A ligação veio inesperada, um número desconhecido piscando na tela do meu telefone logo pela manhã.
O advogado do outro lado da linha falou com uma formalidade cortante, pedindo que eu comparecesse ao escritório o mais rápido possível. — É um assunto de seu interesse, senhorita Leclerc — ele disse, sem dar muitos detalhes. Algo no tom dele me fez sentir que não poderia ignorar. Meu coração acelerou, uma mistura de curiosidade e receio invadindo minha mente. O que seria tão urgente? Cheguei ao escritório pouco tempo depois, a cabeça girando com hipóteses sobre o que me aguardava. A sala era fria, estéril, e o ar estava pesado, quase sufocante. O advogado, um homem de meia-idade com óculos grossos e uma expressão impenetrável, esperou que eu me sentasse antes de começar a falar. — Obrigada por ter vindo tão prontamente, senhorita Leclerc — ele disse, olhando fixamente para mim. — Sinto muito pela forma como as circunstâncias se desenrolaram, mas temos uma situação que exige sua presença e decisão. Franzi o cenho, confusa. — Do que se trata? Ele fez uma pausa longa demais antes de falar. — Receio que seja uma notícia difícil. Senhor Denis e Ana Foster sofreram um acidente de carro. Aquelas palavras me atingiram de forma que nem sei explicar. O mundo pareceu congelar ao redor de mim. Denis? Meu ex?! E Ana... minha ex-amiga?! As palavras do advogado ecoavam na minha cabeça como um sussurro distante, difícil de processar. Como poderia ser isso? Eles… eles… meu Deus… Eles… morreram?! — O carro derrapou em uma curva perigosa durante uma forte tempestade — ele continuou. — Denis estava dirigindo, e aparentemente perdeu o controle do veículo. O carro saiu da estrada, capotando várias vezes antes de bater em uma árvore. Infelizmente, eles não sobreviveram. Fechei os olhos por um momento, tentando afastar as imagens horríveis que minha mente criava. Denis, o homem que eu estava aprendendo a amar e com quem passei anos, havia morrido assim, de forma tão brutal. Meu Deus! E Ana, minha melhor amiga de uma vida inteira, a amiga que eu perdi por traições e desentendimentos, agora era apenas uma lembrança envolta em tragédia. Meu Deus! Que final triste para eles. Mesmo em meio a tudo o que me fizeram, eu nunca poderia desejar um mal desses. Eles agiram nas minhas costas, mas perder a vida assim. É triste demais. — Mas, porque o senhor me fez vir aqui senhor Moon, poderia ter me dado a notícia por telefone mesmo. Havia anos que não tinha contato com os dois, e acho que por isso, ninguém além do senhor me procurou para contar. O advogado me observa em seu próprio silêncio. Isso não é bom sinal. Ele respira fundo e começa a falar: — A filha deles, Alice, está numa casa de custódia até que possamos decidir o que será feito com ela. Filha? Casa de custódia? Mas espera… — O que... o que vai acontecer com a filha deles? — perguntei, minha voz trêmula, tentando me agarrar à realidade. O advogado pigarreou, cauteloso. — Isso nos traz ao ponto central desta reunião, senhorita Leclerc. Você é uma das tutoras legais da filha deles, juntamente com o irmão do senhor Foster. Minha cabeça girou com a informação. Eu, tutora da filha deles? Por que Denis me colocaria em tal posição, depois de tudo? Por que Ana teria concordado? Uma mistura de choque e incredulidade tomou conta de mim. E com o irmão dele... com quem eu mal tive contato? Isso era surreal demais para assimilar. Só sabia da existência dele, das histórias e ligações que eventualmente eles trocavam. Não eram chegados e nem tinham vínculo familiar muito menos afetivo. — Eu... não entendo — murmurei. — Por que eu? Por que não outra pessoa? Não éramos mais próximos há tanto tempo... — Senhor Foster confiava em você — disse o advogado, com voz calma. — Ele acreditava que você seria a pessoa certa para cuidar da filha, caso algo acontecesse. Você e o irmão dele são os únicos tutores nomeados no testamento. Antes que eu pudesse responder, ouvi a porta do escritório se abrir atrás de mim. Um arrepio percorreu minha espinha quando ouvi o som de passos pesados entrando na sala. Virei-me, hesitante, e então o vi. O homem que acabara de entrar era alto, com uma presença imponente e passos firmes. Seus olhos, frios e intensos, eram