- O trabalho sobre Química Orgânica é em dupla e é pra depois de amanhã - anunciou a professora de Química, na manhã do dia seguinte, depois de falar sobre o dito cujo trabalho.
Luísa, que sentava do meu lado, me cutucou:
- Ei, Amber... vamos fazer juntas?
Eu confirmei, fazendo-lhe um sinal positivo com o polegar.
- Na minha casa hoje, às duas - ela disse.
Jeff veio para minha mesa, e debruçou-se sobre ela.
- E aí... minha amiga preferida, vai fazer o trabalho comigo? - falou, me olhando com aquele ar cínico dele.
- Perdeu, Jeff, sua irmã chegou primeiro.
Jeff fuzilou a irmã com o olhar, e esta prontamente mostrou-lhe a língua.
Luísa e Jeff estavam na mesma série porque, apesar de ser um ano mais nova que o irmão, ela entrara para a escola junto com ele, ficando assim os dois no mesmo ritmo.
- Professora, pode dupla de três? - ele gritou.
A professora, de pose austera e óculos de grau, virou-se.
- Pode, desde que a dupla de três seja você, seu cérebro e seu esforço, Jefferson - disse, sistemática mais que tudo.
- Complicou pra você agora né, Jeff? Sem o cérebro fica difícil organizar essa dupla de três- provoquei, sem me aguentar.
Ele saiu, chutando o chão, provavelmente indo fazer dupla com um de seus colegas do fundão.
Enquanto fazia algumas anotações, eu me distraí pensando na ligação do meu pai no dia anterior.
A reação dele foi como eu esperava. Chateou-se por eu não ter lhe contado antes, fez eu contar um detalhe atrás do outro e ainda por cima quis falar com o policial César pra saber mais um pouco.
Xingou o quanto pôde os bandidos ( como se eles pudessem ouvi-lo ) e até criticou a segurança no estado de São Paulo.
Imediatamente após a ligação, ele quis fazer uma chamada de vídeo, para se certificar de que eu e minha mãe estávamos inteiras.
Apesar de zombar dele por se preocupar tanto assim comigo, eu secretamente apreciava isso.
Gostava de me sentir amada pelo meu pai, ainda que ele estivesse longe de mim.
Eu jamais imaginaria que um dia aquela preocupação toda me provocaria raiva e desgosto.
***
- Vamos subir para o meu quarto. - Luísa me convidou.
Havia chegado para o trabalho às duas em ponto.
Como eu tinha direito a um dia na semana faltar no Inglês, escolhi aquela quarta feira justamente por causa do trabalho de Química.
Entrei carregando cartolinas e a minha própria mochila.
O quarto da loira era espaçoso e bonito, com certeza o melhor cômodo da casa para se fazer trabalhos.
Havia uma mesa quadrada de vidro de tamanho médio, que ficava a poucos centímetros do chão, de forma que ficávamos sentadas no chão mesmo, porém sobre um tapete felpudo de cor verde que havia por baixo. Era muito confortável.
Luísa trouxe seu notebook e o colocou sobre a mesa, e eu fiz o mesmo com as cartolinas e os demais materiais que iríamos usar.
- Química Orgânica - falei, desenrolando uma cartolina branca. - Eu escrevo ou você escreve?
- Minha letra fica horrível em cartaz. Escreve você - ela disse, colocando seu curto cabelo atrás da orelha, enquanto se sentava.
Do lado onde estava seu rosto ficava mais claro e pude observá-lo bem.
O cabelo loiro cortado um pouco acima dos ombros emoldurava-lhe o rosto de traços delicados, enquanto que seus olhos, verdes como os do irmão, ficavam em perfeita harmonia com as sobrancelhas bem feitas.

Ficamos fazendo o trabalho em silêncio, até que a porta do quarto foi aberta, e Jeff entrou.
- Olá - falou alto.
Luísa o olhou rápido, e logo voltou a atenção para o notebook, de onde tirava os textos para que eu copiasse na cartolina.
- Sai, Jeff, estamos trabalhando.
Ele ignorou-a.
- Oi, Amber - falou, sentando-se ao meu lado no chão, no tapete felpudo.
- Oi - falei concentrada também, terminando de fazer o " r " de Orgânica.
Ele ficou olhando, quieto.
