Início / Romance / Entre o amor e a mentira / Deveres de uma herdeira
Deveres de uma herdeira

Valentina Ravenscroft

 Na manhã quente e opressiva, os meus pensamentos estavam tão abafados quanto o calor que se infiltrava pela fachada austera da mansão dos Ravenscroft. A cerimônia que se aproximava não era algo que eu aguardasse com ansiedade; era mais uma formalidade, um cumprimento de um contrato silencioso que havia sido traçado por nossos pais. Cada passo que eu dava pela passarela era um lembrete da resignação que havia se instalado em mim, um eco do que deveria ser um dia de celebração, mas que, para mim, era apenas uma transição inevitável.

Quando a porta se abriu e eu entrei no salão, o silêncio dos convidados era um manto pesado sobre a cerimônia. Senti a frieza da formalidade em cada olhar que me atravessava, e o sorriso que eu forçava era apenas um reflexo da obrigação, não da verdadeira emoção. O altar decorado com drapeados de ouro e prata parecia tão distante quanto o entusiasmo que eu havia esperado encontrar.

Ethan, o meu recém-marido, estava lá na frente, uma figura de indiferença controlada, vestido de preto, com uma expressão que misturava cansaço e um sorriso seco. Quando nossos olhos se encontraram, havia uma compreensão mútua de que estávamos ali não por escolha, mas por imposição. A cerimônia prosseguiu como um rito de passagem, um cumprimento de dever mais do que uma celebração de união. Os votos que trocamos e as alianças que colocamos em nossos dedos foram gestos mecânicos, sem a paixão que um casamento normalmente inspira.

Depois da cerimônia, o almoço de recepção foi uma continuação da formalidade. A mesa estava repleta de pratos requintados, mas o ambiente estava carregado de um silêncio nervoso. As conversas eram superficiais, e os sorrisos que trocávamos com os convidados eram uma cortesia ensaiada. A ironia de nossa união era clara em cada gesto, refletindo mais a necessidade e a obrigação do que qualquer tipo de celebração pessoal.

No refúgio da sala privada, onde finalmente pudemos nos afastar dos olhares curiosos, a realidade do que estava por vir se tornou ainda mais palpável. Ethan, tentando parecer compreensivo, falou sobre a formalidade do evento, e eu não pude deixar de sentir uma pontada de cansaço nas suas palavras. A ideia de "aceitar" a situação era a única opção que restava para mim. Não havia espaço para a emoção genuína, apenas uma aceitação resignada da nova realidade.

Quando ele falou sobre o que viria a seguir, sobre administrar a fortuna dos Ravenscroft e se adaptar a essa nova realidade, eu não pude deixar de sentir um certo desprezo misturado com uma pitada de curiosidade. Havia um peso nas expectativas e obrigações que não se desfazia com facilidade. Ethan, com sua postura calculada, parecia tão pronto quanto eu para enfrentar as responsabilidades que essa união nos impunha.

Enquanto ele acendia um cigarro, a fumaça subindo como se fosse uma companhia silenciosa para seu descontentamento, eu me perguntei como conseguiríamos lidar com tudo isso. A ideia de que nossos desejos pessoais eram secundários diante do que esperavam de nós era uma verdade amarga. A prática e a tradição haviam se sobreposto ao desejo pessoal, e eu me vi desejando que, pelo menos, pudéssemos encontrar um meio de lidar com nossas novas responsabilidades sem perder completamente a nossa essência.

Quando Ethan ofereceu um brinde ao futuro, era um gesto de formalidade, um esforço para encontrar algum significado no meio da obrigação. Aceitei o brinde com um olhar resoluto, decidida a fazer o melhor que pudéssemos com o que nos foi dado. Era um novo capítulo, e, se não pudesse ser marcado por alegria, pelo menos seria conduzido com dignidade e eficiência.

Enquanto saímos da sala privada para enfrentar o resto do dia, sabia que o caminho à frente estava repleto de desafios e complexidades. Mas havia uma pequena esperança de que, ao menos, poderíamos encontrar um equilíbrio entre o cumprimento do dever e a busca por uma satisfação pessoal. Afinal, o futuro nos aguardava, e, como sempre, só restava seguir em frente, enfrentando as expectativas com a mesma formalidade que tinha marcado nosso casamento.

A sala privada, com suas paredes de um tom neutro e elegante, oferecia um refúgio momentâneo da agitação e da formalidade do casamento. A mesa de madeira polida no centro da sala, com apenas um par de cadeiras, parecia ser o único cenário que oferecia um espaço para que Ethan e eu pudessem enfrentar a realidade de nossa nova situação.

