa direção e cochichando umas com as outras. Ótimo! A escola inteira provavelmente sabia que bandidos haviam entrado de penetra no meu aniversário.
Que se danasse!
- Amber, você disse que o cara que estava com touca ficou um pouco com você lá fora antes de entrar - começou Jhony - você não conseguiu ver o rosto dele não?
Procurei me lembrar. A touca, a semi escuridão... o ar daquele cara era muito misterioso. Mas não consegui ver coisa alguma.
- Não - respondi apenas - não vi nada.
- Por que será que ele não estava de máscara também? - perguntou Luísa.
É, pelo jeito não era só eu. Meus amigos também estavam com a cabeça cheia de questionamentos.
- Porque ele é um babaca - Jeff disse, se levantando. - Eu vou é procurar algo pra comer.
- Eu também estou com fome - Luísa falou, seguindo o irmão.
Ela me olhou, esperando que eu fizesse o mesmo.
- Você não vem, Amber?
- Não, não estou com fome.
- E você, Jhony?
- Também não estou com fome. Vou ficar por aqui mesmo - ele respondeu, sorrindo para mim.
Eu não retribuí o sorriso, percebendo o desgosto de Luísa com aquilo.
- Ahn... tá então. - Ela engoliu em seco, nos olhando.
Virou-se e saiu andando devagar, atrás do irmão.
Imediatamente Jhony se colocou bem ao meu lado no banco.
- Você está bem mesmo, Amber? - perguntou.
Eu tive que rir.
- Claro que estou, Jhony! Olha pra mim, estou ótima. Tirando o cansaço, claro.
- Não está abalada por causa do assalto?
- Não... abalada não - falei devagar, refletindo.
Realmente, abalada eu não estava. Estava mais para indignada, revoltada, com raiva, sei lá. Mas não abalada.
Abalada eu fiquei quando meus pais se divorciaram. E isso já fazia cinco anos.
- Que bom então - Jhony disse, abrindo mais um daqueles sorrisos lindos de dentes brancos dele.
Seu cabelo castanho claro refletia alguns raios de sol de forma muito charmosa.
Sorri de volta, corando levemente quando ele acariciou minha bochecha.
Eu só não havia falado para ele, e nem para ninguém, do momento estranho que tive na varanda quando o cara de touca preta sussurrou aquele " muito bem " no meu ouvido.
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Entrei em casa sentindo o cheiro divino de bife sendo feito, e minha barriga roncou em alto e bom som. Diferente da hora do intervalo na escola, agora, quase uma da tarde, eu já estava com fome. E muita.- Oi, oi - cumprimentei Cida, a doméstica morena e gorducha que cozinhava para nós, três vezes por semana.Além de cozinhar, ela também arrumava a casa. Isso nos ajudava bastante, pois com a minha mãe muito ocupada com seu trabalho, assim como eu e Nina ocupadas com a escola e os cursos, não nos sobrava tanto tempo para cuidar da casa.Claro que a roupa era por nossa conta, e a organização da casa em todos os dias da semana também.Mas que era uma benção ter a Cida, isso era.- Oi, pequena! - Ela exclamou me acenando rapidamente, ocupada com as panelas.- Isso tá cheirando lá do começo da rua, Cida! - falei.- Daqui a pouco tá tudo prontinho, por que não va
Eu completei meus 17 anos no dia 21 de Março de 2015.Agora, uma semana havia se passado desde esse feliz e trágico dia.Minha mãe comprou seu novo telefone, o pai de Nina mandou dinheiro para que ela comprasse o dela, Jhony também deu seu jeito e apareceu com um; Luísa idem.Eu ficava sempre rondando o pessoal que estivera na minha festa, procurando saber se já tinham conseguido novos celulares. A maioria sim, já conseguira.Que adolescente nos dias de hoje consegue viver sem celular, não é mesmo?Eu conversava com eles para saber isso pois eu me sentia constrangida por todos terem sido roubados, menos eu. Todo mundo sabia que não haviam levado meu celular. Eu tinha medo do que poderiam pensar acerca disso.Eu sei, patético. Afinal de contas, eu não tinha culpa de nada. Não era como se eu fosse
