Sobrevoamos a floresta, percorrendo o mesmo percurso dos carros em direção a cidade pela rodovia. Ninguém é capaz de nos ver sob os encantamentos feéricos de Terence e tampouco precisamos de um, por que as pessoas mal olham para o céu. A lua brilha, e as estrelas parece mais próximos de nós.
Os braços dele me seguram firme, evitando qualquer queda fatal. Me esqueci de como é voar, da sensação do vento contra o rosto jogando os cabelos para trás, do frio na barriga e das borboletas no estômago. Libertador, para dizer o mínimo. Sinto falta das minhas asas e elas estão tão perto de mim agora, que posso sentir minha magia me chamando. Apesar, de estarem em mãos erradas. Conhecer lugares por terra é incrível, mas sobrevoa-los é esplendido e magnifico.
As asas do feérico marcam presença, mesmo invisíveis. O calor flui delas, enormes e mais largas do que eu imaginava e me dou conta de que gostaria de vê-las se ele permitisse um dia. Raramente as fadas deixam suas asas a vis
Direciono o olhar para Terence, encostado na porta de braços cruzados e com os olhos pregados em mim. Preciso que vá conferir se Noah está bem. Mentalizo, porque dizer em voz alta me fará parecer que estou falando sozinha com a parede. Não vou deixar você aqui. O mortal está seguro. Ele responde e perfuro suas irizes douradas, elas se reviram para mim. Por favor. Vou ficar bem. Insisto. Não. É minha vez de revirar os olhos. Você é teimoso, sabia? Alfineto. E você fraca demais para se defender se sua irmã aparecer. Faço um gesto obsceno e discreto para o feérico. Fadinha mal educada! Mostro a língua e vou até a o balcão ilha, marrom de pedra negra e antiga. Apoio os cotovelos na pedra gelada e me inclino para o fogão. Dáhlia serve água fervente nas xícaras com um bule e há um saquinho de erva-doce em cada uma. No meu, leite e açúcar. Pego a que me estende e nos acomodamos nas banquetas. — Biscoitos? – Ela
Voamos em silêncio de volta para casa. Permito que o calor de Terence me aqueça enquanto percorremos o céu, passando pelas nuvens mais baixas, apesar de ele tentar evitar a maioria delas. A tempestade partira. Muitas tempestades. Entretendo, as que vem em forma de chuva gelada, a natureza se encarrega do controle, já as que vem da mistura de sentimentos dentro da minha cabeça se embolam tanto e brigam tanto em meu interior que as controlar é impossível. Quanto mais perto da casa chegamos, mais meu coração se aperta em angústia. A ansiedade me sufoca transbordando em sal, embaçando a vista. Escondo o rosto do peito do feérico e engulo as lagrimas que não caem. Ele deve sentir a camiseta de flanela molhada, porque aperta mais os braços a minha volta, a mão firme na lateral das costelas tece uma caricia discreta, mas que conforta. Terence pousa com maestria na frente dos degraus da entrada e sinto o farfalhar das asas ocultas ao pararem de bater. Respiro fundo
— Amara, o que... — Espere um segundo! – O interrompo, entro na dispensa e saio de lá com duas abóboras nas mãos. As coloco no balcão ilha e pego duas facas pequenas e afiadas no faqueiro perto da pia. Sento-me onde estava e entrego uma das facas ao feérico, que me encara confuso de testa franzida. — É uma tradição dos mortais. Eles celebram o Samhain como as bruxas, mas o chamam de halloween. – Puxo uma abóbora para mim e indico que ele faça igual com a outra. Ambas grandes e laranjas. — Só que é mais sobre doces e fantasias e menos sobre rituais e magia. Sim, eu sei. Hipócritas. — Totalmente. – Terence concorda e pega sua abóbora. — Vamos assassinar abóboras? — Não, bobinho! – Rio e arregaço as mangas do suéter. Bato com a faca na fruta. — Vamos esculpir rostos nelas! Um triangulo para o nariz, mas a boca e os olhos você pode fazer como quiser, dependendo se sua abóbora é alegre ou assustadora. — Os mortais são estranhos. – O feéri
