" O que conhecemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano."
- Issac Newton
A lua começava a emergir por entre as altas montanhas quando tudo aconteceu. Gubbio era uma das muitas comunas italianas, localizada na região da Umbria, esta que era conhecida como "coração verde" pelas suas vastas florestas e verde abundante. Gubbio tinha um pouco mais de 30.000 habitantes e era cercada por montes alpinos e densas florestas que, ao lado da arquitetura medieval do lugar, sinalizava um passado de vitórias e fracassos.
Dentro do carro, Irene ainda se lembrava das vezes que percorria aquelas ruas sinuosas com Alexia ao seu lado. A lembrança da filha era um misto de tristeza e alegria. Tristeza por saber que Alexia nunca mais estaria ao seu lado; alegria, por ter as lembranças como porta retratos ilustrando os melhores momentos da filha ao lado dela, tudo arquivado para sempre em sua memória. A filha morrera prematuramente aos 15 anos de idade, vítima de câncer. Irene nunca conseguiu compreender. -" Os pais devem ir primeiro que os filhos, isso é a ordem natural."- dizia.
Tudo aconteceu muito rápido. Um clarão e, de repente, tudo começou a girar, terminando em uma completa escuridão. Em menos de meia hora a polícia já estava cercando o local, o carro completamente destruído sendo puxado pelo guincho, a ambulância com sirenes ligadas serpenteando pelas ruas em direção ao hospital.
- Senhor Louis, as notícias não são muito boas- disse o médico.
- Mas doutor, o que exatamente tem a minha esposa?- Disse Louis, um homem alto, com cabelos pretos penteados para trás, com traços que revelava um homem de aproximadamente 40 anos.
- Bem, o carro dela capotou três vezes antes de bater no acostamento e despencar por aproximadamente cinco metros. Só o fato de ela ainda estar respirando já é um milagre. Por hora, é esperar para saber qual será o diagnóstico.
A mente de Louis era um turbilhão. Primeiro a filha. Agora a mulher. Pensamentos obscuros rondavam a sua mente enquanto sentado em um banco frio no corredor, roía as unhas.
-" Maldição de família, só pode. Ou castigo de Deus pelos meus pecados."- pensava. Não conseguia compreender como um mero mortal poderia sofrer tanto em um espaço tão curto de tempo. -" Ela vai sair logo dessa"- pensou consigo.
Passaram dez dias. Dez longos dias de coma. Dez dias para Louis, porque para Irene pareceu um minuto. Primeiro tudo girou,depois a escuridão. De repente um clarão emergiu das trevas iluminando tudo ao seu redor. Então Irene viu. Viu como que um grande teatro cercado por muros que tinham desenhos muito estranhos na sua opinião. Um pouco mais acima, um prédio que lembrava os antigos conventos da idade média. A sua esquerda havia como que uma espécie de palco como o símbolo de sol; e a sua direita, um palco idêntico com o símbolo da lua. Irene tinha a impressão que já havia estado naquele lugar antes.
-" Só posso estar sonhando, ou morta- pensou consigo, olhando tudo ao seu redor. -" Estava dentro do carro a poucos minutos de casa, e agora estou aqui."
Irene estava completamente confusa.
Foi quando algo aconteceu. Um feixe de luz surgiu entre os dois palcos. Algo que lembrava uma fenda aberta na rocha. De dentro da fenda uma voz falou em alto e bom som:
-" Mamãe é você?"
Irene não conseguiu acreditar no que ouvia. Era a voz de Alexia!
- " Filha sou eu sim, sua mãe!"- exclamou Irene em um misto de emoções que não sabia explicar.
-" Estou.... morta?"
- " Não Mamãe"- respondeu a voz da fenda. -" Você está em coma, por isso estou falando com você. Preciso da sua ajuda."
-" Pode falar filha, estou aqui."
-" Agora estou dentro da sua mente, porém esse lugar é real e a fenda também. Daqui a alguns minutos você vai acordar. Preciso que venha até aqui e Passe pela fenda, pois estou do outro lado e preciso de você.
