Ficar.
A palavra ficou pairando no ar entre nós, carregada de significados não ditos.
Dante me observava como um predador paciente, esperando minha reação, testando se eu recuaria ou se aceitaria sua oferta velada. Eu sabia que, se dissesse sim, cruzaria mais uma linha invisível. Não era apenas sobre permanecer fisicamente naquele lugar; era sobre ceder a algo que crescia entre nós e que eu não podia mais ignorar.
Mas eu não podia demonstrar hesitação.
— Só minha presença? — perguntei, mantendo meu tom neutro.
Dante sorriu, aquele sorriso que me irritava tanto quanto me atraía.
— Por enquanto.
Aquelas duas palavras me fizeram prender a respiração. Meu corpo reagiu antes mesmo da minha mente processar. Um arrepio subiu pela minha espinha, e eu engoli em seco, tentando ignorar a forma como ele parecia se divertir com a minha reação.
— Certo — murmurei, cruzando os braços, tentando esconder o nervosismo. — Mas não espere que eu durma no sofá.
Ele soltou uma risada baixa e balançou a cabeça, pegando seu copo de uísque novamente.
— Você se acostuma rápido demais, Clara. Isso pode ser perigoso.
Ele estava certo. Mas o que era mais perigoso: ficar ou tentar ir embora?
Eu não sabia mais.
**
O quarto de Dante era exatamente como eu imaginava: imponente, escuro e com um cheiro inconfundível de madeira e uísque. Tudo ali era grande, luxuoso, frio. Eu me sentia deslocada no meio daquele ambiente, mas não deixei que isso transparecesse.
Dante tirou o paletó e o jogou sobre uma cadeira, depois começou a desabotoar os punhos da camisa. Meus olhos seguiram seus movimentos sem que eu percebesse, e quando notei o que estava fazendo, desviei o olhar rapidamente.
— Relaxe, Clara — ele disse, notando meu desconforto. — Não estou te pedindo nada.
Ele estava se divertindo às minhas custas, e isso me irritava.
— Eu estou relaxada.
— Está? — Ele arqueou a sobrancelha.
Eu não respondi. Em vez disso, me sentei na poltrona ao lado da janela, cruzando as pernas e olhando para a cidade lá fora. O silêncio entre nós se prolongou, mas não era desconfortável. Pelo contrário, parecia carregado de uma tensão invisível.
Dante sentou-se na beira da cama e me observou.
— Você me intriga, sabia?
— Você já disse isso antes.
— E continuo sem respostas.
Virei o rosto para encará-lo.
— Respostas para o quê?
Dante inclinou a cabeça levemente, como se tentasse me decifrar.
— Por que você não foge?
A pergunta me pegou de surpresa.
Ele a fazia com uma seriedade que eu não esperava. Não era um teste, não era um jogo. Ele realmente queria saber.
— E por que você ainda me mantém aqui? — retruquei.
Dante riu baixo, balançando a cabeça.
— Tocada, Clara. Mas eu perguntei primeiro.
Respirei fundo, desviando o olhar para a cidade iluminada lá fora.
— Acho que... eu já cruzei tantas linhas que voltar atrás não parece uma opção.
— Hm. — Ele bebeu mais um gole de uísque, pensativo. — Então você já se conformou com isso?
Eu o encarei novamente.
— E você? O que você quer de mim, Dante?
A pergunta o fez sorrir de lado, mas seus olhos estavam intensos, perigosos.
— Você quer a resposta honesta ou a que te deixaria dormir melhor esta noite?
Um arrepio percorreu minha pele.
— A resposta honesta.
Dante se levantou devagar e caminhou até mim. Cada passo seu fazia meu coração acelerar um pouco mais. Ele parou ao meu lado, apoiando as mãos no encosto da poltrona, me cercando sem tocar em mim.
— Eu quero entender por que diabos não consigo tirar você da minha cabeça — ele murmurou, sua voz baixa e grave, perto demais. — Eu quero saber por que, entre tantas coisas que eu poderia estar focado, é em você que eu penso.
Minha respiração ficou presa na garganta.
Ele estava me envolvendo, me puxando para o abismo junto com ele, e o pior era que eu não queria escapar.
Dante inclinou-se ainda mais, até que nossos rostos estivessem próximos o suficiente para que eu sentisse sua respiração quente contra minha pele.
— E o que você quer, Clara?
Minha mente gritava para que eu me afastasse, para que colocasse uma barreira entre nós antes que fosse tarde demais. Mas meu corpo... meu corpo queria se inclinar para frente, queria sentir o que viria depois.
Me obriguei a recuperar o controle.
Inclinei a cabeça para o lado, escapando sutilmente da proximidade dele.
— Boa noite, Dante.
Seus olhos brilharam com algo que parecia... divertimento. Ele se afastou devagar, um sorriso surgindo nos lábios.
— Boa noite, Clara.
E foi só quando ele se afastou completamente que eu percebi que estava prendendo a respiração.
**
Naquela noite, não dormi.
Cada vez que fechava os olhos, sentia a presença dele. O cheiro dele, a voz dele, a forma como seus olhos me analisavam.
Eu não sabia mais se estava brincando com fogo ou se já estava queimada por inteiro.
E o pior era que, no fundo, uma parte de mim gostava disso.
O sol invadia o quarto pelas frestas das cortinas, projetando sombras suaves no lençol bagunçado. Meu corpo estava pesado, e minha cabeça latejava levemente, como se eu tivesse passado por uma tempestade e só agora estivesse emergindo para a superfície. Piscando algumas vezes, tentei me situar. O cheiro amadeirado impregnado no travesseiro e a firmeza do colchão eram evidências de que eu não estava em casa.A lembrança veio em ondas: Dante, o quarto, a exaustão me arrastando para um sono inevitável. Meu coração bateu mais forte por um instante, um medo irracional de que algo tivesse acontecido. Mas, ao me mexer, percebi que minha roupa estava exatamente como antes. Um suspiro escapou dos meus lábios. Dante havia sido respeitoso.Passei a mão no rosto e me sentei devagar, sentindo o ambiente silencioso ao meu redor. A casa de Dante parecia um outro mundo, afastado da realidade que eu conhecia. Me levantei e ajeitei minhas roupas, sentindo um leve frio ao tocar o chão de madeira com os
Minha rotina era simples. Acordar cedo, pegar o mesmo ônibus lotado, sorrir para clientes mal-humorados e repetir o processo no dia seguinte. Eu nunca esperei que minha vida mudasse drasticamente em uma noite qualquer, muito menos que uma simples maleta jogada no lugar errado pudesse virar meu mundo de ponta-cabeça.Era tarde quando saí do supermercado. Meu turno se estendeu por tempo demais, como sempre acontecia quando o gerente resolvia me sobrecarregar. Caminhei para casa com os fones de ouvido e os pensamentos vagando entre o que faria para jantar e o quanto desejava um banho quente. A rua estava deserta, apenas alguns postes piscando intermitentemente iluminavam o caminho. Foi quando tropecei.Olhei para baixo, confusa. Algo duro havia esbarrado no meu pé. A luz fraca revelou uma maleta preta, aparentemente intacta, de couro reluzente. Não havia ninguém por perto. Ela estava ali, como se tivesse sido esquecida por alguém com muita pressa.Meu coração disparou com uma mistura de
O silêncio na sala pesava como uma sentença. Eu podia ouvir minha própria respiração, rápida e descompassada, enquanto os olhos frios de Dante Vasquez me avaliavam. Cada segundo que passava me fazia sentir mais presa, mais vulnerável, mas eu sabia que demonstrar medo seria o pior erro que poderia cometer.Ele se inclinou ligeiramente para frente, descansando os cotovelos sobre os joelhos e entrelaçando os dedos. Era uma pose casual, mas carregada de poder. Um sorriso torto se formou em seus lábios, e não havia nada de conforto nele.— Você diz que pode ser mais útil viva do que morta. — Sua voz era baixa, mas cortante. — Explique-se, Clara.Engoli em seco. Minhas mãos tremiam levemente, mas mantive a postura o mais firme possível. Eu não podia hesitar. Meu cérebro trabalhava em alta velocidade, buscando qualquer argumento que pudesse convencê-lo a não me descartar como um problema descartável.— Eu trabalho em um supermercado. Eu vejo rostos todos os dias, pessoas que entram e saem, q
O silêncio dentro do carro era esmagador. Lorenzo dirigia com o olhar fixo na estrada, sua expressão ilegível. Eu, por outro lado, tentava controlar a respiração. Meu coração ainda pulsava freneticamente depois do que acabara de acontecer. Eu tinha cruzado uma linha, uma que jamais poderia desfazer. Agora, eu fazia parte daquilo.Meu olhar se desviou para fora da janela, observando as luzes da cidade passando rapidamente. O mundo lá fora parecia normal, como se nada tivesse mudado, mas para mim, tudo estava diferente. Eu não era mais apenas Clara, a caixa de supermercado que levava uma vida pacata. Eu era alguém que havia acabado de fazer um favor para um mafioso.— Você fez direitinho. — A voz de Lorenzo quebrou o silêncio, me trazendo de volta à realidade.Virei-me para ele, hesitante.— É sério?Ele soltou um riso baixo, mas sem humor.— Pelo menos não nos colocou em apuros. Isso já é alguma coisa. Mas não se engane, Clara. Você ainda tem muito o que provar.Assenti, mesmo sem sabe
O Jogo de PoderEu não sabia exatamente quando tinha começado a jogar, mas já estava no tabuleiro.Os últimos dias haviam sido um teste atrás do outro. Pequenas missões, favores perigosos e situações onde eu precisava provar minha lealdade. Eu não era ingênua a ponto de achar que Dante me mantinha por perto apenas por simpatia. Havia algo que o intrigava em mim, e eu precisava descobrir se isso jogava a meu favor ou se apenas me tornava um alvo mais fácil.Naquela noite, Lorenzo me buscou para mais um encontro com Dante. Eu já estava começando a reconhecer os padrões. Ele gostava de me observar, testar minhas reações, me puxar para o limite apenas para ver se eu quebrava. Mas eu ainda estava ali. Ainda intacta.— Você está diferente — Lorenzo comentou enquanto dirigia.— Diferente como?Ele me olhou de soslaio.— Antes, parecia assustada. Agora... parece que está aceitando isso.Engoli em seco. Será que estava? Ou será que era apenas uma forma de sobrevivência?O carro parou em frente