"Vá tão longe quanto você possa ver, e quando você chegar lá você verá mais longe."
- Orison Swett Marden
O prédio onde Lucca morava ficava a poucos quarteirões da Taverna do Lobo, em uma das muitas vielas da cidade. Lucca girou a chave e entrou na sala com um Louis extremamente ansioso atrás de si.
- Fique à vontade. A minha casa não é tão chique como a sua deve ser, mas dá pro gasto, pelo menos pra mim.- Disse Lucca.
- Deixa de cerimônia garoto, se soubesse da minha origem não iria se preocupar com isso.- Disse Louis olhando para as pinturas ao seu redor.
Ao se aproximar da mesa de centro, Louis não pôde deixar de perceber a seringa que estava ali jogada. Sabia muito bem do que se tratava, mas não fez nenhum tipo de comentário. Pelo contrário, fingiu que não tinha percebido pois viu a expressão sem graça e ao mesmo tempo nervosa no rosto de Lucca.
- Muito interessante suas pinturas. - Disse Louis- La Scarzuola, é isso? Já ouvi falar....
- É.... é um lugar bem interessante...- Disse Lucca olhando para os quadros.
- Mas então garoto... indo direto ao ponto... Que informações você tem da minha mulher?
Lucca saiu da sala indo em direção ao quarto. Voltou segundos depois trazendo um quadro em suas mãos.
Quando Louis colocou os olhos no quadro, não acreditou no que estava vendo. Era Irene ! E não somente Irene como sua filha Alexia que estava ao lado da mãe.
O que aconteceu a seguir pegou Lucca de surpresa. Louis se dirigiu a ele, e pegando-o pelo pescoço, o prensou contra a parede.
- O que você está fazendo seu retardado???- falou Lucca ofegando.
- Cale a boca seu drogado de merda ! Me diga....como conhece minha mulher? E minha filha? Você é um sequestrador? Pra quem você trabalha?
- Vai se ferrar seu trouxa, não conheço ninguém, muito menos sou um sequestrador ! Me solta!
- Eu vou perguntar mais uma vez, se não me responder eu te mato aqui! Como você conhece a minha mulher e a minha filha se nunca as viu? RESPONDA!!!!
-Porque ele é um atalaia.....- Disse uma voz vinda da porta de entrada.
Tanto Louis como Lucca viraram os olhos em direção à porta. Diante deles estava um homem de aproximadamente 32 anos, vestindo um terno finíssimo preto, chapéu na cabeça e um cavanhaque característico. Louis olhou para o homem e indagou:
- Quem é você? O que você quer ?
- Meu nome é Eric Pellegrini,irmão desse idiota aí.- respondeu o homem com um sorriso torto, apontando para Lucca.
- Não estou interessado em reuniões de família agora cara, então não se meta, ou sobra para você também.- falou Louis,completamente fora de si.
- Uau! Quanta valentia... Já me impressionou com essa demonstração gratuita de testosterona, agora, deixa de ser babaca e vamos conversar como homens civilizados, senhor Louis. Não me leve a mal...eu adoraria ver meu irmãozinho levar uma surra, mas no momento estou com um pouco de pressa, então se puder fazer o favor...- Disse Eric com uma dose grande de sarcasmo nas palavras.
Louis olhou perplexo para a face de Eric,e após alguns segundos, largou Lucca que ficou passando a mão em seu pescoço e olhando com cara feia para os outros dois.
- O que você disse que ele era? - Indagou Louis apontando para Lucca.
- Ele é um atalaia- Disse Eric pela segunda vez.- Nunca ouviu falar?
- Não...- confessou Louis, passando as mãos no cabelo. - O que Diabos viria a ser isso?
- Atalaia era o nome dos vigias dos tempos antigos. Eram homens que tinham a incumbência de ficar no alto das torres de vigia, sempre atentos a qualquer manifestação do lado de fora. Eram os atalaias que viam de longe a chegada do inimigo, e avisava o povo para se preparar para a batalha. Hoje, esse título é dado a todos aqueles que têm a capacidade de ver o lado de lá.- Respondeu Eric.