- Tá fazendo o quê? - disse, momentos depois.
Percebi Luísa fechando a cara. Não me dei ao trabalho nem de olhá-lo.
- Tá fazendo o trabalhinho de Química, Amberzinha, sua lindinha?? - ele disse, cantarolando no meu ouvido.
Comecei a fazer o " g ".
- Será que a gente tem química, hum? - falou, ainda no meu ouvido, mas alto o suficiente para Luísa escutar.
Ela já estava vermelha.
Jeff passou a mão pela minha cintura e beijou meu pescoço, mordiscando-o de leve. Me arrepiei toda, mesmo sem querer.
Maldito Jeff!
- Acho que a gente tem, hein? Só acho, só acho.
- Caramba, Jeff, sai daqui!!! - Luísa gritou, batendo a mão na mesa, e eu temi que ela trincasse, já que era de vidro.
Ele apenas a olhou, com desdém.
- Só estou enchendo o saco da Amber, ela sabe que é brincadeira - ele disse, se esticando no tapete.
É, eu sabia.
- E com a Nina, sua química é boa? - perguntei, sem tirar os olhos do trabalho.
Ele demorou um pouco a dizer alguma coisa.
- É o quê?
- Qual é, Jeff... eu sei sobre você e a Nina - provoquei.
Ele se sentou de novo e ficou me olhando.
- O que tem ele e a Nina? - Quis saber Luísa.
- Eles ficaram. Na minha festa. Dá pra acreditar? - falei, num tom divertido.
- Aff - ela falou, revirando os olhos.
- Tá apaixonado pela minha priminha, Jeff?? - continuei provocando.
Ele já tinha tido a chance dele, agora era a minha.
- Apaixonado? - ele zombou - Até parece. Só fiquei com ela, só isso. E nem foi grande coisa!
- Ora, ora, ora, estou louca pra ver qual a reação da Nina quando souber que você falou isso.
- Não precisa dizer isso pra ela. Foi bom, eu curti ficar com ela, mas foi só. Nada demais.
- Anham...
- Química Orgânica é o ramo da química que estuda os compostos do carbono - Luísa lia, de olho na tela do notebook.
Fui anotando, com Jeff quieto ao meu lado.
- Os átomos de carbono podem ligar-se uns aos outros, formando...
Ouvimos uma batida na porta.
- Eu abro - Jeff se levantou.
- Mas será que esse moleque não tem um trabalho também pra fazer não? - reclamou Luísa, baixinho. - Falta de responsabilidade com as... oi, Jhony!
A expressão dela mudou totalmente. De carrancuda para contente. Para não dizer... encantada.
Virei-me para vê-lo. Jhony entrou no quarto e veio até nós, com Jeff em seu encalço.
- Oi, Luísa. Oi, Amber. Boa tarde - disse, educado.
- Boa tarde - dissemos juntas.
- Que bom que apareceu por aqui, Jhony - falou Luísa, com os olhos brilhando.
Ele sorriu para ela e nos observou.
- Trabalho da escola? - perguntou.
- Sim - falei.
- De química - completou Luísa.
- Senta aí, brother - disse Jeff, se sentando também, novamente ao meu lado.
Jhony se sentou e ficamos ali, os quatro batendo papo, enquanto eu e Luísa terminávamos nosso trabalho sobre Química Orgânica.
***
- Eu acompanho você - disse Jhony quando eu anunciei que ia embora.
- Ah, não precisa... - falei, sem graça, colocando minha mochila nas costas.
Luísa fechou o notebook, largando-o sobre sua cama.
- Não vai ficar mais um pouco com a gente, Jhony? Eu e Jeff vamos assistir filme... - ela disse, parecendo ansiosa.
- Vai ficar pra próxima. Já são mais de seis horas e já tá escuro. Não posso deixar a Amber ir embora sozinha.
Uau.
- Ah, mas quando voltar, se quiser passar aqui... - insistiu ela.
- Vou pra casa depois, estudar um pouco - afirmou ele.
Eu fiquei constrangida ali no meio daquele " fica, não fico ".
- Então tá... - Luísa falou, desanimada.
- Deixa eu ir - falei - você fica com as cartolinas e leva pra escola sexta, pra gente apresentar o trabalho, ok?
Ela fez que sim com a cabeça, me dando as costas.
Suspirei.
