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Capítulo 2 - Cidade Ideal

"Daria tudo o que sei pela metade que ignoro."

- René Descartes 

Dentre todas as cidades da Europa, La Scarzuola se destaca pelo misticismo que a cerca. A história diz que foi nesse lugar onde São Francisco de Assis cansado das suas peregrinações, fez uma cabana com, o que diz a lenda, viria a ser uma planta misteriosa. A partir do século XIII, foi criado um convento onde os monges Franciscanos residiram por um bom tempo, até meados do século XIX, quando tudo o que resultou foram um monte de ruínas. O local permaneceu abandonando até o ano de 1957, quando o arquiteto milanês Tomaso Buzzi reconstruiu o lugar a partir das ruínas do convento, intitulando a sua obra prima de " Cidade Ideal."

O táxi parou em frente aos portões de La Scarzuola. Uma garoa fina caia sobre a relva verde. Irene pagou o taxista e se dirigiu a entrada. Ao olhar para aqueles portões lembrou -se de quando, anos atrás, esteve em uma visita ali com Alexia. Lembrou -se dos turistas vindos de várias nações olharem com interesse para o guia, que apontava para os edifícios e gesticulava freneticamente explicando o que cada coisa representava. -" Ali está a torre de babel, símbolo da vaidade"- dizia. 

-" Aqui está a estátua da grande mãe, com seus seios expostos, simbolizando a luxúria-" explicava. A torre do tempo, a casa dos espelhos. Tudo ali girava em torno de uma aurea de mistério. -" Aqui o bem e o mal se encontram. La Scarzuola, a cidade ideal. A cidade mística que emerge no meio do catolicismo romano."- falou o guia, e nisso Irene tinha prestado muita atenção.

Agora tudo não passava de lembranças. Alexia não estava mais ali e isso lhe doía na alma. Mas isso iria mudar. No fundo ela ansiava para que isso fosse mudar. 

Entrou. Curiosamente o portão estava destrancando e não havia sinal de guarda algum no estabelecimento. Com passos lentos, Irene dirigiu -se para o centro do estabelecimento, ficando de frente para os dois palcos em formato de sol e lua que tinha visto naquilo que ela pode definir como um sonho, ainda que não estivesse bem certa se seria isso mesmo. Os cabelos loiros balançaram com o vento que soprava, os olhos verdes fixos no exato lugar aonde a fenda surgiu e a voz de Alexia emergiu do nada. 

Nada. Foi exatamente isso que Irene teve no primeiro momento.

Nada de fenda, nada de voz, nada de Alexia. As lágrimas começaram a brotar nos olhos de Irene. A expectativa criada em cima daquilo que ela achava que vira no leito do hospital a fez tornar-se cega para a realidade que a cercava, pensou. Alexia se foi, nunca mais iria voltar. Esse era o preço de quem vive no passado, ter de sangrar no presente.

Ajoelhou-se diante dos palcos, desabando na sua angústia. Horas se passaram. Horas em que Irene se lembrou do caminho doloroso que a levou até ali. Os primeiros sintomas de Alexia, a descoberta do câncer no cérebro, a luta nas quimioterapias, a partida inesperada, o caixão no túmulo. As horas passaram. E no crepúsculo do dia, quando a escuridão já inundava o céu anunciando a noite, algo começou a surgir diante de uma Irene arrasada. Uma luz diagonal como uma espécie de fenda se abriu, uma voz ao longe começou a falar chegando cada vez mais perto mas sem transpor a fenda. Irene arregalou os olhos e se colocou de pé imediatamente, o coração batendo em disparada. A voz de Alexia bradou:-" Está na hora mamãe, venha me encontrar." 

Irene não pensou,agiu. Não há lugar para a razão quando o sentimento atinge seu grau máximo. Num ímpeto, Irene se jogou na fenda. O que viu do outro lado a deixou chocada.

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