- Lado de lá??? Como assim, lado de lá?- indagou Louis totalmente perdido.
- É... O lado de lá. Um mundo semelhante a esse só que um pouco diferente...- Disse Eric, tentando ser o mais claro possível.
- Que conversa é essa? Está me enrolando? Está tentando ganhar tempo? É isso?
- Não é nada disso. Vou tentar explicar . A teoria do espelho é bem simples. Quando você olha para um espelho, ele apresenta uma cópia exata do seu rosto que chamamos de reflexo. A pergunta que faço é a seguinte: aquilo que está refletido no espelho é o seu rosto sim ou não?
- Bem, isso é muito complexo- começou Louis.- Pode tanto ser como não ser. Por ser idêntico ao meu rosto, posso dizer que sim; mas por ser apenas um reflexo, posso dizer que não. Ou seja, não sei ao certo...
- Exatamente. Por isso estou aqui. Existe um mundo que é reflexo desse. Ainda que não sejam iguais, são idênticos, e isso pode parecer um paradoxo, mas é real. Agora pense... não pode existir reflexo se não houver uma imagem original para refletir. Então de certa forma, um lado é essencial para a existência do outro, ainda que não saibamos qual é o original e qual é o reflexo.
A cabeça de Louis parecia que ia explodir a cada palavra que saía da boca de Eric. Aproveitando a pausa, falou:
- Isso tudo é muito interessante ( e isso falou em tom de deboche) mas onde minha mulher,e agora, minha filha, se encaixam nessa história??
- Parece óbvio,não? - Disse Eric, levantando a sobrancelha. - Sua mulher está do outro lado e sua filha também.
- Não, isso é impossível...minha filha morreu há dois anos, vítima de câncer no cérebro. Como pode ser ela?
- Bom, pelo pouco que sei, se sua filha está realmente morta então aquela do lado da sua mulher deve ser uma duplicata, ou seja, o reflexo da sua filha...
- Não, isso não é real, não pode ser real! - Disse Louis colocando as mãos na cabeça.
- Pode acreditar senhor Louis, é sim. E por incrível que pareça, esse otário que você estava querendo matar até a alguns segundos atrás, pode ser a chave para trazer sua mulher de volta.
Louis olhou espantado para Lucca. Durante o diálogo com Eric tinha se esquecido completamente que Lucca estava presente na sala, de tão absorto em pensamentos e questionamentos que estava. Olhando novamente para Eric, perguntou:
-Mas como assim, chave? Está se referindo a ele ser aquilo que você chama de atalaia?
- Basicamente.- Disse Eric sorrindo.- Se ele tem a capacidade de ver flashes do lado de lá, isso significa que se desacelerarmos um pouco o processo, talvez consigamos entrar em contato com a sua mulher.
Dessa vez foi a vez de Lucca ( que até então estava apenas ouvindo o diálogo dos dois) falar.
- Espera aí... Vocês pensam que eu sou um rato de laboratório para vocês ficarem fazendo os seus experimentos??? Se bem me lembro, a última vez que veio me ver foi a três anos atrás e não ficou nem cinco minutos ...- Disse Lucca olhando para Eric. - E você, até agora pouco estava tentando me sufocar- Disse apontando para Louis. - Por que motivos ajudaria dois babacas igual vocês? Não tenho nada a ver com isso…
O silêncio reinou pela primeira vez no lugar. De fato, Lucca não estava errado. O irmão raramente o procurava, e quando fazia isso, era por algum motivo interesseiro. Louis, nada mais era do que um desconhecido, que o julgou com base nos seus achismos, criando um preconceito ao seu respeito. Lucca só queria que os dois fossem embora, para afundar seu rosto no travesseiro e esquecer do mundo.