- Tchau, Luísa, até amanhã.
- Tchau.
Olhei rapidamente para Jhony e saí logo do quarto, na frente. Isso deu ocasião para que Luísa ainda o prendesse em um papinho.
Desci as escadas e encontrei Jeff lá embaixo, que me ofereceu suco e alguns biscoitos. Dez minutos depois, quando Jhony também desceu e tomou suco, finalmente saímos.
***
Fomos andando até minha casa, que ficava a poucas quadras dali, conversando banalidades.
Eu não conseguia parar de pensar no clima chato que sempre rolava quando eu, Jhony e Luísa estávamos juntos.
Tentava manter uma posição neutra, para não magoar nenhum dos dois, mas estava ficando difícil.
- Oh, cuidado! - Jhony exclamou, segurando meu braço e me puxando pra perto de si quando um motociclista passou numa velocidade anormal muito perto de mim.
- Meu Deus, que susto! - Coloquei a mão no peito.
- Se eu não estivesse aqui, hein...! - Ele brincou.
Dei um riso fraco, ainda trêmula de susto. Sim, de susto, não por causa da moto, mas por ele ter segurado meu braço.
- Obrigada... Jhony.
- Não foi nada, vamos.
Andei mais atenta dessa vez e em menos de cinco minutos estávamos na porta da minha casa.
- Bom, valeu por me acompanhar até aqui - agradeci sincera, olhando-o, enquanto segurava a alça da mochila.
Ele me sorriu.
- Que isso, Amber... foi um prazer.
- Ok, até amanhã - eu disse, quase me virando, mas ele segurou minha mão, me impedindo de abrir o portão.
Engoli em seco, quando vi aqueles olhos castanhos cada vez mais perto de mim.
É sério? Um beijo agora, na porta da minha casa, com eu toda cheirando a material escolar, e um rabo de cavalo mal feito?
É, acho que sim.Jhony segurou meu queixo, levando-o de encontro ao seu rosto, e em três segundos nossas bocas se encontrariam.
Um, dois...
- Amber??? - Ouvi a voz da minha mãe.
▫▫▫
Nos afastamos tão rápido que eu até bati o pé no muro, ao dar um passo para trás.- Mãe??Ela vinha andando pela calçada, do lado oposto em que tínhamos vindo.- Olá - ela falou, olhando de um para o outro, séria.- Oi, dona Marisa - disse Jhony, vermelho como um tomate.- Mãe, o Jhony veio me acompanhar, depois que terminamos o trabalho - expliquei.Ela balançou a cabeça, solenemente.- Ah, que gentil. Não quer entrar um pouco, Jhony?- Não, não. Eu já estava voltando - ele falou, com a vermelhidão já sumindo de sua face.- Está bem. Amber vai entrar agora não é, filha? - Minha mãe me olhou.- Ahn... sim, claro - eu disse.- T&aac
No dia seguinte, fui para a escola com a minha prima, como de costume, e fiquei quase que o dia todo me segurando para não contar sobre a conversa com o meu pai, não só para ela, como também para a minha mãe e até os meus amigos.Foi difícil, confesso. Eu queria que eles soubessem, queria mesmo. Queria dividir aquela ansiedade com alguém.Afinal, estávamos em Abril e faltavam ainda oito longos meses para o fim do ano. Para a minha tão esperada formatura no Ensino Médio. E agora, consequentemente, oito longos meses para a minha ida à Nova York. Mas tive que segurar a língua, tive que me conter.***A sexta-feira foi até bem produtiva.Novamente, fomos para a escola.Apresentei o trabalho sobre Química Orgânica com Luísa, por mais que a minha parceira de trabalho estives
Dei graças aos céus por minha mãe ter ido trabalhar naquele sábado.Caso contrário, ela iria querer saber sobre a suposta experiência de Física que eu tinha que fazer.Foi um sábado bem estranho. Não tinha aula nem curso de Inglês para mim, nem para Nina, e portanto ficamos as duas o dia inteiro dentro de casa, como duas estranhas.Assim que acordamos, ainda no café da manhã, tentei conversar com ela e explicar tudo, mas minhas palavras foram em vão. Ela não quis nem saber.Me chamou de traíra mais uma vez, e para evitar outra discussão eu preferi me calar.Aquilo me magoava muito. Eu não via razão alguma para ela estar tão chateada daquele jeito.Primeiro porque eu tinha certeza que no fundo, bem lá no fundo, ela sabia que eu estava falando a verdade.Eu jamais sairi
