Entrei em casa sentindo o cheiro divino de bife sendo feito, e minha barriga roncou em alto e bom som. Diferente da hora do intervalo na escola, agora, quase uma da tarde, eu já estava com fome. E muita.
- Oi, oi - cumprimentei Cida, a doméstica morena e gorducha que cozinhava para nós, três vezes por semana.
Além de cozinhar, ela também arrumava a casa. Isso nos ajudava bastante, pois com a minha mãe muito ocupada com seu trabalho, assim como eu e Nina ocupadas com a escola e os cursos, não nos sobrava tanto tempo para cuidar da casa.
Claro que a roupa era por nossa conta, e a organização da casa em todos os dias da semana também.
Mas que era uma benção ter a Cida, isso era.
- Oi, pequena! - Ela exclamou me acenando rapidamente, ocupada com as panelas.
- Isso tá cheirando lá do começo da rua, Cida! - falei.
- Daqui a pouco tá tudo prontinho, por que não vai chamar a Nina para vocês comerem?
- Ah, mas se aquela mocréia ainda estiver dormindo ela vai ver só! - gritei de propósito, subindo as escadas.
Já topei com ela saindo do banheiro, com os cabelos molhados, usando shorts e blusinha branca, com a toalha nas mãos.
- Você não me engana! No máximo tem quinze minutos que acordou - acusei.
- E daí? - Ela deu de ombros.
- E daí que já são quase uma da tarde e você perdeu aula.
- Grandes coisas - disse a mal humorada entrando em seu quarto.
Era engraçado. Nina costumava ser enérgica e alegre quase que o tempo todo, mas eu não conhecia ninguém mais mal humorada do que ela quando acabava de acordar. Bom, talvez eu fosse.
Nós éramos primas por parte de mãe e ela morava conosco há dois anos, desde quando sua mãe morreu após uma parada cardíaca e não quis ficar com o pai, que sempre foi distante.
Apesar de sensibilizada com o momento ruim que minha prima estava vivendo na época, eu não pude deixar de me sentir feliz por tê-la morando comigo.
Ser filha única às vezes era um tédio, e eu sentia falta de alguém, principalmente depois da separação dos meus pais.
Nós éramos bem parecidas fisicamente. A mesma cor de cabelo, com a diferença de que o tom de castanho dela era mais claro, sua pele muito mais branca que a minha e seus olhos azuis eram bem mais claros e marcantes, enquanto que os meus azuis eram bem mais escuros, o que me deixava com um olhar profundo ( como diziam os outros ) e os olhos de Nina a deixavam com a expressão serena.

Eu entrei no meu próprio quarto, deixei a mochila num canto, troquei de roupa, lavei as mãos e então eu e Nina descemos para o almoço.
***
À tarde eu fazia aula de Inglês no CCAA, quatro vezes na semana.
Nina também fazia há cinco meses, mas faltava mais que tudo. Constantemente ela faltava às aulas de Inglês para ir num estúdio de beleza que havia no nosso bairro ( o mais conceituado ). Os donos do estúdio eram amigos e conhecidos dela, e não se importavam que ela ficasse por ali, conhecendo e aprendendo.
Eu me perguntava porquê ela não se candidatava logo a trabalhar ali, uma vez que pretendia seguir esse ramo de trabalhar em salões de beleza. Mas ela não queria trabalhar. Dizia que trabalhar fixo num salão tiraria seu foco dos estudos. Como se ela tivesse algum foco no que quer que fosse!
Acho que no fundo Nina só não queria se comprometer com nada mesmo, pelo menos por enquanto. Ela tinha um espírito muito livre. E, secretamente, eu admirava isso.
***
- Jeff foi à aula hoje? - Nina me perguntou, enquanto seguíamos de bike para o curso.
- Sim, ele estava lá - respondi.
Percebi que ela deu uma arqueada na sobrancelha e mordeu o lábio, porém olhando para a frente.
Desconfiei.
- Por quê?
Ela me olhou com aquela cara de sapeca dela e riu, dizendo:
- Ontem nós ficamos.
Quase perdi o controle do guidão.
- O quê?? Mentira! Onde??
- Na sua festa.
- O quê?? Na minha festa??
