O apresentador do noticiário alertava a população para evitar a área do Vale do Eclipse e prevenir mais tragédias.

Joel se endireitou no sofá.

— O Vale do Eclipse foi interditado?!

A mãe franziu o cenho no mesmo instante, como se algo lhe ocorresse.

Já Joel, ao contrário, saltou do sofá e bateu as mãos nas pernas, animado.

— Isso é ótimo! Então a nossa viagem de acampamento foi a última antes do fechamento! Meus amigos vão morrer de inveja, nenhum deles teve essa chance!

A tensão no rosto da mãe diminuiu um pouco.

— Para de fazer esse escândalo. Já escolheu o presente da sua avó?

O pai, que até então também estava sombrio, relaxou um pouco.

— Esse ano, você e a Bete precisam se esforçar pra agradar a sua avó.

Joel bufou, desinteressado.

— Ah, relaxa. Todo ano a Jesiane escolhia o presente pra mim, e a vovó sempre gostava. Não precisa se preocupar.

Dito isso, voltou sua atenção para o jogo na TV.

Ao ouvir meu nome, a mãe lançou um olhar de puro desprezo e se levantou, indo para o quarto.

Sentou-se na cama e ficou um tempo em silêncio. Então, quase sem perceber, pegou o celular.

Abriu a conversa comigo no WhatsApp.

Tudo continuava mudo.

A última troca de mensagens parecia de outra vida.

As poucas palavras trocadas agora lhe pareciam estranhas.

Uma sombra de algo indefinível cruzou seu olhar.

Apertou o botão de áudio e gravou uma mensagem com a voz carregada de irritação:

— Jesiane, quero você aqui até amanhã. Se fizer isso, deixo você voltar pra casa.

Houve uma pausa antes da próxima ameaça:

— Se continuar se escondendo, esqueça que tem mãe. Eu corto relações de vez!

Lançou o celular de lado e se deitou.

De onde eu estava, quis chorar, mas não consegui.

Seis meses atrás, me formei na faculdade.

Meus pais tinham prometido ir à cerimônia, mas no dia preferiram ficar em casa porque Elisabete tinha se arranhado.

Quando voltei, reclamei baixinho.

A resposta foi simples: já era adulta, então podia me virar sozinha.

E me colocaram para fora de casa.

Não contei nada à vovó.

Se ela soubesse, brigaria com minha mãe.

E, no fim, eu só queria evitar mais uma discussão.

Nem quando procurei emprego tive coragem de pedir ajuda à vovó.

A minha mãe sempre soube que passei a vida inteira buscando a aprovação dela e do meu pai.

Ela sabia que isso era meu ponto fraco.

E que, bastava ameaçar cortar laços comigo, que eu apareceria na mesma hora, pedindo desculpas.

Mas agora… ela não podia mais me ameaçar.

Porque eu já estava morta há dois meses.

Quando minha mãe acordou, já era fim de tarde.

Pegou o celular e viu apenas uma mensagem de sua amiga Anita:

"Catarina, lembro que vocês estiveram no Vale do Eclipse recentemente. Tá todo mundo bem? E a Jesinha? Liguei pra ela, mas não atendeu."

Ver a mensagem de Anita me tocou.

Ao longo dos anos, além da vovó, ela foi uma das poucas pessoas que realmente se preocupou comigo.

Sempre escondi as coisas da minha avó, não queria que ela sofresse por mim.

Mas Anita… ela sempre percebia quando eu estava triste e me dava um tapinha no ombro, dizendo:

— Sua mãe só está de cabeça quente. Ela te ama.

Por muito tempo, acreditei nisso.

Até o momento da minha morte.

Naquele dia, liguei para minha mãe. Várias vezes.

E ela ignorou todas.

Foi aí que entendi que existem coisas chamadas "mentiras bem-intencionadas".

Talvez fosse esse o motivo pelo qual meu espírito ainda rondava minha mãe.

Não queria isso.

Não queria ficar presa ali, assistindo aquela família de quatro pessoas viver em harmonia como se eu nunca tivesse existido.

Minha mãe massageou as têmporas e respondeu à mensagem de Anita:

"Não sei onde aquela desgraçada se meteu. Daqui a uns dias tem o aniversário da minha mãe, vem comigo."

Anita, que sempre foi próxima da família, aceitou na hora.

E ainda mencionou que tinha comprado um presente para mim: um lenço de seda bordado à mão.

A mãe parou por um instante.

Ela sabia que aquele lenço… era o presente que eu mesma teria encomendado para ela.

No começo do ano, disfarcei e perguntei o que queria ganhar no Dia das Mães.

Ela, distraída, me mostrou um vídeo qualquer que apareceu no feed dela.

Eu registrei na hora.