- Amber, posso falar com você?Acho que ouvi alguém me dizer isso na manhã de segunda feira na escola, em algum momento.Eu havia amanhecido meio aérea.Não tinha contado para ninguém em casa sobre os acontecimentos da noite de sábado. Porque eu mesma ainda estava meio desnorteada com tudo aquilo.- Amber??Levantei a cabeça da carteira. Era Luísa.- Oi? - falei, procurando dissipar alguns pensamentos.- Posso falar com você um instante?Estávamos na hora do intervalo e a maioria dos alunos estavam fora da sala.- Claro - eu disse.Ela se sentou na cadeira ao lado direito da minha, cruzando as pernas.- Vou te perguntar uma coisa e quero que seja sincera comigo.- Ok - falei, franzindo a testa.- Você gosta do Jhony?Confesso que fui pega de surpresa.Fiquei olha
O alcancei quando ele estava prestes a subir na moto.Ela estava estacionada do outro lado da rua, um pouco afastada da multidão de pessoas que curtiam o show, junto com outras motos e carros.- Ei! - chamei de novo, chegando mais perto.Ele se virou. Por um momento, fiquei sem saber o que falar.- Você é o cara que me ajudou aquela noite... - falei.Ele entortou um pouco a cabeça, arqueando a sobrancelha, como se tentasse me reconhecer.- Lembra de mim? Eu fiquei com a sua jaqueta - continuei falando.Eu já sabia que ele havia me reconhecido. Porque não era possível. Ele me olhou bem nos olhos quando passou por mim há apenas um minuto atrás.- Lembro - ele disse.- Eu preciso de
- Que palhaçada é essa, garota? Quem você pensa que é pra falar assim com a minha prima?? - disse Nina, ficando do meu lado, de frente para Luísa.- Dá licença, não estou falando com você - disse Luísa, sem perder a pose.- Pois eu estou falando com você, sua loira metida! - Nina praticamente gritou.Algumas pessoas que estavam mais perto olharam na nossa direção.- Chama a Amber de falsa de novo pra você ver se eu não quebro sua cara! - continuou a barraqueira.Muito irônico, já que ela mesma me chamara de " traíra " há alguns dias atrás.Por que essas coisas só acontecem comigo, meu Deus?- Ei, gata... calma aí - Jeff disse para Nina e passou o braço pelo meu ombro, num meio abraço-o que
A semana se passou sem grandes acontecimentos.Eu ia diariamente para a escola com minha prima e também para o Inglês.Luísa se recusava a falar comigo. Porém dessa vez eu não me preocupei em tentar me explicar. Estava cansada de ser mal compreendida e ser chamada de falsa, traíra ou coisa do tipo.Já com Jhony, eu fiz questão de falar e procurei explicar da melhor forma possível o que havia acontecido, sem magoá-lo.Ele, compreensivo como sempre, continuou me tratando da mesma forma gentil e calorosa, o que me enchia de alegria.***No final de semana seguinte, eu, minha mãe e Nina, estávamos dentro do carro às nove e meia da manhã, em pleno sábado, fazendo uma leve e divertida viagem para Osasco.Era o aniversário da minha avó e nós íamos para participar da pequena reunião que teria para comemorar.- Quantos anos a vovó está fazendo mesmo? - perguntou Nina, sentada comigo atrás.<
- Amber? Que jaqueta é essa?? - Minha mãe perguntou, me olhando com um misto de surpresa e aborrecimento no olhar.Minha avó também me olhava, franzindo a testa. Não consegui dizer nada. Estava assustada ainda com o que Diego havia falado.- Amber?? Quer abrir a boca para responder?!?Eu olhei para ela e saí da sala rapidamente. Não ia ficar ali sendo ainda mais constrangida na frente de todos.Fui para a pequena área que havia depois da cozinha e minha mãe logo me alcançou.- Amber, você me deve uma explicação.Respirei fundo, tentando acalmar a mim mesma.- Mãe...Ela se encostou numa máquina de lavar e cruzou os braços.- Vamos, desembucha. De quem é essa jaqueta? Porque eu não te dei ela, nunca v