- Onde mais seria? Dãã... - Ela revirou os olhos.
- Mas que pouca vergonha! Que horas foi isso?
- Assim que a gente terminou de dançar Love Story lá na sala. Lembra que saí e deixei você lá com o Jhony? Pois é, eu fui pra cozinha, ele estava lá, rolou um clima, ele me puxou, me beijou, eu correspondi e nós ficamos - ela contou tranquilamente, como se estivesse narrando um dia no parque.
- Como assim, Jhenifer??? - fuzilei-a com os olhos.
Eu nem estava brava de verdade. Sei lá, só me senti no direto de ralhar com ela um pouco. Afinal, era a minha festa né?
- Que foi, Amber? O que tem demais? Vai me dizer que você e o Jhony também não se beijaram?
- Lógico que não! - falei, rápido.
- Mas é uma songa monga mesmo! - Ela riu, tirando a mão direita do guidão e batendo na própria testa.
Eu torci o nariz diante da ofensa.
- Se não tomar logo uma atitude vai perder ele pra Luísa. Você sabe que ela é caidinha por ele.
Fiquei calada.
- Não sabe? - insistiu a chata, me olhando com aqueles olhos azuis claros insuportáveis.
Ok, não eram insuportáveis, mas no momento ela estava sendo uma peste.
- Sei, Jhenifer!
- Xiiiii... você só me chama pelo meu nome quando tá brava comigo. E já fez isso duas vezes. Que foi que eu fiz, hein?
Nós já havíamos chegado ao prédio do CCAA ( não era muito longe ) e estávamos deixando nossas bikes no estacionamento.
- Hein? Hein? O quê que eu fiz? - Ela provocava, me cutucando na cintura enquanto entrávamos.
- Sai de perto de mim, estrupício! - Empurrei-a, porém já rindo.
- Não posso sair de perto de você, temos aula juntas agora! E outra que você ia sofrer demais se eu te largasse.
Revirei os olhos. Fala sério!
▫▫▫
Eu completei meus 17 anos no dia 21 de Março de 2015.Agora, uma semana havia se passado desde esse feliz e trágico dia.Minha mãe comprou seu novo telefone, o pai de Nina mandou dinheiro para que ela comprasse o dela, Jhony também deu seu jeito e apareceu com um; Luísa idem.Eu ficava sempre rondando o pessoal que estivera na minha festa, procurando saber se já tinham conseguido novos celulares. A maioria sim, já conseguira.Que adolescente nos dias de hoje consegue viver sem celular, não é mesmo?Eu conversava com eles para saber isso pois eu me sentia constrangida por todos terem sido roubados, menos eu. Todo mundo sabia que não haviam levado meu celular. Eu tinha medo do que poderiam pensar acerca disso.Eu sei, patético. Afinal de contas, eu não tinha culpa de nada. Não era como se eu fosse
- O trabalho sobre Química Orgânica é em dupla e é pra depois de amanhã - anunciou a professora de Química, na manhã do dia seguinte, depois de falar sobre o dito cujo trabalho.Luísa, que sentava do meu lado, me cutucou:- Ei, Amber... vamos fazer juntas?Eu confirmei, fazendo-lhe um sinal positivo com o polegar.- Na minha casa hoje, às duas - ela disse.Jeff veio para minha mesa, e debruçou-se sobre ela.- E aí... minha amiga preferida, vai fazer o trabalho comigo? - falou, me olhando com aquele ar cínico dele.- Perdeu, Jeff, sua irmã chegou primeiro.Jeff fuzilou a irmã com o olhar, e esta prontamente mostrou-lhe a língua.Luísa e Jeff estavam na mesma série porque, apesar de ser um ano mais nova que o
Nos afastamos tão rápido que eu até bati o pé no muro, ao dar um passo para trás.- Mãe??Ela vinha andando pela calçada, do lado oposto em que tínhamos vindo.- Olá - ela falou, olhando de um para o outro, séria.- Oi, dona Marisa - disse Jhony, vermelho como um tomate.- Mãe, o Jhony veio me acompanhar, depois que terminamos o trabalho - expliquei.Ela balançou a cabeça, solenemente.- Ah, que gentil. Não quer entrar um pouco, Jhony?- Não, não. Eu já estava voltando - ele falou, com a vermelhidão já sumindo de sua face.- Está bem. Amber vai entrar agora não é, filha? - Minha mãe me olhou.- Ahn... sim, claro - eu disse.- T&aac
