O ar pareceu desaparecer da sala.
Helena sentiu o estômago revirar, o suor frio escorrendo por sua nuca. O garfo em sua mão tremeu levemente, mas ela se forçou a manter a compostura. Gustavo a observava com um olhar calculista, um meio sorriso nos lábios, como se estivesse se deliciando com seu desconforto. Ele sabia. Talvez não tivesse provas concretas, talvez ainda estivesse jogando, esperando que ela se entregasse sozinha. Mas aquele olhar, aquele tom de voz… tudo nele gritava perigo. — O que quer dizer com isso? — Ela perguntou, sua voz saindo mais firme do que esperava. Gustavo inclinou-se ligeiramente para frente, apoiando os cotovelos na mesa. A luz das velas projetava sombras em seu rosto, deixando-o ainda mais intimidador. — Você acha que pode brincar comigo, Helena? — Ele murmurou, girando lentamente a taça de vinho entre os dedos. — Acha que eu não vejo? Que não percebo? Seu coração batia tão forte que ela teve medo de que ele escutasse. — Gustavo, eu não sei do que está falando. Ele riu. Baixo, perigoso. — Claro que sabe. Helena abriu a boca para responder, mas o som do celular vibrando na mesa a fez congelar. O nome Miguel brilhava na tela. Seu sangue gelou. Gustavo olhou para o telefone com uma calma assustadora. — Não vai atender? Ela agarrou o aparelho rapidamente, desligando a chamada. — É só uma amiga… Gustavo sorriu. Mas seus olhos estavam escuros, predatórios. — Eu espero, querida. Seria uma pena se fosse outra coisa. A ameaça estava ali, nua e crua. Helena sentiu as pernas fracas, mas se forçou a continuar sentada, tentando não demonstrar o pânico que crescia dentro dela. Gustavo bebeu um longo gole de vinho, depois colocou a taça sobre a mesa com um clique suave. — Quero que amanhã almoce comigo no escritório. — Ele disse. Helena piscou, surpresa. — No escritório? — Sim. Faz tempo que você não aparece. Vai ser bom para nós dois. Ela sabia que aquilo não era um convite. Era uma ordem. — Claro — murmurou, sentindo a garganta seca. Ele sorriu, satisfeito, e se levantou da mesa. Antes de sair, passou ao lado dela e inclinou-se perto de seu ouvido. — Eu sou um homem paciente, Helena — sussurrou. — Mas até mesmo minha paciência tem limites. O arrepio que percorreu sua espinha foi de puro medo. --- Quando trancou-se no quarto, Helena mal conseguia respirar. Ela tirou os sapatos com pressa e sentou-se na beira da cama, passando as mãos pelo rosto. Seu telefone vibrou de novo. Dessa vez, ela atendeu. — Helena? — Miguel parecia tenso. — O que aconteceu? — Ele sabe, Miguel — ela sussurrou, a voz trêmula. — Eu vi nos olhos dele. Miguel ficou em silêncio por um momento. — Você precisa sair daí. — Eu não posso simplesmente fugir. Isso só confirmaria tudo. — Helena, pelo amor de Deus, Gustavo não é um homem comum. Ele não vai te perdoar. Nem a mim. Ela fechou os olhos, sentindo as lágrimas se acumularem. — Eu sei. O medo a consumia, mas, no fundo, uma outra emoção ainda ardia dentro dela. Desejo. O desejo que sentia por Miguel era errado, proibido, perigoso. Mas, droga, ela não conseguia parar. — Me encontra agora — ele disse, firme. Helena mordeu o lábio, hesitante. Mas então ela pensou em Gustavo. No sorriso dele. No veneno escondido em cada palavra. Ela não queria dormir naquela casa. — Me diz onde. --- Vinte minutos depois, Helena desceu do carro e entrou no quarto de hotel onde Miguel a esperava. Assim que fechou a porta atrás de si, os braços dele a envolveram. — Eu estava ficando louco — ele murmurou contra seus cabelos. Helena enterrou o rosto no peito dele, sentindo o cheiro familiar que já estava gravado em sua memória. — Ele não disse diretamente, mas… ele já sabe. Miguel segurou seu rosto, forçando-a a olhar para ele. — A gente tem que dar um jeito nisso. Helena assentiu. Mas então Miguel fez algo que a pegou de surpresa. Ele sorriu. — Você se lembra de como a gente se conheceu? Ela piscou, confusa com a mudança repentina. — O