inconfundíveis. Meu coração disparou, como se meu corpo reconhecesse antes mesmo que minha mente conseguisse juntar as peças. Eu conhecia aquele homem. Eu… definitivamente sabia quem acabara de entrar. Ele fechou a porta calmamente, cruzando o olhar comigo por um segundo que pareceu durar uma eternidade. A expressão dele não demonstrava emoção, mas quando falou, sua voz ecoou pela sala de maneira familiar, fazendo com que meu corpo todo reagisse. — Isaías Castellar — ele se apresentou, e meu sangue gelou. Eu reconheci a voz.Meu Deus! Não havia dúvidas. Aquela voz… Era impossível de esquecer. Ficou em mim muito mais do que eu poderia imaginar. Jamais pensei que o reencontraria, e agora, aqui estava ele: Isaías. O irmão do meu ex. O estranho que havia cruzado meu caminho tempos atrás. Ele não me olhou com o mesmo choque. Na verdade, parecia não dar a mínima para a minha presença. Seu olhar estava fixo no advogado, os braços cruzados, a postura rígida como uma muralha de indiferença. O que ele estava fazendo aqui? E por que, de todas as pessoas, fui eu a convocada para essa reunião bizarra?Dr. Moon pigarreou, atraindo nossa atenção.— Vamos direto ao ponto — ele disse, ajeitando os óculos sobre o nariz. — Vocês foram chamados aqui porque há disposições importantes no testamento de Denis e Ana.Isaías bufou, inclinando-se para frente com um semblante de quem não tinha tempo a perder.— E o que isso tem a ver comigo? — Ele quase rosnou. — Não era o suficiente eu lidar com os problemas do meu ir
Dr. Moon abriu o envelope com uma calma que só aumentava a tensão no ar. Cada movimento dele parecia arrastar o tempo, e eu mal conseguia controlar minha respiração enquanto Isaías continuava de pé ao meu lado, a fúria ainda estampada em cada linha de seu rosto. Eu, por outro lado, sentia um redemoinho de emoções crescendo dentro de mim, misturado com a incredulidade de que o destino de uma criança havia sido colocado em nossas mãos.O advogado começou a ler, a voz dele ecoando pelo ambiente como se estivesse nos puxando para uma realidade que nenhum de nós queria enfrentar:— Isaías, meu irmão… Ana e eu discutimos muito antes de chegarmos a essa decisão. Sabemos que você vai nos odiar por isso, mas confiamos que, no final, você entenderá. Você sempre foi tão sozinho, se escondendo atrás de sua vida agitada, sem tempo para nada, muito menos para sentir. Você se fechou em seu próprio mundo e por diversas vezes tentei adentrar, mas fracassei em cada uma delas. Mas, meu querido irmão,
— Onde eu preciso assinar para deixar a guarda para ela? — Isaías resmungou, com desdém, mal esperando Dr. Moon terminar a leitura.Fiquei parada, boquiaberta. Não podia acreditar no que acabara de ouvir.Não era possível que as palavras do irmão não tivessem sequer tocado o coração dele.Era como se o que acabara de ouvir, não fosse nada importante.— Você só pode estar brincando, Isaías! — rebati, sentindo o sangue ferver. — Como você pode ser tão frio? Seu irmão confiou a você a coisa mais preciosa da vida dele e você só quer... se livrar disso?Ele bufou, cruzando os braços.— Eu não pedi para ser o tutor de ninguém, Alby! Não tenho tempo nem paciência para isso. E se Denis realmente me conhecesse, saberia disso.A menção ao nome do irmão morto com tanta indiferença fez meu coração apertar ainda mais de raiva.Eu me aproximei dele, tentando manter o controle, mas a indignação era evidente na minha voz.— Ah, claro, porque você está tão ocupado, não é? E o que Denis esperava? Que
Isaías estava de pé, com o rosto fechado, e as palavras saíam dele como facas afiadas, cortando qualquer vestígio de esperança que eu ainda pudesse ter. — Não vou fazer isso, Alby. Não tenho o menor interesse em cuidar da minha sobrinha. Faça o que for melhor para ela, porque claramente, eu não sou esse "melhor". É mais justo para Alice ter uma família que realmente a queira, que a ame, do que ser jogada aos cuidados de um tio que nem sequer a conhece. Eu podia sentir minha respiração ficar mais pesada, as palavras dele me atingindo como um golpe. Como alguém podia ser tão cruel? Tão... vazio? — Você está falando como se ela fosse um fardo! — gritei, a voz transbordando de indignação. — Ela é só uma criança, Isaías! Sua sobrinha! Sangue do seu sangue! Como pode dizer isso com tanta frieza? Ele cruzou os braços, o olhar inabalável. — Você não entende, senhorita Leclerc. Cuidar de uma criança não é simplesmente dar comida e teto. Requer tempo, dedicação, paciência... co
