Havia algo de mágico em segurar um pincel novamente. Era como se, ao tocar a tela em branco, um pedaço da minha alma se conectasse com algo maior, algo que palavras jamais conseguiriam explicar. Eu tinha me afastado da pintura por tanto tempo, me ocupando com a vida, com as responsabilidades, com as dores que parecia mais fácil ignorar. Mas agora, diante da tela vazia, senti como se estivesse voltando para casa. A luz suave da tarde entrava pelas janelas do meu estúdio, pintando o espaço com um brilho dourado que parecia me abraçar. Alice brincava no canto, seus risinhos infantis sendo o som de fundo perfeito para a minha concentração. O cheiro familiar de tinta e solvente preenchia o ar, e eu me permiti respirar fundo, absorvendo cada fragmento daquele momento. Pintar sempre foi minha fuga, mas agora era mais do que isso. Era minha redenção, meu grito silencioso para o mundo. A cada pincelada, eu sentia como se estivesse cura
A noite começou como um sussurro suave, o tipo de promessa que faz o coração acelerar sem motivo aparente. Isaías estava ali, parado na entrada da minha casa, com um sorriso que parecia atravessar todas as minhas defesas. Usava uma camisa preta de botões levemente aberta no colarinho, deixando um vislumbre de sua pele à mostra. Em suas mãos, uma garrafa de vinho e uma expressão de quem sabia exatamente o que estava fazendo comigo. — Achei que uma noite especial merecia um bom vinho — ele disse, entregando-me a garrafa com a confiança de alguém que já havia conquistado metade do caminho até meu coração. O jantar estava pronto, mas meu apetite parecia ter escolhido outra direção. No entanto, forcei-me a manter a compostura enquanto colocava a mesa. Ele me acompanhava com o olhar, seus olhos intensos seguindo cada um dos meus movimentos como se fossem parte da dança que estávamos prestes a começar. Sentamos à mesa, e a conversa fluiu
Acordei com o corpo ainda tomado pela intensidade do sonho. A noite anterior parecia tão real, cada toque, cada olhar, cada palavra dita por Isaías. Meu coração ainda batia acelerado, como se ele ainda estivesse ao meu lado, e minha pele parecia carregar o calor do seu toque. Mas ao abrir os olhos, fui atingida pela frieza da solidão. Ele não estava ali. Nunca estivera. Passei os dedos pelo rosto, tentando afastar a sensação sufocante de vazio que tomava conta de mim. Por que Isaías? Por que agora? Fazia tanto tempo que ele não fazia mais parte da minha vida, tanto tempo que havíamos seguido caminhos diferentes. E, no entanto, ele ainda habitava meus pensamentos de maneira tão visceral, tão avassaladora. Tão insuportável.Levantei-me e caminhei até a janela, buscando na luz pálida da manhã algum conforto para as emoções que me consumiam. O mundo lá fora seguia seu ritmo indiferente, mas dentro de mim, havia uma tempes
A noite estava perfeita, ou ao menos parecia estar. O som da campainha ecoou na casa em meio ao silêncio acolhedor, onde Alice já dormia profundamente. Meu coração deu um salto inesperado com o som da companhia, pois não estava esperando ninguém. Caminhei até a porta com passos leves, a curiosidade apertando meu peito. Quando a abri, me deparei com Andrew. Ele estava ali, com aquele sorriso que sempre parecia saber mais de mim do que eu mesma. Em suas mãos, um buquê de flores delicadas, cada uma em tons suaves que, de alguma forma, refletiam meu estado de espírito. — Andrew? O que você está fazendo aqui? — Minha voz era um misto de surpresa e desconcerto, mas também de algo mais... algo que eu não queria admitir. Ele estendeu o buquê para mim, seus olhos presos aos meus, com uma intensidade que me desarmou por completo. — Eu senti que você precisava de uma noite especial. Está disponível essa noite? — Sua voz era calma, mas carregada
