Fazia mais de um ano desde que Marcello retornou à metrópole da França, e eu tive a ligeira impressão de que ele me evitava para não falar sobre Nicole.
Os primeiros dias foram tensos, confesso que faltei ao trabalho durante cinco dias, até que Sophie apareceu. Se não fosse pelas broncas da minha vó, eu cairia em depressão ou largaria tudo só para dar umas porradas no homem que estava com a Nicky.
Após o plantão de 48 horas, eu tomei um banho e me troquei com uma certa pressa. Pretendia passar a tarde me exercitando na academia. Fui direto para o meu carro, desativei o alarme e ajeitei os óculos quando avistei o conversível vermelho do Marcello na vaga do outro lado do estacionamento. Reparei na bunda gostosa da mulher que flertava com ele.
Marcello entrou no veículo assim que me viu. Caminhei a passos largos e vi quando ele arrumou o retrovisor. A bela negra retinta usava um vestido que valorizava as curvas.
— Seu carro é lindo! — Ela falou com Marcello.
Reconheci aquela voz assim que eu cheguei mais perto da mulher que exibia o volume dos seios no decote.
— Por dentro é mais bonito e aconchegante, quer dar uma volta?
Como ele conseguia ser tão imbecil? E o pior é que algumas garotas caíam de amores por ele.
— Marcello, faz dias que quero falar com você!
— Fala, irmão! Podemos conversar depois? Estou ocupado!
Dessa vez ele não escaparia, eu só queria que ele esclarecesse e me contasse tudo sobre o dia em que viu a Nicky.
— Desde que você voltou do Rio de Janeiro, está sempre ocupado!
— É porque você só quer falar da Nicole. Eu já estou cheio de ouvir suas lamentações por causa daquela garota. Esqueça ela! Curta a vida, mano! A Nicky não fala mais sobre você.
Reconheci aqueles olhos de ônix quando ela ergueu a cabeça e me encarou. Tenho certeza que ela se lembrou de mim.
— Alexander, que bom rever você! — Claire me abraçou.
— Oi! O que você faz aqui?
— Estava passeando pelas ruas de Paris e encontrei o Marcello. Ele me convidou para conhecer o hospital Saint-Mary. Eu não sabia que você fazia residência num hospital da França.
— Eu ainda tenho que encarar mais quatro anos!
Marcello limpou a garganta para chamar a nossa atenção. Acredito que ele não gostou do jeito que Claire falava comigo.
— Nós vamos ao Castle Pub tomar uns drinks.
— Vamos, Alexander! — Claire fez o convite.
— Não! Vou para casa depois do treino na academia, estou cansado!
Marcello ligou o carro antes que a Claire entrasse.
— Espero que você curta o seu travesseiro. — Ele deu uma risada irônica. — Vamos, Claire!
Hesitante, ela se afastou do automóvel e se colocou ao meu lado.
— Acabei esquecendo que meu voo decola amanhã cedo, não posso beber senão vou me atrasar.
— Ok! — Tinha um ar de desagrado na voz dele.
Ele arrancou com o carro e desapareceu do estacionamento em questão de segundos. Conheço Marcello o suficiente para saber que ele detestava quando era descartado.
— Gostaria de conhecer essa academia!
Senti o calor da mão delicada de Claire tocando o músculo do meu braço.
— Que tal tomarmos um café?
— Adoraria! — Ela esboçou um sorriso. — Neste lugar servem drinks?
— Claro! — Caminhamos até o meu carro. — Vamos!
O Hard Rock Café não era tão longe, estacionei o automóvel perto da calçada em frente ao estabelecimento. Saí e corri para o outro lado do meu carro, abri a porta para Claire.
— Hum, um cavalheiro! Você é uma edição limitada.
— Não se iluda, às vezes sou pior que um ogro.
Eu abri a porta do estabelecimento, esperei que Claire entrasse e então atravessei. Passeamos por algumas lojas no Rock Shop que vendiam camisetas, casacos e recordações com estampas da cafeteria. Ela comprou alguns presentes para os irmãos e o pai que moram em Florença, na Itália. Como sou um cliente assíduo, escolhi um casaco de moletom azul-marinho.
Sentamos em uma mesa perto do bar, o balcão branco abrigava uma adega com bebidas de diversas marcas e tipos.. Sempre frequentei aquele ambiente para fazer as minhas refeições, saborear um cappuccino ou café expresso, no entanto, Claire me convenceu a tomar algumas bebidas. Pedi uísque holandês enquanto ela saboreava um vinho tinto.
— Por que você trancou a faculdade?
— Boa pergunta! — Ela juntou as mãos sobre a mesa. — Meu pai queria que eu me especializasse em neurocirurgia e eu acabei cursando por livre e espontânea pressão. Chegou um momento que me revoltei e resolvi sair desse curso.
