Entre o amor e a mentira
Entre o amor e a mentira
Por: Joelma Dejesus
Prólogo

Valentina Ravenscroft

Apesar de toda tristeza avassaladora que parecia consumir cada fibra do meu ser, o sol brilhava com uma intensidade impiedosa no céu, criando um contraste cruel com meu estado emocional. Era manhã, mas o sol já havia dominado o firmamento, lançando uma explosão de cores vibrantes e raios escaldantes sobre o mundo ao meu redor. O calor era palpável, envolvendo as pessoas nas ruas em uma nuvem de desconforto. Algumas se abanavam e reclamavam do calor abrasador, enquanto o suor escorria por seus rostos. Para mim, no entanto, o calor parecia uma ilusão distante; eu sentia um frio penetrante que não vinha do clima, mas da dor profunda e inescapável que se enraizara em meu peito.

Ao me aproximar do portão do cemitério, percebi o peso dos olhares que se voltavam para mim. As expressões curiosas e furtivas, observadas através das lentes escuras dos óculos de sol, adicionavam uma camada de desconforto à minha imensa angústia.

Com apenas quinze anos, eu carregava o fardo esmagador da perda e da solidão. Filha de dois amantes devotados, que haviam compartilhado o amor até o último instante de suas vidas, atravessava o portão do cemitério envolta por uma sensação opressiva de desamparo. A dor pulsava em meu peito, uma constante e implacável lembrança de que a perda era irreversível, desafiando qualquer tentativa de racionalização.

A cada passo sobre a grama verde, o sofrimento parecia se aprofundar, como se a própria terra absorvesse e amplificasse minha dor. Ao meu redor, estavam os amigos mais próximos dos meus pais, aqueles que frequentavam nossa casa com frequência.

No entanto, também estavam presentes aqueles que meu pai sempre evitava. Cada um desses detalhes estava gravado em minha memória enquanto eu caminhava lentamente pela grama, sentindo o peso de cada passo como um fardo de pesar profundo e silencioso. A presença daqueles que antes eram marginais agora se destacava com uma clareza cruel, refletindo um ambiente que parecia intensificar tudo o que eu tentara esquecer.

Em total silêncio, observei enquanto todos se dispersavam e se afastavam. Permaneci ali, imóvel, por horas, mergulhada em uma quietude que parecia engolir o mundo ao meu redor. O guarda-chuva que eu segurava oferecia uma proteção incerta contra o sol implacável, com o cair da noite, a escuridão dos céus se misturaram a sua cor, sobre a minha cabeça. 

O tempo parecia se arrastar de forma interminável. Os dias se arrastavam com uma lentidão exasperante, e as noites chegavam, carregadas de um vazio profundo e opressivo. A cada amanhecer, a dor se renovava, tornando-se um lembrete constante de que a perda era definitiva. Algumas pessoas vinham à minha casa, tentando oferecer consolo, mas suas palavras soavam como ecos vazios.

Não há conforto em meio ao luto, a morte não é para ser confortada. 

A grandiosidade da fortuna herdada parecia um prêmio sem valor em comparação com a ausência devastadora dos meus pais. O mobiliário opulento, as joias reluzentes e os espaços adornados com riqueza material eram apenas cenários frios e desolados sem a presença daqueles que realmente importavam para mim.

A solidão era um fardo mais pesado do que qualquer tesouro que eu pudesse possuir; era uma lembrança cruel de que eu estava sozinha, imersa em um luxo que não conseguia preencher o vazio em meu coração.

Ainda imersa na névoa densa da perda, eu me sentei com uma rigidez inusitada na cadeira de couro, que parecia se tornar uma extensão do meu próprio pesar. O escritório era um espaço de frieza impessoal, e o aroma de papel envelhecido pairava no ar, misturando-se com a atmosfera tensa que me envolvia. O advogado da família, Henry Whitaker, com sua postura austera e expressão grave, começou a folhear o volumoso livro de couro que continha o testamento. Suas mãos, firmes e precisas, ajustaram os óculos antes que ele começasse a leitura.

Cada palavra proferida por ele parecia se transformar em um golpe cruel, reverberando no meu coração. —  Além das disposições financeiras,—  Tio Henry leu com um tom cerimonioso, que fez a minha respiração parecer estancar por um momento,  —  os Ravenscroft desejaram que, no caso da morte prematura, Valentina se unisse em matrimônio com o herdeiro da família Carlluci, Ethan Carlluci, para garantir a continuidade da administração da fortuna e a preservação do legado familiar.

O impacto dessas palavras foi como um choque elétrico, fazendo meu mundo parecer desabar em um instante. A dor da perda dos meus pais parecia ser sobreposta por uma nova e fria realidade que se descortinava diante de mim. A ideia de um futuro forçado, de um casamento imposto com alguém que eu nunca conheci, encheu-me de uma tristeza profunda e amarga. Eu tentei absorver a informação, mas a sensação de estar condenada a um destino que nunca escolhi se instalava dolorosamente em cada fibra do meu ser.

— Eu não vou me casar. — A voz cortante e resoluta ressoou, um grito de resistência em meio ao caos que me cercava. Meus pais, em um ato final de controle sobre meu destino, haviam feito um acordo com a família Carlluci. Eles me entregavam ao filho mais velho da família em troca da administração da fortuna que eu herdara. Era uma transação que transformava minha vida em moeda de troca, um comércio impessoal e frio.

Eu encarei o testamento, cada palavra parecia uma agressão à minha liberdade. Os Carlluci não eram apenas estranhos; eram pessoas que sempre ouvimos mal a respeito deles, que papai ordenava para que a secretária mentisse sobre sua presença quando eles ligavam. Eles eram figuras fantasmais, não mais reais do que um pesadelo, apesar de serem a família mais rica da nossa cidade.

Enquanto minha mente fervia com revolta e frustração, a senhora Carlluci se aproximou, estendendo a mão como se um gesto de consolo pudesse me fazer mudar de ideia. Era um toque que soava como um insulto. Instintivamente, desviei-me, minha firmeza refletindo a dureza que agora dominava meu coração. Quando ela tentou novamente, meu olhar a atravessou com uma intensidade que deixou claro que qualquer tentativa de persuasão seria em vão.

— Não toque em mim. — As palavras saíram como uma lâmina afiada, encerrando qualquer tentativa de imposição. Não aceitaria imposições, não importava quão diplomáticas ou tradicionais fossem. Minha resistência era tudo o que restava contra o destino que tentavam me impor.

Mas, no fundo, eu sabia que algo precisava ser feito. Sempre soubera que a finalidade da minha existência estava entrelaçada com essa responsabilidade inevitável: o casamento. A linhagem dos Ravenscroft estava em jogo, e eu era a última portadora de seu legado.

Cumprindo o desejo de meu pai e consciente de que minha mãe não tivera escolha alguma, eu aceitei o casamento. Com a aceitação, era como se uma pesada cortina de responsabilidade se fechasse sobre mim, cobrindo a última centelha de liberdade que eu ainda carregava. O peso do legado dos Ravenscroft agora estava firmemente ancorado em minhas mãos, e eu me preparava para seguir o caminho traçado por gerações antes de mim.

 

 

 

 

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