- O trabalho sobre Química Orgânica é em dupla e é pra depois de amanhã - anunciou a professora de Química, na manhã do dia seguinte, depois de falar sobre o dito cujo trabalho.Luísa, que sentava do meu lado, me cutucou:- Ei, Amber... vamos fazer juntas?Eu confirmei, fazendo-lhe um sinal positivo com o polegar.- Na minha casa hoje, às duas - ela disse.Jeff veio para minha mesa, e debruçou-se sobre ela.- E aí... minha amiga preferida, vai fazer o trabalho comigo? - falou, me olhando com aquele ar cínico dele.- Perdeu, Jeff, sua irmã chegou primeiro.Jeff fuzilou a irmã com o olhar, e esta prontamente mostrou-lhe a língua.Luísa e Jeff estavam na mesma série porque, apesar de ser um ano mais nova que o
Nos afastamos tão rápido que eu até bati o pé no muro, ao dar um passo para trás.- Mãe??Ela vinha andando pela calçada, do lado oposto em que tínhamos vindo.- Olá - ela falou, olhando de um para o outro, séria.- Oi, dona Marisa - disse Jhony, vermelho como um tomate.- Mãe, o Jhony veio me acompanhar, depois que terminamos o trabalho - expliquei.Ela balançou a cabeça, solenemente.- Ah, que gentil. Não quer entrar um pouco, Jhony?- Não, não. Eu já estava voltando - ele falou, com a vermelhidão já sumindo de sua face.- Está bem. Amber vai entrar agora não é, filha? - Minha mãe me olhou.- Ahn... sim, claro - eu disse.- T&aac
No dia seguinte, fui para a escola com a minha prima, como de costume, e fiquei quase que o dia todo me segurando para não contar sobre a conversa com o meu pai, não só para ela, como também para a minha mãe e até os meus amigos.Foi difícil, confesso. Eu queria que eles soubessem, queria mesmo. Queria dividir aquela ansiedade com alguém.Afinal, estávamos em Abril e faltavam ainda oito longos meses para o fim do ano. Para a minha tão esperada formatura no Ensino Médio. E agora, consequentemente, oito longos meses para a minha ida à Nova York. Mas tive que segurar a língua, tive que me conter.***A sexta-feira foi até bem produtiva.Novamente, fomos para a escola.Apresentei o trabalho sobre Química Orgânica com Luísa, por mais que a minha parceira de trabalho estives
Dei graças aos céus por minha mãe ter ido trabalhar naquele sábado.Caso contrário, ela iria querer saber sobre a suposta experiência de Física que eu tinha que fazer.Foi um sábado bem estranho. Não tinha aula nem curso de Inglês para mim, nem para Nina, e portanto ficamos as duas o dia inteiro dentro de casa, como duas estranhas.Assim que acordamos, ainda no café da manhã, tentei conversar com ela e explicar tudo, mas minhas palavras foram em vão. Ela não quis nem saber.Me chamou de traíra mais uma vez, e para evitar outra discussão eu preferi me calar.Aquilo me magoava muito. Eu não via razão alguma para ela estar tão chateada daquele jeito.Primeiro porque eu tinha certeza que no fundo, bem lá no fundo, ela sabia que eu estava falando a verdade.Eu jamais sairi
- Amber, posso falar com você?Acho que ouvi alguém me dizer isso na manhã de segunda feira na escola, em algum momento.Eu havia amanhecido meio aérea.Não tinha contado para ninguém em casa sobre os acontecimentos da noite de sábado. Porque eu mesma ainda estava meio desnorteada com tudo aquilo.- Amber??Levantei a cabeça da carteira. Era Luísa.- Oi? - falei, procurando dissipar alguns pensamentos.- Posso falar com você um instante?Estávamos na hora do intervalo e a maioria dos alunos estavam fora da sala.- Claro - eu disse.Ela se sentou na cadeira ao lado direito da minha, cruzando as pernas.- Vou te perguntar uma coisa e quero que seja sincera comigo.- Ok - falei, franzindo a testa.- Você gosta do Jhony?Confesso que fui pega de surpresa.Fiquei olha
O alcancei quando ele estava prestes a subir na moto.Ela estava estacionada do outro lado da rua, um pouco afastada da multidão de pessoas que curtiam o show, junto com outras motos e carros.- Ei! - chamei de novo, chegando mais perto.Ele se virou. Por um momento, fiquei sem saber o que falar.- Você é o cara que me ajudou aquela noite... - falei.Ele entortou um pouco a cabeça, arqueando a sobrancelha, como se tentasse me reconhecer.- Lembra de mim? Eu fiquei com a sua jaqueta - continuei falando.Eu já sabia que ele havia me reconhecido. Porque não era possível. Ele me olhou bem nos olhos quando passou por mim há apenas um minuto atrás.- Lembro - ele disse.- Eu preciso de