Cheguei em casa exausta, tanto física quanto emocionalmente. Minha cabeça ainda latejava, as palavras de Isaías ecoando como um peso que não conseguia tirar dos ombros. E agora?Como eu ia fazer isso? Minha casa não era exatamente um lar acolhedor para uma criança. Na verdade, era um caos organizado para uma adulta solteira, cheia de livros espalhados, caixas empilhadas e um escritório abarrotado de papeis. Mas era o que eu tinha, pelo menos por agora.Respirei fundo e comecei a caminhar pela casa, tentando visualizar o que precisava ser feito. O primeiro passo era transformar aquele escritório em algo que ao menos lembrasse um quarto. Me senti ridícula por não ter nada pronto, mas, como eu poderia estar preparada para algo assim? Desmontei algumas estantes, empurrei a mesa de trabalho para um canto e vasculhei a lavanderia até encontrar uma cama de montar que eu havia guardado há tempos, sem nunca imaginar que precisaria usá-la. Cada movimento parecia um reflexo do caos dent
Alice não respondeu, apenas o encarou com aquela expressão vazia que vinha mantendo desde o momento em que cruzou a porta. Seu pequeno corpo tremia, seus dedos agarrados à perna do Dr. Moon com tanta força que seus nós dos dedos ficaram brancos.Eu observei a cena em silêncio, tentando esconder a angústia que crescia dentro de mim. Como eu poderia oferecer consolo a uma criança que mal sabia o que era confiar em mim? Como eu, uma estranha para ela, poderia ser a pessoa a preencher esse vazio? Não havia palavras que pudessem curar uma dor tão grande.Dr. Moon deu um leve sorriso a Alice e depois olhou para mim, como se dissesse "agora é com você". Senti minhas mãos suarem de nervosismo, e dei um passo à frente, meu coração batendo forte no peito.— Oi, Alice — murmurei mais uma vez, minha voz um tanto trêmula.Eu estava nervosa, mas tentei manter a calma por ela.— Eu sei que você está com medo agora... e tudo parece muito confuso. Mas eu estou aqui, e prometo que vamos descobrir
Os primeiros dias foram difíceis. Aquilo que parecia que ia fluir, não fluiu, na verdade empacou.Por mais que eu tivesse esperança de que iríamos conseguir, tudo estava na verdade um caos.Alice não ia com a minha cara. Ela mal falava comigo, ficava a maior parte do tempo quieta, agarrada ao ursinho de pelúcia que trouxe consigo. Eu tentava de tudo – oferecia comida, tentava brincar, lia histórias – mas ela parecia uma muralha impenetrável. E meu coração se quebrava um pouco mais a cada tentativa falhada.Acabei pedindo alguns dias na empresa devido a chegada da Alice. Eu precisava organizar nossa vida agora, precisava que ela se adaptasse, precisava colocar ela na escola, precisava ganhar tempo com ela.Precisava me achar nessa novidade toda. Mesmo tudo parecendo não funcionar, eu sabia que não podia desistir. Ela tinha só quatro anos, e estava enfrentando tantas mudanças ao mesmo tempo. Como uma criança tão pequena podia processar a perda dos pais, a ida para uma nova casa
Acordei naquela manhã com um aperto no peito que mal conseguia disfarçar. O primeiro dia de aula de Alice finalmente havia chegado, e eu sabia que não seria fácil, mas não esperava que tudo fosse desmoronar tão rapidamente. Consegui a vaga na escola perto do meu trabalho com a ajuda do senhor Moon, que, como sempre, havia resolvido tudo de forma impecável.Ele fez questão de me tranquilizar, garantindo que Alice seria matriculada e até enviou o uniforme, o material, e a mochila de princesa.Eu já tinha preparado tudo, mas acho que o senhor Moon só quis me ajudar um pouco mais. Eu deveria me sentir aliviada, mas não conseguia afastar o medo do que estava por vir.Acordei com aquela sensação sufocante de que algo daria errado. E deu. Logo cedo, na cozinha, derramei o leite, queimei as torradas, e o café esfriou sem que eu sequer tocasse na xícara. Alice, por sua vez, estava em um estado de recusa total, presa ao seu mundo silencioso, e eu não sabia mais como alcançá-la. Perguntei