No dia seguinte, fui para a escola com a minha prima, como de costume, e fiquei quase que o dia todo me segurando para não contar sobre a conversa com o meu pai, não só para ela, como também para a minha mãe e até os meus amigos.Foi difícil, confesso. Eu queria que eles soubessem, queria mesmo. Queria dividir aquela ansiedade com alguém.Afinal, estávamos em Abril e faltavam ainda oito longos meses para o fim do ano. Para a minha tão esperada formatura no Ensino Médio. E agora, consequentemente, oito longos meses para a minha ida à Nova York. Mas tive que segurar a língua, tive que me conter.***A sexta-feira foi até bem produtiva.Novamente, fomos para a escola.Apresentei o trabalho sobre Química Orgânica com Luísa, por mais que a minha parceira de trabalho estives
Dei graças aos céus por minha mãe ter ido trabalhar naquele sábado.Caso contrário, ela iria querer saber sobre a suposta experiência de Física que eu tinha que fazer.Foi um sábado bem estranho. Não tinha aula nem curso de Inglês para mim, nem para Nina, e portanto ficamos as duas o dia inteiro dentro de casa, como duas estranhas.Assim que acordamos, ainda no café da manhã, tentei conversar com ela e explicar tudo, mas minhas palavras foram em vão. Ela não quis nem saber.Me chamou de traíra mais uma vez, e para evitar outra discussão eu preferi me calar.Aquilo me magoava muito. Eu não via razão alguma para ela estar tão chateada daquele jeito.Primeiro porque eu tinha certeza que no fundo, bem lá no fundo, ela sabia que eu estava falando a verdade.Eu jamais sairi
- Amber, posso falar com você?Acho que ouvi alguém me dizer isso na manhã de segunda feira na escola, em algum momento.Eu havia amanhecido meio aérea.Não tinha contado para ninguém em casa sobre os acontecimentos da noite de sábado. Porque eu mesma ainda estava meio desnorteada com tudo aquilo.- Amber??Levantei a cabeça da carteira. Era Luísa.- Oi? - falei, procurando dissipar alguns pensamentos.- Posso falar com você um instante?Estávamos na hora do intervalo e a maioria dos alunos estavam fora da sala.- Claro - eu disse.Ela se sentou na cadeira ao lado direito da minha, cruzando as pernas.- Vou te perguntar uma coisa e quero que seja sincera comigo.- Ok - falei, franzindo a testa.- Você gosta do Jhony?Confesso que fui pega de surpresa.Fiquei olha
O alcancei quando ele estava prestes a subir na moto.Ela estava estacionada do outro lado da rua, um pouco afastada da multidão de pessoas que curtiam o show, junto com outras motos e carros.- Ei! - chamei de novo, chegando mais perto.Ele se virou. Por um momento, fiquei sem saber o que falar.- Você é o cara que me ajudou aquela noite... - falei.Ele entortou um pouco a cabeça, arqueando a sobrancelha, como se tentasse me reconhecer.- Lembra de mim? Eu fiquei com a sua jaqueta - continuei falando.Eu já sabia que ele havia me reconhecido. Porque não era possível. Ele me olhou bem nos olhos quando passou por mim há apenas um minuto atrás.- Lembro - ele disse.- Eu preciso de
- Que palhaçada é essa, garota? Quem você pensa que é pra falar assim com a minha prima?? - disse Nina, ficando do meu lado, de frente para Luísa.- Dá licença, não estou falando com você - disse Luísa, sem perder a pose.- Pois eu estou falando com você, sua loira metida! - Nina praticamente gritou.Algumas pessoas que estavam mais perto olharam na nossa direção.- Chama a Amber de falsa de novo pra você ver se eu não quebro sua cara! - continuou a barraqueira.Muito irônico, já que ela mesma me chamara de " traíra " há alguns dias atrás.Por que essas coisas só acontecem comigo, meu Deus?- Ei, gata... calma aí - Jeff disse para Nina e passou o braço pelo meu ombro, num meio abraço-o que