Há momentos na vida em que sentimos que a alma precisa ser exposta. Eu não sei como explicar isso exatamente, mas foi assim que aconteceu. As primeiras pinceladas na tela pareciam algo simples, quase como um pequeno movimento do pulso. Mas logo tudo se transformou, e eu percebi que a cada cor que eu colocava, eu me revelava um pouco mais. Eu comecei a pintar de uma forma frenética, como se o mundo estivesse se comprimindo e eu estivesse tentando gritar, mas sem palavras. Só com pinceis, tinta e tela.Cada tela era uma explosão de emoções que eu não sabia que tinha. As primeiras eram incertas, tímidas, como quem testa a água de um rio gelado. Eu estava tentando entender o que estava se passando dentro de mim, tentar captar uma sensação sem saber ao certo o que seria. Eu pintava, e as cores fluíam, e a cada uma eu sentia uma parte minha se soltar, como se estivesse deixando um pedaço de mim na tela, pedindo para ser visto.A primeira tel
Era uma manhã como qualquer outra, ou pelo menos, eu pensei que seria. Eu estava na minha pequena cozinha, preparando um café forte, meus pensamentos ainda sobre a tela que estava finalizando. Cada pincelada era um convite para o desconhecido, uma dança entre a luz e as sombras que eu estava começando a entender. A arte me consumia, mas de uma forma que eu gostava. Era como se eu tivesse encontrado uma linguagem secreta, um código que só eu sabia decifrar.Eu ainda estava imersa nas minhas cores quando ouvi a campainha tocar. Levantei-me, esperando ser mais um vendedor ou o entregador da farmácia. Mas quando abri a porta, Luana estava ali, com um sorriso largo e um homem ao seu lado. Eu o reconheci instantaneamente, afinal ele havia estado aqui algumas semanas atrás. Não mencionei o ocorrido com minha amiga, achando que não devia dar tanta importância a um passeio no parque a noite, uma boa conversa sobre arte e um sorvete sem ne
Eu me peguei pensando em Alice. Não aquela Alice de um livro infantil, mas a Alice que me foi confiada. A Alice que passou a ser minha razão de viver. A Alice que eu passei a criar, a educar, a ensinar, a que ganhou vida em minha mente ao longo de tantos dias solitários, e que agora, de alguma forma, começou a se materializar naquelas telas em branco que eu tanto temia.Alice era uma menina forte e vulnerável ao mesmo tempo. Ela enfrentava o desconhecido, sem saber o que estava por vir, mas com uma coragem silenciosa que me tocava profundamente. Eu a via como alguém que nunca se rendia, que desafiava o escuro, buscando sempre uma luz. Essa Alice me atraía, mas também me assustava, porque eu sabia que, para representá-la em cores, eu precisaria me deixar levar para lugares dentro de mim que eu ainda não havia explorado.Quando comecei a pintar, a sensação foi quase visceral. Cada pincelada que tocava a tela parecia uma extensão d
Nunca imaginei que isso aconteceria. Quando comecei a pintar, a ideia de expor minhas obras parecia um sonho distante, uma fantasia que eu tentava ignorar. Eu estava feliz apenas criando, entre as cores e os pincéis, vivendo no meu próprio mundo. Mas agora... agora estava prestes a acontecer. A minha primeira exposição. Minha. Exposição.Era um sábado, um dia quente e abafado. O tipo de dia em que o ar parece pesar no peito. Eu estava no pequeno estúdio que mandei em casa para trabalhar, em frente a uma das telas que eu considerava minha favorita. A série de Alice estava ali, diante de mim, mas, de repente, ela parecia outra coisa. Não mais as obras de uma mulher que tentava se encontrar, mas algo mais grandioso. Algo que eu não sabia se estava pronta para lidar.Eu passei as mãos na frente do rosto, como se pudesse afastar a sensação de desconforto que estava me consumindo. O evento seria no final da tarde, na