quê? — Eu estava de terno, fingindo ser um homem sério — ele brincou, seus dedos deslizando pelo rosto dela. — Mas aí você me olhou daquele jeito, e eu soube que estava ferrado. Um sorriso involuntário surgiu nos lábios de Helena. — Você era um idiota metido a bad boy. — E você era uma garota perfeita que não devia se meter com caras como eu. Os olhos dela brilharam com as lembranças. — E mesmo assim, você não conseguiu ficar longe. — Você também não. Eles riram, mas o riso logo morreu quando os olhares se encontraram. Era isso. Era isso que os fazia correr perigo. Eles não podiam ficar longe. O beijo veio rápido, desesperado. Miguel a puxou para a cama, e Helena se entregou. Se era para viver no limite, que fosse assim. Mas enquanto eles se amavam, uma sombra crescia ao redor deles. Porque Gustavo não era um homem que aceitava ser enganado. E ele estava pronto para fazer o primeiro movimento.A noite estava quente, e o aroma das flores misturava-se ao perfume caro das mulheres que deslizavam pelo salão da mansão Montenegro. Helena segurava uma taça de champanhe, mas pouco bebia. Seu olhar percorria a multidão, fingindo interesse nas conversas triviais, enquanto dentro dela algo ardia, algo que ela não deveria sentir.Miguel Vasconcellos estava ali, encostado contra uma pilastra, observando-a. Seu olhar era um desafio, um convite silencioso ao pecado. Helena sentiu o coração acelerar. O vestido vermelho que usava parecia mais apertado, a sala mais quente. Ele era um homem perigoso, não apenas pela reputação, mas pelo que despertava nela. — Você está linda esta noite — a voz grave soou ao seu lado. Era Gustavo, seu marido. Ele pousou a mão em sua cintura e sorriu, mas seus olhos estavam mais preocupados em quem o observava do que na própria esposa.Helena retribuiu o sorriso, treinado e impecável. Era o tipo de afeto que aprendera a simular ao longo dos anos. Gustavo era um
O ar da noite parecia mais denso, carregado por algo que Helena não sabia nomear. Sua pele ainda ardia onde Miguel a tocara, como se o calor dele tivesse ficado impregnado nela. Sua mente gritava para fugir, mas seu corpo… seu corpo queria mais.Ela precisava voltar ao salão. Precisava se afastar antes que fizesse algo que não pudesse desfazer. Mas quando tentou se mover, Miguel a impediu. — Não fuja de mim, Helena.A voz dele era um sussurro rouco, carregado de desejo e certeza. E isso a assustava. Miguel sempre soube o que queria e não tinha medo de ir atrás. Já ela… ela passara anos sendo moldada para ser a esposa perfeita, a senhora Montenegro, uma mulher que sabia seu lugar e jamais ousaria cruzar certos limites.Mas agora ela estava ali. E o limite já fora cruzado. — Isso não pode acontecer, Miguel. — Sua voz saiu hesitante, denunciando a mentira.Os dedos dele deslizaram devagar pelo braço dela, um toque leve, mas devastador. — Mas já está acontecendo.Helena sentiu as perna
O passado voltava para Helena como um vendaval, revirando sentimentos que ela tentava esquecer. Seu primeiro encontro com Miguel não havia sido apenas um detalhe. Tinha sido uma colisão. Um aviso silencioso de que sua vida nunca mais seria a mesma.Três anos antes…A noite estava quente, abafada, mas o salão da mansão Montenegro estava impecável, repleto de pessoas influentes e taças cintilantes. Helena desempenhava seu papel com perfeição: o sorriso discreto, os gestos suaves, a postura elegante de quem sabia exatamente onde deveria estar.O casamento com Gustavo ainda era novo. Ela tentava se convencer de que a vida que escolhera era a melhor possível. Afinal, era isso que todas as mulheres da sua posição queriam, não?Até que Miguel Vasconcellos apareceu.Helena sentiu primeiro. Um arrepio sutil, como se o ar ao redor tivesse mudado. Quando seus olhos o encontraram do outro lado do salão, encostado casualmente no bar, algo dentro dela despertou.Ele não era como os outros.Enquanto
