Sem Retorno

O sol invadia o quarto pelas frestas das cortinas, projetando sombras suaves no lençol bagunçado. Meu corpo estava pesado, e minha cabeça latejava levemente, como se eu tivesse passado por uma tempestade e só agora estivesse emergindo para a superfície. Piscando algumas vezes, tentei me situar. O cheiro amadeirado impregnado no travesseiro e a firmeza do colchão eram evidências de que eu não estava em casa.

A lembrança veio em ondas: Dante, o quarto, a exaustão me arrastando para um sono inevitável. Meu coração bateu mais forte por um instante, um medo irracional de que algo tivesse acontecido. Mas, ao me mexer, percebi que minha roupa estava exatamente como antes. Um suspiro escapou dos meus lábios. Dante havia sido respeitoso.

Passei a mão no rosto e me sentei devagar, sentindo o ambiente silencioso ao meu redor. A casa de Dante parecia um outro mundo, afastado da realidade que eu conhecia. Me levantei e ajeitei minhas roupas, sentindo um leve frio ao tocar o chão de madeira com os pés descalços.

Aos poucos, sons vinham do outro lado do corredor – um tilintar de porcelana, o murmúrio abafado de algo sendo mexido. Segui o cheiro de café, deixando minha curiosidade me guiar até a cozinha.

Dante estava lá.

Ele estava encostado casualmente no balcão, uma xícara de café entre as mãos. Sua postura era relaxada, como se estivesse completamente à vontade. Mas havia algo nos olhos dele que me fez hesitar por um segundo. Não era apenas tranquilidade. Era algo mais profundo, uma faísca de posse, como se eu já pertencesse a esse mundo, e ele soubesse disso antes mesmo de mim.

— Dormiu bem? — Sua voz cortou o silêncio com uma rouquidão matinal que me causou um arrepio involuntário.

Eu assenti, tentando decifrar aquele meio sorriso que brincava nos lábios dele.

— O que aconteceu depois que eu apaguei? — perguntei, cruzando os braços.

Dante arqueou uma sobrancelha, observando-me com algo parecido com diversão.

— Você apagou de exaustão. Eu só te levei para a cama. Nada além disso.

Ele tomou um gole do café antes de continuar:

— Acha que eu me aproveitaria de uma mulher desacordada?

A forma como ele disse isso, sem desviar o olhar, fez meu rosto esquentar.

— Não sei — murmurei, pegando uma das xícaras sobre o balcão. — Você gosta de brincar com limites.

Ele riu, um som baixo e rouco que ressoou dentro de mim.

— Eu gosto de testar limites, Clara. Mas não sou um monstro.

Havia algo na forma como ele disse meu nome que me deixou inquieta. Não era apenas uma resposta casual. Era um lembrete de que ele queria me conhecer, me provocar, me levar a questionar as coisas.

Mesmo sem nada físico acontecendo entre nós, a tensão no ar era palpável. Como se estivéssemos à beira de um precipício, ambos cientes do que havia ali, mas sem dar o primeiro passo para cair.

Suspirei, tentando ignorar o efeito que ele tinha sobre mim.

— Preciso ir para casa — falei, mudando de assunto.

Dante não respondeu imediatamente. Em vez disso, ele observou meu rosto com atenção, como se analisasse cada detalhe da minha expressão.

— Clara, você sabe que sua casa já não é segura, não sabe?

Minha mão parou no meio do caminho antes de levar a xícara à boca.

— O que quer dizer com isso?

Ele suspirou, colocando sua xícara sobre a mesa e cruzando os braços.

— Você já passou do ponto de retorno. Agora que está envolvida, existem pessoas que vão querer usá-la contra mim. Sua casa, sua rotina... tudo isso já está comprometido.

Um arrepio percorreu minha espinha. Eu sabia que estava em perigo, mas ouvir isso de Dante tornava tudo ainda mais real.

— Então, o que você sugere? Que eu fique aqui? — perguntei, desafiadora.

Ele sorriu, mas seu olhar permaneceu sério.

— Exatamente. Pelo menos por enquanto.

Eu deveria negar. Eu deveria sair dali e tentar retomar alguma normalidade. Mas a verdade era que normalidade já não existia mais. Minha vida havia mudado, e Dante fazia parte dela, quer eu quisesse ou não.

A ideia de ficar me fazia sentir presa, como se estivesse sendo arrastada para algo que eu não entendia completamente. Mas, ao mesmo tempo, havia um fascínio nisso. Dante exercia uma atração que ia além do perigo.

Ele percebeu minha hesitação e se aproximou, parando a poucos centímetros de mim.

— Eu prometo que não deixarei nada acontecer com você — sua voz saiu mais baixa, quase um sussurro. — Mas você precisa confiar em mim.

Meus olhos encontraram os dele. Não sabia se confiava. Não sabia se queria confiar.

Mas o pior era que, uma parte de mim já estava fazendo isso.

— Certo — respondi, por fim. — Mas isso não significa que eu vou me tornar parte do seu jogo, Dante.

Ele sorriu de lado, como se não acreditasse nas minhas palavras.

— Veremos, Clara. Veremos.

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