Quem quebrou o silêncio foi Eric, que passando a mão no seu cavanhaque, falou:
- Muito bom irmão, você tem toda a razão. Porém, não há espaço para sentimentalismo agora. Há uma mulher desaparecida que somente você pode trazer de volta. Você não é tão frio assim, a ponto de deixar uma vida se perder...
- Se eu não te conhecesse tão bem, até me emocionaria com essa propaganda de amor ao próximo. Você não está interessado em salvar a mulher, está interessado em saber mais sobre o outro lado.- Disse Lucca em tom agressivo.
- CHEGA! - gritou Louis, fazendo com que os dois se calassem. - Resolvam a briga de vocês depois! Eu sei que você não quer ajudar pelo atitude que tomei- Disse para Lucca. - E eu sei que você não se importa com a minha mulher, - falou para Eric.- Mas eu estou nem aí pra isso... Só quero...eu preciso que me ajudem!
A expressão no rosto de Louis revelava o desespero o qual ele se encontrava. Lucca que até então parecia uma pedra de gelo, suspirou fundo e disse:
- Tá bom cara, vou tentar fazer isso. Mas já vou logo avisando que é por causa da mulher que faço isso, não por causa de vocês, imbecis...
-Ok, já entendemos. Agora precisamos saber: como você tem acesso ao outro lado? Tipo, esses quadros... São flashes que você tem do lado de lá,mas quando eles acontecem de fato?- Perguntou Eric.
Lucca corou. Desviando o olhar para a mesa de centro, disse:
- Quando eu injeto altas doses de droga, eu meio que fico em êxtase, então....eu tenho essas visões....
- Interessante.- Disse Eric- então é isso que faz você ter esses flashes do outro mundo.
- Sim,mas é tudo muito rápido e embaralhado. E sempre tem um homem vindo ao meu encontro mas eu volto a si antes mesmo de ele falar comigo.
- Bom, como eu disse, precisamos de algo para desacelerar o processo. Se em um êxtase você tem apenas flashes, precisamos de algo mais forte para desacelerar isso.- Disse Eric pensativo.
- E o que você tem em mente gênio?- Indagou Lucca.
- Maninho, eu tenho uma ideia. Está pronto pra morrer?
" A voz do inconsciente é sutil, mas ela não descansa até ser ouvida."- Sigmund Freud- Como assim, " preparado para morrer?!"Lucca olhou para Eric sem acreditar no que estava ouvindo. O irmão sempre fora do tipo " o fim justificam os meios", mas agora parecia estar fora daquilo que Lucca entendia como aceitável.Eric, assumindo um tom mais sério começou a falar:- Não é bem morrer...só vamos te colocar em coma induzido. Você mesmo disse que o êxtase é o que te faz ter esses flashes... Só que você não faz isso de forma controlada, você simplesm
"Todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é."- MaquiavelA lua azulada despontava no horizonte em meio aos altos pinheiros que se erguiam ao longe. O silêncio da noite era cortado apenas pelo som dos cascos dos cavalos que levavam o pequeno grupo liderado por Alexia. A tensão era visível no rosto de cada um. De quando em quando alguém soltava uma palavra que era rapidamente respondida fazendo com que a quietude reinasse sobre eles novamente. Agarrada na cintura de Ícaro, Irene pensava. Como sua vida tinha virado de cabeça para baixo em dois anos! Uma mulher que já estava acostumada à mesmice da sala de aula, agora estava vivendo algo tão surreal que parecia estar atuando em um filme de Hollywood. "Muitos odeiam a tirania apenas para que possam estabelecer a sua."- Platão- Afaste um pouco as pernas, alinhe o quadril- Assim.- Levante o arco até a altura dos ombros, puxe para trás.- Isso. - Agora esvazie sua mente e foque no alvo. Agora ...Solte!A flecha voa cortando o vento, fazendo seu malabarismo no ar e indo direto ao centro da maçã que está pendurada no pomar.- Muito bem filha, estou orgulhoso... Muito em breve todos da Ordem irão saber quem é Cassandra Pagano!Cassandra sorriu. Às vezes o pai sonhava demais, pensava. Sua família era a mais pobre da vila onde moravam. O pai, sendo carpintCapítulo 10 - Inquisição