A noite estava fresca, com uma brisa suave que acariciava o meu rosto enquanto eu caminhava em direção ao restaurante escolhido por Luana para comemorar o sucesso da exposição. Eu ainda não conseguia acreditar que as coisas haviam acontecido tão rápido. Como se as estrelas tivessem se alinhado de uma forma que, até então, parecia um sonho inatingível. A galeria lotada, os elogios, as conversas sobre as minhas pinturas, sobre Alice e tudo o que elas representavam... era surreal.Quando cheguei, a porta do restaurante se abriu diante de mim, e o brilho quente das luzes internas me envolveu. O lugar estava decorado com elegância simples, mas tinha aquele toque de aconchego que fazia você se sentir à vontade desde o primeiro passo. Luana estava lá, com um sorriso tão largo que parecia que ela não cabia dentro de si mesma, radiante como sempre. Ela me puxou para dentro, e logo me vi no centro de uma celebração que, por um momento, parecia
Quando recebi o e-mail, não conseguia acreditar. A primeira coisa que pensei foi que fosse algum tipo de engano. Não poderia ser real, não comigo, não agora. Não após tudo o que eu havia passado para chegar até aqui, até minha primeira exposição que, mesmo com todo o sucesso, ainda não parecia suficiente para que o mundo me visse da maneira que eu sonhava."Paris", dizia o título da mensagem. As palavras se embaralhavam na minha mente, como se minha visão estivesse desfocada. Quando finalmente consegui me concentrar, o texto começava a se materializar, e a realidade se impôs diante de mim."É com grande prazer que o convidamos para sua exposição solo na Galerie du Louvre, em Paris. Sua arte foi notada, e acreditamos que o público mundial de arte merece conhecê-la de perto. A data está agendada para o mês seguinte..."A data agendada para o mês seguinte. Era como se eu tivesse lido aquilo em câmera lenta, tentando entender
A exposição foi um sucesso inegável. As pessoas estavam apaixonadas pela minha visão, pela minha arte, por aquilo que eu finalmente permiti que o mundo visse. Eu não podia acreditar que aquelas mesmas telas, criadas na solidão da minha sala apertada, estavam agora diante dos olhos atentos de centenas de pessoas, tocando-as de formas únicas, incompreensíveis para mim. Luana, minha amiga e parceira nessa jornada, estava radiante, mais até do que eu. Charles, que sempre esteve ao meu lado, sorria com um orgulho silencioso, mas evidente. — Você conseguiu, Alby — ele disse, com aquele olhar encorajador que tantas vezes me sustentou quando eu quase desisti. Eu sorri de volta, mas meu olhar foi inevitavelmente atraído para minhas telas. Uma última vez, deixei meus olhos vagarem sobre as obras que contavam minhas histórias, meus medos e meus sonhos. A última pessoa que ficou na exposição parou diante de uma das minhas preferidas: a pintu
Paris nunca pareceu tão mágica como naquela noite. Depois de tudo que aconteceu na exposição, do turbilhão de emoções e da euforia de finalmente me permitir ser vista, Andrew me surpreendeu com um convite que fez meu coração disparar: — Alby, o que acha de dar uma volta por Paris comigo? Só nós dois. Olhei para ele, surpresa, tentando entender se aquilo era real. Ele, sempre tão contido, agora parecia vulnerável de um jeito que me desarmou. — Eu adoraria — respondi, sem hesitar. Saímos do museu como se estivéssemos deixando um mundo e entrando em outro. Paris parecia respirar ao nosso redor. As ruas estavam tranquilas, iluminadas pelas luzes amarelas dos postes e pelo reflexo suave da lua nas poças d’água que a chuva havia deixado para trás. Caminhamos lado a lado, em silêncio por um tempo. Não era um silêncio desconfortável; era como se ambos estivéssemos absorvendo a magia do momento. O cheiro de pão fresco vinha de