O peso da mentira começava a sufocar Helena.No meio do salão luxuoso, cercada por risadas falsas e conversas vazias, sentia-se como uma marionete bem vestida. O tilintar das taças e a música ambiente soavam distantes, como um eco de uma realidade que já não a pertencia.Miguel ainda estava no jardim. Sabia disso sem precisar olhar. O calor do olhar dele ainda queimava sua pele, como se o toque que trocaram minutos antes tivesse deixado uma marca invisível.Mas o perigo não vinha apenas do desejo que pulsava entre eles. O verdadeiro perigo estava ao seu lado.Gustavo Montenegro.Seu marido continuava conversando com empresários, mas seus olhos afiados pousavam nela de tempos em tempos, analisando, avaliando. Um hábito dele, sempre observando tudo e todos como um estrategista em meio a um tabuleiro de xadrez.Helena engoliu em seco. Será que Gustavo sabia?Não era um homem ingênuo. Pelo contrário, seu nome era sinônimo de controle, de poder absoluto. Se ainda não tinha dito nada, não e
O beijo ainda queimava nos lábios de Helena.O calor de Miguel parecia ter entrado em sua pele, em seu sangue, em seus pensamentos. Seu corpo ainda se inclinava levemente para frente, como se quisesse mais, como se estivesse prestes a se perder completamente.Mas então veio a culpa. A lembrança do homem com quem era casada.Gustavo Montenegro não era um homem comum. Ele era calculista, meticuloso, dono de uma frieza que fazia até os mais poderosos tremerem. E agora, Helena sabia que ele desconfiava. Não sabia como, mas sentia isso.Ela deu um passo para trás, os olhos arregalados, como se finalmente tivesse percebido o que acabara de fazer. — Isso não pode acontecer, Miguel. — Sua voz soou trêmula, mas não tanto quanto suas mãos.Miguel, diferente dela, parecia inabalável. Ele passou a língua pelos lábios, saboreando o gosto dela, e então sorriu de lado, com aquela confiança perigosa. — Mas já aconteceu.Helena sentiu a garganta secar. Seu coração batia tão rápido que ela teve medo
O silêncio dentro do carro era sufocante.Helena mantinha os olhos fixos na estrada à frente, mas sua mente estava longe. Seu corpo ainda lembrava o calor de Miguel, os lábios dele explorando sua pele, o desejo que a consumiu de uma forma que nunca sentiu com Gustavo. Mas agora, sentada ao lado do marido, a realidade era um peso insuportável sobre seus ombros.Gustavo estava tranquilo demais.Ele dirigia com uma calma calculada, as mãos firmes no volante, os olhos fixos na rua escura. Mas Helena o conhecia bem. Aquele silêncio não era indiferença. Era análise.Ele estava observando cada detalhe, cada resquício de culpa no rosto dela.— A festa foi divertida? — ele perguntou de repente, sem tirar os olhos da estrada.O estômago de Helena revirou.— Foi cansativa.— É mesmo? — Um pequeno sorriso surgiu no canto dos lábios dele. — Sumiu por um tempo.Seu coração deu um salto.— Precisava de um pouco de ar.O sorriso dele aumentou, mas não chegou aos olhos.— Claro.Aquela palavra carrega
A tempestade começou naquela noite.Helena mal pregou os olhos. Cada som da casa parecia mais alto, cada sombra parecia se alongar, ameaçadora. Ela rolou na cama por horas, sentindo a presença de Gustavo em cada canto, mesmo que ele não estivesse ali.Na manhã seguinte, o cheiro de café e pão fresco enchia a cozinha. Uma cena comum, quase reconfortante, mas Helena sabia que nada era normal.Gustavo estava sentado à mesa, o jornal em mãos, a xícara de café à sua frente. Seu rosto era uma máscara de serenidade.— Dormiu bem? — ele perguntou sem erguer os olhos.Helena hesitou antes de se sentar.— Sim.Mentira.Gustavo virou a página do jornal lentamente, como se estivesse aproveitando a manhã tranquila. Mas Helena conhecia aquele homem. Ele estava esperando.Observando.Testando.Ela pegou uma fatia de pão e passou manteiga, mantendo a expressão serena, tentando ignorar o peso do olhar dele sobre ela.— Tenho uma reunião hoje à tarde — Gustavo disse, casualmente. — Mas quero que esteja