Acordo com a luz do sol ferindo meus olhos e preciso piscar algumas vezes para enxergar ao meu redor. Aquecida e confortável na poltrona onde adormeci, meu corpo se nega a fazer qualquer movimento por pura preguiça. Olho para fora, o céu azul e sem nuvens, os pinheiros apontados para cima majestosamente e a sinfonia animalesca acompanha o clima frio, apesar do sol. Quanto tempo eu dormi? Sinto algo macio sobre mim conforme desperto e recupero os sentidos e enrolo o xale – que costuma ficar no braço do sofá da sala – nos dedos. Pandora se espreguiça entre minhas pernas cruzas e pula para o chão. Mas como... — Você acordou! – Terence fala e me assusto ao vê-lo de pé em frente a uma das estantes do meu cômodo favorito. Meu cômodo, minha sala, minhas coisas. — Pensei ser melhor deixa-la dormir depois de ontem. A propósito, Dáhlia ligou e disse que a floricultura não vai abrir hoje, porque vão exterminar as pragas. – Ele franze a testa para si mesm
— Eles nunca subestimaram o poder de uma fada sequer. – O feérico passa a procurar outra página de anotações com a primeira na mão. — Sabiam que seus títulos vinham com ameaças prontas para suas vidas e tudo o que possuíam de valor e poder. Até Endaria sabia. Mesmo com tanta magia, decidiram se prevenir. Por isso, separaram as chaves. — Isso faz muito sentido, na verdade. – Aceito minha idiotice e praguejo por ser tão lenta em raciocínio e estratégia. Deveria saber, deveria antecipar ações e pensamentos e sinto a vergonha queimar, por ter parado de treinar as habilidades que meu pai levou anos para me ensinar. — Eu ainda não entendi. Não sabemos onde elas estão e não podemos perguntar aos lordes onde as esconderam. — Talvez, onde, seja somente uma das perguntas que precisaremos responder. – Terence agora segura três folhas nos dedos e se encosta na beirada da mesa, analisando-as. Os papéis amassados e borrado em alguns cantos com pingos de vinho e t
Estamos sentados nas cadeiras com vista para o lago nos fundos da casa há duas horas. Pandora está aninhada entre as minhas pernas cruzadas e tenho um cobertor sobre os ombros. Terence acendera um amontoado de lenha na pequena e concava lareira de três apoios entre nós e passamos os minutos jogando conversa fora sobre ambos os mundos e suas divergências. Sua boca se meche e meus ouvidos o escutam, mas tudo e que consigo pensar é que ele me acha atraente o bastante para cogitar me levar para a cama. Tenho muitas outras qualidades bem grandes, também. A voz dele ecoa em minha mente com as palavras de antes e despertam os nervos de todo o meu corpo com um certo calor agradavelmente incômodo. Jamais me deitei com um feérico em Illinea, porque jamais havia me interessado por um deles, apenas por mortais. E nunca descobri o motivo dessa atração tentadora pelos humanos que surge dentro de mim sempre que conheço alguém interessante. O primeiro que conheci aca
— Acho que devemos entrar. – Sugiro já caminhando para as escadas. — Temos muito o que descobrir sobre as chaves. — Uau! Você sabe mesmo estragar um momento. – Ouço seus passos me seguindo e olho por cima do ombro. — Isso não foi um momento. – Franzo a testa subindo o primeiro degrau. — Se acredita mesmo nisso, então tudo bem. O feérico passa por mim e entra na casa. Paro na entrada por um segundo ao reparar na pequena cesta em formato de abóbora, apoiada num curto pilar de gesso. O restante dos doces estão ali. Suspiro para eles e vejo Terence desaparecendo para dentro da sala dos Amarimentos. Essa momento foi de cem a zero muito rápido. Devolvo o caramelo na cesta. Assim que entro, fecho a porta e Pandora desliza entre minhas pernas com seu ruido costumeiro de raposa. A pego no colo e a acaricio no pescoço indo para a cozinha. Encho seu potinho de frutas silvestres e a solto no chão para se alimentar. — Pro
— Você me encontrou. – Digo quase que em um murmúrio. — Poderia facilmente ter me matado e roubado o colar e entregado a Duvessa, para cair nas graças dela e mesmo assim, ficou aqui. – Minha língua faz menção de embolar as palavras e umedeço os lábios piscando repetida e rapidamente. Seguro seu olhar no meu, firme, como se o prendesse a mim. — Ficou, mesmo não tendo certeza de nada, mesmo sabendo que eu não confiava em você nem por um segundo. E ainda está aqui, mesmo após descobrirmos tudo isso. – Quero ver a verdade estampada neles, quero ver o que está oculto por trás do dourado hipnotizante. — Por que? O feérico suspira e para de me tocar, endireitando a postura e desviando os olhos para longe dos meus. — Está certa em tudo o que disse. Em cada detalhe. – Seus dedos tocam a madeira da mesa duas vezes e seu maxilar se tensiona na quietude curta que se segue. — Mas, eu não tenho interesse em cair nas graças da sua irmã e