— Você sempre odiou aquelas diagramações da base do crânio.
— Exato! Não queria abrir um crânio e mexer no tecido ou no sistema nervoso central para remover algum tumor.
Degustei um gole do meu copo de uísque e solicitei que o garçom trouxesse o cremoso filé mignon com purê de batata-doce para Claire e o mac and cheese com salmão defumado para mim. Aquele lugar oferecia pratos especiais e caseiros preparados pelos melhores chefs.
— E do que você gosta?
— No momento, estou trabalhando como ortopedista no hospital de Florença. Meu pai reclamou um pouco, mas no fim das contas, ele aceitou.
— É como dizia aquele famoso trecho do filósofo Confúcio:
“Escolha um trabalho que você ame e não terá que trabalhar um único dia em sua vida.”
Nós dois citamos essa frase juntos e então, rimos. Levei o garfo à boca e comi um pedaço do peixe.
— Gostei de saber que você curte filosofia chinesa.
— Eu só li uma matéria sobre o sistema filosófico conhecido por confucionismo — ponderei. — Você está certa! Siga os seus sonhos e continue trabalhando na sua área.
Fazia algum tempo que eu não me divertia, minha vida era só trabalho, academia e casa. Desde que Nicole me abandonou, eu só queria me isolar. A conversa com Claire fluía normalmente até que ela tocou no assunto que eu queria esquecer.
— E quanto aos seus sonhos? — Claire limpou a boca com o guardanapo de linho depois de comer um pedaço do filé. — Você está aqui por que quer ou para satisfazer a vontade da Sophie?
Coloquei o garfo no prato e pigarrei, tomei outro gole da bebida. A conversa tomava um rumo perigoso.
— O Marcello falou de uma garota... — Claire colocou a taça na mesa e apoiou o queixo pequeno na mão enquanto me olhava. — Era a sua namorada?
— A Nicole é a minha ex-mulher!
Respirei fundo e juntei as mãos na frente do meu rosto.
— Então, você se casou? — Ela sorveu o líquido rubi.
— Sim! — afirmei em tom seco.
Não queria tocar naquele assunto, porém Claire insistiu.
— Pelo que vejo, você ainda a ama.
— Não consigo esquecê-la! — respondi de imediato.
O garçom me serviu mais um copo de uísque, as perguntas dela só aumentavam a tensão. Não estava acostumado a beber daquele jeito.
No fim da noite, depois que enchi os ouvidos da Claire com as minhas reclamações sobre o quanto eu estava decepcionado com a Nicole, paguei a conta assim que ela bocejou. Não tinha condições de dirigir, então Claire fez sinal para um táxi.
Ela me acompanhou até o meu apartamento. Tropecei ao sair do carro. A minha visão estava completamente embaçada. Claire pegou a chave no bolso da minha calça e abriu a porta.
A mulher na minha frente tirou o meu casaco, desabotoou minha camisa e tocou os pelos do meu peito, meu corpo reagiu logo que recordei do toque sutil das mãos da Nicky. Meu pau estava duro como pedra.
As mãos delicadas abriram o meu cinto e me tocaram. Ela ajoelhou-se e me abocanhou com vontade. Fechei os olhos e gemi com aquela boca macia que me engolia. A língua acariciava a cabeça do meu pênis ereto. Minha mente estava presa ao passado, aqueles lábios curvos da Nicole me enlouqueciam.
A boca dela apertava em volta do meu membro e lambia o líquido viscoso na ponta, embora não coubesse tudo, ela se esforçava para me engolir. Tinha meses que eu não transava, na maioria das vezes eu me masturbava enquanto pensava na Nicole. Estremeci com aquele calor delicioso em volta do meu pau que pulsava e gozava dentro da boca dela.
— Ah, Nicky!
Me entreguei a prazerosa sensação de relaxamento.
— O que você disse?
Abri os olhos quando ouvi a voz tão alta e profunda que me deixou desconfortável. Não era como a voz serena da Nicole.
— Você tinha que chamar o nome dela? — Claire aumentou a voz e ajeitou a alça do vestido. — Você estragou a minha noite.
Minha visão ainda estava turva, eu tentei me levantar da cama, porém não consegui. Meu corpo estava relaxado demais.
— Me desculpa! — falei devagar. — Porra, Claire! Não era para acontecer desse jeito. Te agradeço por me ajudar a chegar em casa. Eu não costumo transar bêbado. — Estirei o meu corpo na cama. — Eu conversei com você sobre a Nicole durante o jantar e isso ficou na minha cabeça. Esquece isso, vem cá!
— Ah, Claro! Além de otário, você usa outras mulheres para tirar o seu atraso e para falar da sua ex-mulher — reclamou ela, com a voz alterada.
— Não berra, porra! Está tarde, deita aqui!