A campainha tocou pela manhã, e eu, ainda de pijama e com uma xícara de café nas mãos, fui atender, sem pressa. Quando abri a porta, deparei-me com um entregador segurando um enorme buquê de flores e uma caixa.O aroma era intenso e agradável, mas o cartão preso entre as flores foi o que realmente chamou minha atenção. — Alby Leclerc? — perguntou o homem com um sorriso. — Sim, sou eu. Recebi a entrega com certa hesitação, agradecendo rapidamente antes de fechar a porta. Não foi difícil adivinhar quem havia enviado. Junto às flores, havia também uma elegante caixa de bombons, tão perfeita que parecia um presente de cinema. Peguei o cartão e li devagar: "Querida Alby, Sinto muito por ter estragado nossa noite. Circunstâncias inesperadas me afastaram, mas espero que compreenda. Estarei ausente por alguns dias, mas mal posso esperar para te ver novamente. Com carinho, Andrew Lowen"Suspirei, sentindo um mis
O ateliê estava silencioso, exceto pelo som suave da música que vinha do rádio ao fundo. As janelas amplas deixavam a luz do fim de tarde entrar, refletindo nos pincéis e tintas espalhados sobre a bancada. Ali, no meio daquele espaço que costumava ser meu refúgio, eu me sentia inquieta. Caminhei devagar, analisando cada tela já pronta, cada detalhe das obras que, mais uma vez, seriam enviadas para exposições em outros lugares. Elas estavam lindas, eu sabia disso. As cores vivas, as texturas, os detalhes… Tudo transmitia um pouco de mim, como sempre. No entanto, não senti a mesma alegria de antes, aquela satisfação de saber que minhas criações alcançariam o mundo. Dessa vez, o pensamento que me consumia era outro: quanto tempo longe de Alice isso me custaria? Suspirei, cruzando os braços, e chamei Luana. Ela apareceu rápido, sempre organizada, com o caderno de anotações em mãos e um sorriso paciente. — Preciso que reorganize as exp
A ligação de Andrew foi uma surpresa. Era raro ele telefonar diretamente, considerando seu hábito de surgir e desaparecer quando bem entendia, sempre deixando um rastro de mistério. Mesmo assim, sua voz carregava um calor reconfortante. — Alby, pensei em reunir alguns amigos para um jantar — ele disse, com aquele tom casual, como se a ideia tivesse surgido no último minuto. — Luana e o marido estarão lá. Quero que você venha também. Hesitei por um instante, mas o convite era tentador. Estar com Luana e seu esposo era sempre bem agradável e eu estava desejosa por uma pausa com adultos.E Andrew tinha esse jeito de tornar sua companhia irresistível. — Tudo bem, eu vou — respondi, permitindo-me um raro momento de espontaneidade. — Ótimo. Passo para buscá-la às oito. Pontual como sempre, Andrew apareceu exatamente no horário. Quando abri a porta, seus olhos percorreram minha figura com um brilho que denunciava sua aprovação
A manhã seguinte ao jantar começou tranquila, mas minha mente ainda estava presa à figura de Rebecca e à expressão dura de Andrew enquanto cortava suas perguntas. A curiosidade sempre foi minha aliada e minha maldição, e dessa vez, ela me consumia como uma chama. Minha rotina com Alice ajudava a manter minha mente no presente. Suas risadas doces e perguntas inocentes eram o bálsamo que afastava qualquer inquietação. Contudo, no silêncio das horas em que ela dormia ou brincava sozinha, minha mente voltava para a cena no restaurante. Quem era aquela mulher? O que ela queria? E por que Andrew reagiu daquela forma? Decidi que um passeio no parque poderia aliviar a tensão. O dia estava claro, e o vento fresco trazia uma sensação de renovação. Alice corria entre as árvores com outras crianças, enquanto eu me sentava em um banco, tentando organizar meus pensamentos. Foi então que meu telefone vibrou. Olhei para a tela