"Não há religião mais elevada que a verdade."- Helena Blavatsky- Espada de Mikael? Interessante... - Disse Eric contemplativo.- Aurora, quer dizer, a duplicata dela, disse que a espada estaria cravada em uma rocha em algum lugar na Toscana. Só não disse exatamente aonde. Tem algum palpite? - Disse Lucca vestindo sua camisa.- Por enquanto não, mas é só uma questão de tempo até descobrirmos.- Disse Eric voltando-se para a porta. - Vamos indo. Se Irene está na mão de pessoas erradas não podemos perder tempo. Quero apresentar algumas pessoas para vocês dois.Os três saíram p
" Que é que os homens temem, acima de tudo ? O que for capaz de mudar-lhes os hábitos."- Fiódor DostoiévskiBerlim, inverno de 1989" A Alemanha Oriental está entrando em um colapso econômico de dimensões estratosféricas. Líderes do governo reuniram -se essa tarde para debater o assunto e tomar as devidas providências. Milhares de alemães foram às ruas hoje, em protesto diante da situação alarmante em que o lado Oriental se encontra. A queda do muro de Berlim nunca esteve tão perto como nos dias atuais."Sentado em um bar com uma xícara de café na mão e o jornal sob a mesa, Nicolai lia a notícia estampada em uma
" Quando há uma tormenta, os passarinhos escondem-se, as águias, porém, voam mais alto." - Indira Gandhi -Será que um dia o homem dominará a arte de voar? - Perguntou Ícaro para o pai que estava sentado ao seu lado, às margens do rio Tibre. - Tudo é possível quando se há desejo meu filho. Já percebeu que quando alguém quer muito alguma coisa, faz-se das tripas coração para atingir o objetivo?- disse Giovanni, olhando para Ícaro. - O impossível é mais sobre querer do que poder. Ícaro lançou a linha para o meio do rio. Gostava de pescar com o pai nas horas vagas, ainda que esses momentos fossem extremamente raros. Tanto ele como Giovanni viviam ocupados em seus afazeres cotidianos, mas, sempre que podiam, iam até o Tibre para descansar a mente. O pai não era tão forte como ele era, m
" O homem nasceu livre e por toda a parte vive acorrentado."- Jean Jacques RousseauRoma, verão de 1994- Vamos logo Irene, não tenho o dia todo. - Falou Beatrice para a filha, que estava trancada no quarto.- Só mais um segundo mamãe, estou quase pronta.- Não sei porque você precisa se arrumar tanto para um simples passeio de escola. - Disse a mãe. - Deve ser algum namoradinho.- Eca mãe, que nojo!- Respondeu a filha do outro lado da porta.- Eu nunca vou namorar, muito menos casar.- É normal dizer isso quando se tem dez anos de idade.- falou Beatrice. - Eu também falei isso um dia e olha eu aqui, tendo que esperar a criaturinha que eu gerei se arrumar por ter feito aquilo q
"É mais fácil obter o que se deseja com um sorriso do que à ponta da espada."-William ShakespeareKufstein, Áustria. Janeiro de 2001.-Lucca, você está bem? mamãe.. papai... cadê vocês?Eric levantou-se meio zonzo à procura da sua família. pôs a mão na cabeça que latejava. Quando olhou para a mão novamente, estava cheia de sangue. Caminhando com muita dificuldade, aproximou-se perto dos destroços do avião que incendiava como uma fogueira.Deu a volta pelo outro lado. Em meio aos escombros viu duas figuras lado a lado estiradas no chão. Era Suzana e Roberto, seus pais. agachou-se. Com a respiraç&