— Para quê? Você quer montar em mim enquanto pensa nela?
Eu ri. Será que ela é telepata? Aquele uísque afetou a minha mente.
— Marcello tem toda razão, você é um babaca!
— Então vai trepar com ele — sugeri friamente.
— Boa ideia! Prefiro transar com ele do que perder o meu tempo com um idiota como você!
A imagem borrada da silhueta de Claire foi até a poltrona e pegou alguma coisa, deveria ser a bolsa.
— Que merda! Não consigo foder sem pensar nela.
Em algum momento daquela noite tensa, adormeci. Minha cabeça latejava com o barulho do toque do blackberry. Ainda estava escuro e eu não enxergava sem a merda dos meus óculos. Esfreguei os meus olhos com a palma das mãos.
— Marcello, são quase 5 da manhã. — Me joguei na cama.
Alguma coisa estava errada, pela forma como Marcello falava ao telefone, ele estava nervoso.
— É grave?
Meu melhor amigo ficou noivo de uma renomada advogada cível logo depois que voltou do Brasil. Apesar dos fetiches e da forma estranha como ela me encarava, parecia uma ótima pessoa. A notícia da gravidez de Josephiné o afligiu. O pai de Marcello era exigente e cobrava demais dele. As brigas entre pai e filho eram tão intensas que levaram a tia Heloísa ao uso de calmantes.
— E qual é o problema? Essa é uma ótima notícia!
Sentei na cama. Estiquei o braço e peguei os óculos.
— Você não parece feliz. O que houve?
Se eu tivesse um filho com a Nicky, me sentiria realizado. Certa vez eu disse que eu almejava ter um time de futebol correndo pela nossa casa e nós discutimos porque ela só queria dois filhos. Têm dois anos que eu não a vejo, procurei o nome dela pela internet, mas a Nicole dificilmente acessa as redes sociais. O único perfil que eu encontrei, está sem atualização há quase três anos. A última foto publicada foi a do nosso casamento.
— Esse bebê não tem culpa — aconselhei o meu amigo antes que ele fizesse alguma besteira. — Eu seria o homem mais feliz do mundo se recebesse uma notícia como essa — comentei.
Marcello ficou em silêncio, tinha alguma coisa errada. Ele sempre me confrontou, então, por que ele ficou tão quieto? De repente, ele me agradeceu pela força e encerrou a ligação.
O meu amigo foi transferido para um hospital de Paris e pretendia morar com Josephiné, mas pelo tom de voz dele, pressenti que ele estava infeliz.
Alguns meses se passaram e quase não recebi notícias do Marcello, se ele não me procurou, então ele estava bem. Meu amigo só me procurava quando se metia em confusão. Depois do que houve com Claire há alguns meses, eu evitava falar da Nicole ou beber demais durante os encontros. Assim que minha mãe me contou que Nicky estava casada e já tinha um filho, liguei para alguns números que estavam na minha gaveta. Procurei o bilhete da mulher que atendi no verão de 2010. Já se passaram dois anos, não sabia se ela lembrava de mim, mesmo assim eu arrisquei. É claro que o fato dela se parecer um pouco com a minha ex afetou a minha escolha, mas eu precisava sentir o calor de uma mulher, nunca fui inocente, entretanto, fui fiel a Nicky durante anos, mesmo quando ela vinha com aquela história de que queria casar virgem para não cometer os mesmos erros da mãe.<
Eu dirigi por 466,9 km pela via A6. Eu levei mais de quatro horas para chegar a Paris e o telefone do Marcello ainda estava desligado. Estacionei o meu carro na vaga e corri direto para o apartamento de Josephiné. Apertei o botão e em poucos segundos a porta do elevador abriu. Liguei novamente para aquele babaca e caiu na caixa de mensagens. Saí no décimo terceiro andar e corri pelo corredor até o apartamento duzentos e setenta e sete. Toquei a campainha e ninguém atendeu. Apertei algumas vezes até que ela apareceu. — Bonjour, Alexander! — O rosto de Josephiné estava vermelho, provavelmente ela passou a noite com dor. — Encontrou o Marcello? — Não! O celular dele está desligado. Acompanhei ela até a sala, a casa estava bagunçada. Havia quadros e fotos rasgadas, além dos cacos de vidro de u
Naquele dia, fiz o mesmo percurso de volta para Lyon. As ruas e avenidas de Paris estavam cheias de folhas. No final de setembro, o outono tornava o clima agradável. Lutei contra o sono enquanto descortinava a paisagem pela janela do meu carro. Anoitecia quando cheguei em Lyon, estava exausto. Levei mais vinte minutos até, enfim, estar de volta ao meu apartamento. Tirei a roupa que usava na noite anterior, entrei embaixo da água quente. Abaixei a cabeça enquanto a água caía na minha nuca e descia pelo meu corpo. Nunca tive um dia tão agitado como aquele. Enxuguei todo o meu corpo com a toalha que estava pendurada no vidro do box. Estava tão cansado que não procurei outra roupa, deitei na cama do jeito que cheguei ao mundo. Ativei o alarme e encostei no travesseiro, virei a cabeça para o lado direito. Nicole costumava dormir de roupa e detestava quando eu dormia nu. O vento frio batia contra o meu rosto enquanto eu corria, pouco antes do sol nascer, pela rua de Sainte-Foy-lès-Lyon. Comprei uma casa nesse ambiente rural um ano após a morte do meu amigo. No dia em que visitei Josephiné no hospital, ela me disse que entregaria Marcelly para adoção. Prometi ao Marcello que cuidaria da menina e não permitiria que ela fizesse isso, então contei a Josephiné sobre a promessa e fiz a proposta: eu estava disposto a assumir a paternidade da Marcelly. Ela me xingou e me expulsou. Foram quase onze meses até que eu a convenci de que cuidaria da nenê. Não sei o que deu nela, mas, certa noite, ela me ligou e aceitou a proposta. Moramoss juntos há quase três anos. Não nego que trepei com ela algumas vezes. Não sou muito fã desse lance de BDSM e nunca me submeti a esses fetiches loucos que ela praticava com Marcello; no entantSinto a sua falta!
