Eu não sabia exatamente quando tinha começado a jogar, mas já estava no tabuleiro.
Os últimos dias haviam sido um teste atrás do outro. Pequenas missões, favores perigosos e situações onde eu precisava provar minha lealdade. Eu não era ingênua a ponto de achar que Dante me mantinha por perto apenas por simpatia. Havia algo que o intrigava em mim, e eu precisava descobrir se isso jogava a meu favor ou se apenas me tornava um alvo mais fácil.
Naquela noite, Lorenzo me buscou para mais um encontro com Dante. Eu já estava começando a reconhecer os padrões. Ele gostava de me observar, testar minhas reações, me puxar para o limite apenas para ver se eu quebrava. Mas eu ainda estava ali. Ainda intacta.
— Você está diferente — Lorenzo comentou enquanto dirigia.
— Diferente como?
Ele me olhou de soslaio.
— Antes, parecia assustada. Agora... parece que está aceitando isso.
Engoli em seco. Será que estava? Ou será que era apenas uma forma de sobrevivência?
O carro parou em frente à mansão e Lorenzo saiu primeiro. Inspirei fundo antes de acompanhá-lo para dentro. O ambiente sempre me causava um arrepio. Não era o luxo, não era o silêncio absoluto, mas sim a presença dele.
Dante estava sentado em sua poltrona habitual, um copo de uísque equilibrado entre os dedos. Seus olhos me varreram da cabeça aos pés assim que entrei, e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Clara.
Meu nome soava diferente na voz dele, como se carregasse um peso que eu ainda não conseguia interpretar.
— Sente-se.
Obedeci, cruzando as pernas de maneira automática, sentindo o olhar dele acompanhando cada movimento meu. Lorenzo se afastou, nos deixando a sós.
Dante inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa.
— Você me surpreende.
— Por quê?
— Porque ainda está aqui. — Ele girou o copo entre os dedos. — A maioria das pessoas teria tentado fugir ou implorado para ser libertada. Mas você está se adaptando. Está aprendendo.
Havia algo na maneira como ele dizia isso, como se me analisasse peça por peça.
— Eu me adapto bem — respondi, tentando manter meu tom leve.
Dante sorriu, aquele sorriso lento que fazia meu estômago revirar.
— Quero que entenda algo, Clara. No meu mundo, tudo gira em torno de poder. Você pode usá-lo ou ser esmagada por ele. Pode conquistar ou ser conquistada.
Um arrepio percorreu minha espinha. Eu sabia que ele estava me testando. Tudo entre nós era um jogo de controle, de dominância, e eu sentia que, a cada dia, ele puxava um pouco mais a corda para ver até onde eu resistia.
— E o que você quer que eu seja? — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia.
Dante se levantou devagar, caminhando até parar ao meu lado. Sua presença era esmagadora, como se o próprio ar ao redor dele se moldasse à sua vontade.
Ele ergueu a mão e segurou meu queixo, forçando-me a encará-lo. Seus dedos estavam quentes contra minha pele, e meu corpo inteiro reagiu ao toque.
— Isso depende de você.
Meu coração acelerou.
O silêncio que se instalou entre nós era denso, carregado de algo que eu não sabia nomear. Os olhos de Dante me prenderam, intensos, analisando cada pequena reação minha.
Eu deveria me afastar. Mas não o fiz.
— Você tem medo de mim? — A voz dele era baixa, mas a pergunta carregava um peso sufocante.
Engoli em seco, forçando-me a responder.
— Qualquer pessoa com um mínimo de juízo teria.
Dante soltou um riso baixo, aproximando-se apenas o suficiente para que eu sentisse o cheiro amadeirado de sua colônia.
— Medo pode ser uma coisa boa. Mantém as pessoas alertas. Mas, Clara... — Ele deslizou o polegar pela minha mandíbula, lentamente. — Você parece sentir algo além do medo.
Minha pele arrepiou.
Ele estava brincando comigo. Me testando. E o pior era que eu não sabia mais se queria vencer esse jogo ou me perder nele.
Com um sorriso satisfeito, ele afastou a mão, mas não recuou. Ficou ali, perto o suficiente para que cada centímetro entre nós parecesse um abismo impossível de ignorar.
— Quero que fique comigo esta noite.
Meu corpo congelou.
— Como assim?
Ele deu um passo para trás, como se minha reação tivesse o divertido.
— Apenas fique. Não preciso que faça nada. Só quero... sua presença.
Havia algo na forma como ele disse isso que me deixou inquieta. Como se estivesse admitindo algo sem realmente colocar em palavras.
E talvez fosse isso que me assustava mais do que qualquer outra coisa.
Desde o momento em que Clara entrou naquela sala, eu soube que algo estava diferente.
Ela não era a mesma mulher assustada que conheci dias atrás. Não, agora ela estava mudando. Se adaptando. Tornando-se algo mais.
E eu não conseguia tirá-la da minha cabeça.
Clara era como um problema que eu não sabia como resolver. Eu já havia conhecido mulheres que se impressionavam com o poder, que se curvavam à minha vontade, mas ela... ela resistia.
Não com palavras ou gestos óbvios.
Mas com aquela m*****a forma de me olhar.
Desafiadora. Curiosa. Ingênua o bastante para brincar com fogo, mas esperta o suficiente para não se queimar.
Eu deveria afastá-la. Ela era uma distração.
Mas, em vez disso, eu a puxei para mais perto.
Ela não percebe, mas já está presa.
Eu deveria apenas usá-la e depois descartá-la. Isso era o lógico. O certo.