Irene tentou assimilar da melhor forma possível tudo aquilo que vira e ouvira até ali, mas sem recear respondeu:
-" Tudo por você Alexia, eu vou..."
-" Eu sempre soube que poderia contar com você mamãe"- respondeu a menina. -" Só terei de lhe pedir uma coisa. Quando acordar não fale sobre isso com ninguém, pois terá que vir sozinha até aqui. Será nosso segredo."
-" Tudo bem filha, só você e eu. Estou pronta." - Respondeu Irene com lágrimas nos olhos.
Tudo se esvaiu. As colunas, as gravuras, o covento, os palcos, a fenda, a voz. Tudo desapareceu como fumaça. Irene abriu os olhos para ver um Louis em lágrimas a beijar-lhe a face.
- Você está de volta! Você está de volta! - Disse Louis aos berros.
Irene sentou -se na cama, a cabeça latejando.
-O que aconteceu? Quanto tempo estou aqui?
- Calma querida, você sofreu um acidente enquanto voltava para casa, ficou dez dias em coma. Mas agora está tudo bem, o pior já passou.
Irene se sentiu confusa, mas nada falou. Para ela foi como se tivesse passado minutos. E aquele sonho. Será que foi somente sonho?
Os dias passaram depressa. Já em casa, e podendo andar, Irene lembrou -se do sonho. " preciso de você" dizia a filha. Foi para o computador. Pesquisou lugares e lugares, achando rapidamente o que queria. A cidade misteriosa. Os palcos lado a lado. O antigo convento. Não restava dúvidas: a cidade misteriosa não era tão misteriosa assim. Era nada mais nada menos que La Scarzuola, ponto turístico da região que ficava a alguns quilômetros de Gubbio.
Irene não hesitou. Pegou a bolsa, e chamando um táxi, saiu em disparada. Louis que estava no gramado em frente da casa aparando a grama, exclamou: "- Ei amor, aonde você pensa que vai?".
- Preciso tomar um pouco de ar, esses dias em casa tem sido um tédio.- mentiu.
- Mas porque o táxi? Deixa que eu te levo. - Respondeu Louis.
- Muito obrigada meu amor, mas preciso de um tempo sozinha para assimilar tudo o que aconteceu nesses dias, se é que me entende- respondeu Irene.
- Tudo bem,claro. Mas qualquer coisa me liga, você não está cem por cento ainda- disse Louis com olhar preocupado.
- Pode deixar, ligo sim.
O táxi dobrou a rua em direção a rodovia A1. Enquanto o carro andava os pensamentos de Irene corriam. "Preciso de você " lembrava. O olhar se perdeu na rua silênciosa. Lá dentro, o coração dizia:" Estou indo, Alexia...".
"Daria tudo o que sei pela metade que ignoro."- René DescartesDentre todas as cidades da Europa, La Scarzuola se destaca pelo misticismo que a cerca. A história diz que foi nesse lugar onde São Francisco de Assis cansado das suas peregrinações, fez uma cabana com, o que diz a lenda, viria a ser uma planta misteriosa. A partir do século XIII, foi criado um convento onde os monges Franciscanos residiram por um bom tempo, até meados do século XIX, quando tudo o que resultou foram um monte de ruínas. O local permaneceu abandonando até o ano de 1957, quando o arquiteto milanês Tomaso Buzzi reconstruiu o lugar a partir das ruínas do convento, intitulando a sua obra prima de " Cidade Ideal."O táxi parou
"Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha de volta para você."-Friedrich NietzscheJá eram quase sete horas da noite quando Lucca saiu pela porta do bar café Dragoni Rosella. O estabelecimento era um dos locais mais movimentados da Piazza Dei Quaranta Martiri, uma das principais praças de Gubbio.Lá fora o céu escuro deixava a cidade um pouco mais melancólica do que realmente era. A garoa caía fina. Lucca começou a andar pela praça, contemplando a paisagem que já conhecia muito bem.Gubbio. A cidade que unia modernidade com antiguidade, uma cidade medieval plantada no coração da Europa em pleno século XX