Olhei para o anel em meu dedo, sua presença um lembrete constante do que havia se tornado minha vida. O brilho do ouro contrastava com o peso de minhas emoções. Ethan, ajustando a gravata com um gesto mecânico, parecia perdido em seus próprios pensamentos, um misto de cansaço e um sorriso seco indicando o quanto aquele momento estava longe de ser uma celebração verdadeira.

— Então, parece que finalmente chegamos ao fim desta… formalidade — disse Ethan, sua voz carregada de uma resignação que ressoava com o peso do dia. Seus cabelos escuros e olhos verdes, típicos dos Carlluci, eram marcados por uma expressão que transmitia tanto a frieza da situação quanto a dureza das expectativas que nos haviam sido impostas.

Eu ergui uma sobrancelha, uma mistura de desdém e aceitação marcada em meu rosto.

— Satisfeita? Não diria que é a palavra certa. Acho que 'aceitável' seria mais apropriado. No fundo, sempre soube que seria assim — respondi, minha voz tingida de uma indiferença resignada.

Ethan, com um sorriso seco que parecia refletir uma compreensão mútua de nossa situação, concordou.

— Eu também. Nossos pais eram muito claros sobre o que esperavam. O que acha de falarmos um pouco sobre o que vem a seguir?

Suspirei e cruzei os braços, meu olhar fixo em um ponto distante, enquanto a realidade do que estava por vir começava a se tornar mais clara.

— O que vem a seguir? Bem, a parte em que você administra a fortuna dos Ravenscroft e eu... me adapto a uma nova realidade. Não posso dizer que estou ansiosa para isso.

Ethan acendeu um cigarro, a fumaça se erguendo como um reflexo do descontentamento que ambos sentíamos.

— Entendo. Temos algumas decisões a tomar sobre a administração e os compromissos sociais. Não que eu esteja ansioso para isso também. É um fardo, mas é um fardo que temos que carregar.

Fiz um gesto com a mão, como se tentasse afastar o peso das expectativas que nos haviam sido impostas.

— Sim, o fardo das expectativas e das obrigações familiares. Às vezes, eu gostaria de poder optar por algo diferente, algo mais… meu. Mas, bem, a realidade é que estamos aqui, e temos um papel a desempenhar.

Ethan puxou a cadeira para se sentar, observando-me com um olhar compreensivo, porém distante.

— Acho que ambos estamos cientes de que nossos desejos pessoais não eram o que estava em jogo aqui. Nosso dever é garantir que a transição seja a mais suave possível e que o legado das nossas famílias continue.

Olhei para ele com um misto de curiosidade e resignação, refletindo sobre a natureza calculada de nossas vidas agora entrelaçadas.

— Eu nunca pensei que a vida pudesse ser tão… calculada. Ou tão fria. Mas, parece que a prática e a tradição têm um peso maior do que a própria felicidade.

Ethan balançou a cabeça em concordância, seu olhar revelando a mesma frieza que permeava nossos diálogos.

— É verdade. No fundo, estamos apenas seguindo um script antigo. Talvez, no meio disso tudo, possamos encontrar um jeito de lidar com as nossas novas responsabilidades sem nos perdermos completamente.

Eu respondi, pensativa, com uma esperança tímida de que talvez houvesse algum espaço para encontrar um equilíbrio, mesmo que tênue.

— Eu espero que sim. E, quem sabe, possamos fazer isso de uma forma que, se não nos traga alegria, pelo menos nos mantenha razoavelmente satisfeitos.

Ethan ergueu o olhar para mim e ofereceu um leve sorriso, uma tentativa de encontrar algum conforto na situação.

— Eu concordo. É uma nova etapa para nós dois. Vamos fazer o melhor que pudermos e talvez, apenas talvez, possamos encontrar um equilíbrio.

Fiz um gesto de concordância, aceitando a proposta com um olhar resoluto.

— Vamos ver o que o futuro nos reserva. Pelo menos, temos uma chance de fazer isso de maneira profissional e eficiente.

Ethan levantou-se e estendeu a mão para mim, um gesto formal que marcava o início desta nova fase em nossas vidas.

— Então, brindemos a isso. Ao futuro e ao que ele nos reserva.

Peguei a mão dele e me levantei, aceitando a proposta com um olhar que misturava esperança e resignação.

— Ao futuro, então.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo