A manhã já ia alta quando Tereza saiu da pequena casa onde vivia com a tia e os primos mais novos. O cheiro de fubá e canela ainda impregnava suas mãos, mesmo depois de lavá-las às pressas. Sua cesta estava cheia de quitutes frescos—pães de mel, bolinhos de fubá, cocadas embrulhadas em papel manteiga. Tudo pronto para ser vendido antes do meio-dia. Ela atravessava as ruas de paralelepípedo com passos rápidos, desviando das carroças e dos cavalos que passavam. O centro da cidade era sempre um desafio. Homens engravatados e senhoras de vestidos volumosos a ignoravam ou lhe lançavam olhares de desprezo. Alguns sussurravam entre si, fingindo que ela não podia ouvir. "Esses aí querem mais do que têm direito." "Agora qualquer uma se acha no direito de andar por essas ruas como se fossem damas." Ela continuou andando, acostumada com aquele tipo de comentário. Mas foi obrigada a parar quando uma mulher branca e bem-vestida, acompanhada por outra de mesma estirpe, veio em sua direção.
O coração de Tereza ainda batia forte quando ela virou a esquina, os dedos crispados ao redor da alça da cesta. O cheiro doce dos bolinhos de fubá e dos quindins que restaram lhe subia ao nariz, mas tudo o que ela sentia era um gosto amargo na boca. A audácia daquele homem! Ela não precisava levantar os olhos para saber o que ele era. Um aristocrata. Um dos muitos que passeavam por ali com a arrogância de quem achava que a cidade lhes pertencia. E talvez pertencesse, para gente como ele. Mas para ela, para sua família, para aqueles que lutavam todos os dias para se manter de pé depois da Abolição, a cidade era apenas um campo de batalha onde tinham que lutar por cada migalha. E ele, com sua voz educada e o olhar que demorou um segundo a mais sobre ela — aquele olhar que os homens ricos sempre tinham quando viam uma mulher negra e jovem —, achou que podia simplesmente jogar uma moeda e resolver tudo? Tereza sentiu o estômago revirar. Ela apertou o passo. Os pés descalços to
— Vicente? — Gabriel franziu a testa diante do silêncio prolongado do irmão. — Desde quando você hesita em responder sobre suas obrigações? Vicente inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e entrelaçando os dedos, o cenho ligeiramente franzido. Ele jamais se permitia hesitar, não quando se tratava do futuro da família. Mas, maldito fosse, aquela mulher estava entalada em sua mente como um espinho que ele não conseguia arrancar. — Apenas estou considerando todas as opções. — Ele finalmente respondeu, a voz neutra, porém firme. Álvaro soltou uma risada baixa, balançando a cabeça. — Isso quer dizer que alguma das moças da lista finalmente conseguiu despertar seu interesse? Ou será que… — Ele sorriu com malícia, inclinando-se para frente. — Conheceu alguém que não está nessa bendita lista? Vicente sentiu os músculos enrijecerem, mas antes que pudesse responder, a porta do salão se abriu de supetão, e Amélia entrou com Helena ao lado. O impacto não veio exatam
Os Monteiro de Alcântara não eram apenas uma família — eram uma instituição. Dos salões elegantes do Rio de Janeiro aos campos dourados das fazendas de café no Vale do Paraíba, o nome Monteiro de Alcântara inspirava respeito, temor e, em muitos casos, inveja. Donos de vastas terras, aliados a políticos influentes e com raízes profundas no ciclo do café, a fortuna da família não era apenas antiga — era quase indestrutível. Joaquim Monteiro de Alcântara, o patriarca, fizera questão de reforçar isso em cada aspecto de sua vida. Rígido, inabalável e com uma visão clara do dever, ele carregava nas costas o peso do nome que herdara e que, um dia, passaria para seu primogênito. Não havia espaço para fraquezas, e certamente não havia espaço para escândalos. Era por isso que, naquela tarde abafada de janeiro, a Fazenda Boa Esperança estava em alvoroço. O salão principal, com suas paredes adornadas por tapeçarias europeias, ecoava com o som abafado de criados em movimento, preparando-se p
O calor da tarde repousava sobre a Fazenda Boa Esperança como um véu denso, tornando o ar preguiçoso e morno, mesmo com as janelas escancaradas da casa grande. Lá fora, os vastos cafezais se estendiam como um manto verde, ondulando sob a luz dourada do sol. Era uma paisagem bonita, quase poética, mas para Cecília Monteiro de Alcântara, tudo parecia opaco diante do que se aproximava: o dia em que conheceria o homem escolhido por seu pai para ser seu futuro marido. Sentada diante da penteadeira, ela observava seu reflexo no espelho antigo, enquanto as criadas ajeitavam cuidadosamente o vestido lavanda e os cachos castanhos que emolduravam seu rosto. A maquiagem era discreta, mas realçava sua beleza serena. Por fora, tudo nela era impecável. Por dentro, no entanto, o coração batia em um compasso acelerado, dominado por uma ansiedade silenciosa. — Está linda, senhorita Cecília — disse uma das criadas, ajeitando um fio solto atrás da orelha dela. Cecília sorriu com delicadeza, mas a e
O sol quente e intenso espalhava seus tons dourados sobre a Fazenda Boa Esperança, iluminando os vastos cafezais que se estendiam até onde a vista alcançava. Cecília caminhava lentamente pelo jardim, com o braço delicadamente entrelaçado ao de Eduardo Vieira de Sá. Era um momento cuidadosamente arquitetado por sua mãe, Constança, que acreditava que a proximidade traria um laço mais firme entre eles. E Cecília, como a boa filha que sempre fora, estava disposta a tentar. — A fazenda de sua família é realmente impressionante — comentou Eduardo, sua voz firme e controlada. — Meu pai sempre falou com admiração do seu patriarca. Cecília sorriu de maneira polida. Eduardo era um homem atraente, com traços bem definidos e modos irrepreensíveis. Havia algo reconfortante em sua presença, uma estabilidade que qualquer jovem em idade de casamento deveria desejar. — Meu pai é um homem de princípios — disse ela, ajustando a saia do vestido, cujos detalhes delicados ressaltavam sua feminilidade. —
Após o longo e cerimonioso almoço, a família Monteiro de Alcântara se reuniu no pátio coberto para a despedida dos irmãos Vieira de Sá. Sorrisos cordiais e despedidas educadas mascaravam a tensão no ar — ao menos para Cecília. Ela apertava as mãos uma contra a outra, tentando manter a compostura diante da presença dos dois irmãos, mas seu olhar insistia em recair sobre o mais novo. — Foi um prazer recebê-los — disse Constança, com elegância e aquele olhar clínico que analisava cada detalhe. Seus olhos pousaram demoradamente em Eduardo, aprovando sua postura irrepreensível. — Esperamos vê-los novamente em breve. — O prazer foi nosso, senhora Monteiro de Alcântara — respondeu Eduardo, com uma leve curvatura de cabeça, a voz firme, respeitosa. Ao lado dele, Maximiliano permaneceu em silêncio, o corpo relaxado e a expressão divertida. Seus olhos, no entanto, procuravam discretamente por Cecília. Era quase imperceptível, não fosse o fato de ela sentir cada olhar como um toque não autoriz
Os dias que se seguiram à visita dos Vieira de Sá trouxeram a Cecília Monteiro de Alcântara uma inquietação difícil de silenciar. Embora tentasse dedicar-se às obrigações domésticas e aos preparativos para o noivado, sua mente voltava sempre àquele encontro — e, sobretudo, aos dois irmãos que haviam cruzado seu caminho de forma tão distinta. Eduardo era, sem dúvida, o noivo ideal. Educado, gentil, passou a enviar-lhe cartas formais, com palavras escolhidas com cuidado. Cecília respondia com igual cortesia, ainda que percebesse nelas uma ausência sutil — como se tudo fosse correto demais, previsível demais. Maximiliano, em contraste, lhe despertava sentimentos que preferia não nomear. Havia nele algo indomável, quase impróprio. Pensar em seu sorriso arrogante era um pecado silencioso que a acompanhava mesmo nas missas de domingo. E havia a flor. Simples, colhida sabe-se lá onde, entregue com um sorriso travesso e sem explicações durante a breve despedida. Cecília guardara-a entre as