Na manhã seguinte, fiz de tudo para não encontrar com Isabella durante o plantão, eu torcia para que ela não contasse aos nossos colegas de trabalho sobre o nosso encontro na noite anterior. Tomei um analgésico para aliviar a dor de cabeça causada pela ressaca e sentei-me na sala de descanso durante o intervalo. Ali avaliei a biópsia estereotáxica de um dos meus pacientes antes de conversar com um de seus familiares. As mensagens de Josephiné não paravam de chegar no meu telefone, olhei para a tela do meu blackberry que vibrava, encostei a minha cabeça no estofado marrom da poltrona reclinável e atendi: — O que você quer Josephiné? — Quero que você venha para casa hoje, precisamos conversar! — Você quer que eu volt
Em uma das salas de cirurgia, realizei todo o procedimento depois que o paciente recebeu a anestesia geral. Monsieur François, pai de Alícia, tinha 57 anos. Poucas semanas antes do meu encontro com Alícia, eu recebi imagens mais detalhadas da tomografia, os cordomas se expandiram na base do crânio do meu paciente e invadiam os nervos e tecidos. Naquela manhã, eu me reuni com uma equipe cirúrgica multidisciplinar que tinha uma vasta experiência com aquele tipo de câncer. Assim que o paciente recebeu a anestesia, nós fizemos os procedimentos necessários para ter acesso à localização da parte do osso da base do crânio e do cérebro. Eu ressequei os cordomas e fiz o possível para remover os tumores sem causar dano ao tecido. Depois de cinco horas naquela sala, com médicos altamente qualificados, eu ergui a cabeça e a enfermeira enxugou o suor que brotava na
Naquela tarde, eu mordi um pedaço do croissant, ergui os olhos e vislumbrei as pessoas que passavam pela rua. Alguns correram à procura de abrigo para escapar da chuva enquanto os outros transeuntes caminhavam embaixo de seus guarda-chuvas e, ao mesmo tempo, desviavam das pequenas poças de água. "Por que a Nicole atendeu o telefone da minha avó? " Minha mente estava inquieta. Arrumei os óculos, fitei o meu blackberry que vibrava em cima da mesa e bebi um gole do cappuccino. Não discutiria por telefone com Josephiné. Alguns minutos depois, eu liguei para a minha avó novamente. A voz dela parecia mais cansada, se eu estivesse lá, não permitiria que ela se entregasse a doença dessa forma. Minha avó Sophie era tudo na minha vida, ela sempre me levava para passear, lia histórias antes de eu dormir e sempre fazia as min
Depois da viagem cansativa, eu finalmente cheguei a cidade do Rio de Janeiro. Dirigia pela Avenida Atlântica e, ao mesmo tempo, apreciava a bela paisagem. Pessoas corriam e se exercitavam pela orla e as praias estavam lotadas. Finalmente, eu estava na cidade maravilhosa onde nasci e cresci. O veículo que aluguei no aeroporto se aproximou do enorme portão da casa de meus pais, na Zona Sul. O guarda da cabine estranhou a cor do automóvel, mas me reconheceu assim que abaixei o vidro. ― Oh, doutor Bittencourt! ― Ele saiu da cabine e me cumprimentou. ― É tão bom rever o senhor! ― Também estou feliz por revê-lo, Carlos! ― Sorri pela educação. ― Como estão as meninas? ― A minha filha mais velha está cursando direito e a mais nova passou na prova para sarge