"A maioria das pessoas está tão absorta na contemplação do mundo exterior que está totalmente alheia ao que está acontecendo dentro de si".-Nikola TeslaJá fazia quase cinco horas que Irene estava fora de casa. Em condições normais isso não seria nada alarmante, uma vez que Irene sendo professora universitária, ficava até tarde na Universidade, corrigindo trabalhos e revisando provas.Mas agora era diferente. Irene tinha recém se reabilitado do acidente que, dias atrás, a deixou entre a vida e a morte. Louis mesmo não sendo um grande observador, percebeu que Irene já não era mais a mesma . Algo naquele hospital havia mexido com ela, algo que Louis não sabia explicar no
"Não há nada que faça um homem suspeitar tanto como o fato de saber pouco."-Francis Bacon-ALEXIA!Essa foi a primeira palavra que saiu da boca de Irene ao transpor a fenda. Diante dela estava a filha amada que há aproximadamente dois anos, tinha partido deixando seu coração aos pedaços. Irene acariciava os cabelos loiros de Alexia, a mão a tocar o seu rosto tão claro e sereno.- Sim, sou eu mamãe, sua menina! - Disse Alexia, pegando carinhosamente nos ombros da mãe.- Mas como é possível? E que lugar é esse?Somente ago
"Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão."- ConfúcioJá passava das dez horas da manhã quando Irene abriu os olhos, despertando do sono. Ficou imóvel por alguns segundos com medo de que tudo aquilo que vivera até aquele momento não tivesse passado de um sonho e ela estivesse no hospital ainda. Olhou para o teto. Definitivamente não estava no hospital. O teto era escuro e de pedra, muito diferente do teto branco e de gesso do hospital de Gubbio. Levantou-se. O quarto frio e escuro era iluminado por apenas uma vela que emanava uma luz fraca. Da porta vinha um cheiro de incenso e ervas aromáticas, que disfarçava um pouco o cheiro de mofo que reinava no lugar .Irene dirigiu -se à sala redo
"Vá tão longe quanto você possa ver, e quando você chegar lá você verá mais longe."- Orison Swett MardenO prédio onde Lucca morava ficava a poucos quarteirões da Taverna do Lobo, em uma das muitas vielas da cidade. Lucca girou a chave e entrou na sala com um Louis extremamente ansioso atrás de si.- Fique à vontade. A minha casa não é tão chique como a sua deve ser, mas dá pro gasto, pelo menos pra mim.- Disse Lucca.- Deixa de cerimônia garoto, se soubesse da minha origem não iria se preocupar com isso.- Disse Louis olhando para as pinturas ao seu redor.
" A voz do inconsciente é sutil, mas ela não descansa até ser ouvida."- Sigmund Freud- Como assim, " preparado para morrer?!"Lucca olhou para Eric sem acreditar no que estava ouvindo. O irmão sempre fora do tipo " o fim justificam os meios", mas agora parecia estar fora daquilo que Lucca entendia como aceitável.Eric, assumindo um tom mais sério começou a falar:- Não é bem morrer...só vamos te colocar em coma induzido. Você mesmo disse que o êxtase é o que te faz ter esses flashes... Só que você não faz isso de forma controlada, você simplesm
"Todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é."- MaquiavelA lua azulada despontava no horizonte em meio aos altos pinheiros que se erguiam ao longe. O silêncio da noite era cortado apenas pelo som dos cascos dos cavalos que levavam o pequeno grupo liderado por Alexia. A tensão era visível no rosto de cada um. De quando em quando alguém soltava uma palavra que era rapidamente respondida fazendo com que a quietude reinasse sobre eles novamente. Agarrada na cintura de Ícaro, Irene pensava. Como sua vida tinha virado de cabeça para baixo em dois anos! Uma mulher que já estava acostumada à mesmice da sala de aula, agora estava vivendo algo tão surreal que parecia estar atuando em um filme de Hollywood.Último capítulo