Mas eu já sabia a verdade.
Eu não queria descartá-la.
Eu queria possuí-la.
E isso me irritava.
Porque, pela primeira vez em muito tempo, algo estava fora do meu controle.
E o nome disso era Clara.
Ficar.A palavra ficou pairando no ar entre nós, carregada de significados não ditos.Dante me observava como um predador paciente, esperando minha reação, testando se eu recuaria ou se aceitaria sua oferta velada. Eu sabia que, se dissesse sim, cruzaria mais uma linha invisível. Não era apenas sobre permanecer fisicamente naquele lugar; era sobre ceder a algo que crescia entre nós e que eu não podia mais ignorar.Mas eu não podia demonstrar hesitação.— Só minha presença? — perguntei, mantendo meu tom neutro.Dante sorriu, aquele sorriso que me irritava tanto quanto me atraía.— Por enquanto.Aquelas duas palavras me fizeram prender a respiração. Meu corpo reagiu antes mesmo da minha mente processar. Um arrepio subiu pela minha espinha, e eu engoli em seco, tentando ignorar a forma como ele parecia se divertir com a minha reação.— Certo — murmurei, cruzando os braços, tentando esconder o nervosismo. — Mas não espere que eu durma no sofá.Ele soltou uma risada baixa e balançou a cabe
O sol invadia o quarto pelas frestas das cortinas, projetando sombras suaves no lençol bagunçado. Meu corpo estava pesado, e minha cabeça latejava levemente, como se eu tivesse passado por uma tempestade e só agora estivesse emergindo para a superfície. Piscando algumas vezes, tentei me situar. O cheiro amadeirado impregnado no travesseiro e a firmeza do colchão eram evidências de que eu não estava em casa.A lembrança veio em ondas: Dante, o quarto, a exaustão me arrastando para um sono inevitável. Meu coração bateu mais forte por um instante, um medo irracional de que algo tivesse acontecido. Mas, ao me mexer, percebi que minha roupa estava exatamente como antes. Um suspiro escapou dos meus lábios. Dante havia sido respeitoso.Passei a mão no rosto e me sentei devagar, sentindo o ambiente silencioso ao meu redor. A casa de Dante parecia um outro mundo, afastado da realidade que eu conhecia. Me levantei e ajeitei minhas roupas, sentindo um leve frio ao tocar o chão de madeira com os
Minha rotina era simples. Acordar cedo, pegar o mesmo ônibus lotado, sorrir para clientes mal-humorados e repetir o processo no dia seguinte. Eu nunca esperei que minha vida mudasse drasticamente em uma noite qualquer, muito menos que uma simples maleta jogada no lugar errado pudesse virar meu mundo de ponta-cabeça.Era tarde quando saí do supermercado. Meu turno se estendeu por tempo demais, como sempre acontecia quando o gerente resolvia me sobrecarregar. Caminhei para casa com os fones de ouvido e os pensamentos vagando entre o que faria para jantar e o quanto desejava um banho quente. A rua estava deserta, apenas alguns postes piscando intermitentemente iluminavam o caminho. Foi quando tropecei.Olhei para baixo, confusa. Algo duro havia esbarrado no meu pé. A luz fraca revelou uma maleta preta, aparentemente intacta, de couro reluzente. Não havia ninguém por perto. Ela estava ali, como se tivesse sido esquecida por alguém com muita pressa.Meu coração disparou com uma mistura de
O silêncio na sala pesava como uma sentença. Eu podia ouvir minha própria respiração, rápida e descompassada, enquanto os olhos frios de Dante Vasquez me avaliavam. Cada segundo que passava me fazia sentir mais presa, mais vulnerável, mas eu sabia que demonstrar medo seria o pior erro que poderia cometer.Ele se inclinou ligeiramente para frente, descansando os cotovelos sobre os joelhos e entrelaçando os dedos. Era uma pose casual, mas carregada de poder. Um sorriso torto se formou em seus lábios, e não havia nada de conforto nele.— Você diz que pode ser mais útil viva do que morta. — Sua voz era baixa, mas cortante. — Explique-se, Clara.Engoli em seco. Minhas mãos tremiam levemente, mas mantive a postura o mais firme possível. Eu não podia hesitar. Meu cérebro trabalhava em alta velocidade, buscando qualquer argumento que pudesse convencê-lo a não me descartar como um problema descartável.— Eu trabalho em um supermercado. Eu vejo rostos todos os dias, pessoas que entram e saem, q
O silêncio dentro do carro era esmagador. Lorenzo dirigia com o olhar fixo na estrada, sua expressão ilegível. Eu, por outro lado, tentava controlar a respiração. Meu coração ainda pulsava freneticamente depois do que acabara de acontecer. Eu tinha cruzado uma linha, uma que jamais poderia desfazer. Agora, eu fazia parte daquilo.Meu olhar se desviou para fora da janela, observando as luzes da cidade passando rapidamente. O mundo lá fora parecia normal, como se nada tivesse mudado, mas para mim, tudo estava diferente. Eu não era mais apenas Clara, a caixa de supermercado que levava uma vida pacata. Eu era alguém que havia acabado de fazer um favor para um mafioso.— Você fez direitinho. — A voz de Lorenzo quebrou o silêncio, me trazendo de volta à realidade.Virei-me para ele, hesitante.— É sério?Ele soltou um riso baixo, mas sem humor.— Pelo menos não nos colocou em apuros. Isso já é alguma coisa. Mas não se engane, Clara. Você ainda tem muito o que provar.Assenti, mesmo sem sabe