Em uma das salas de cirurgia, realizei todo o procedimento depois que o paciente recebeu a anestesia geral. Monsieur François, pai de Alícia, tinha 57 anos. Poucas semanas antes do meu encontro com Alícia, eu recebi imagens mais detalhadas da tomografia, os cordomas se expandiram na base do crânio do meu paciente e invadiam os nervos e tecidos.
Naquela manhã, eu me reuni com uma equipe cirúrgica multidisciplinar que tinha uma vasta experiência com aquele tipo de câncer. Assim que o paciente recebeu a anestesia, nós fizemos os procedimentos necessários para ter acesso à localização da parte do osso da base do crânio e do cérebro. Eu ressequei os cordomas e fiz o possível para remover os tumores sem causar dano ao tecido.
Depois de cinco horas naquela sala, com médicos altamente qualificados, eu ergui a cabeça e a enfermeira enxugou o suor que brotava na minha testa, então, prossegui com a sutura. No fim da cirurgia, cumprimentei os meus colegas, tirei as luvas, o avental e a touca azul, lavei as mãos e fui ao encontro da família do paciente, que aguardava por notícias.
Estava ansioso para encontrar Alícia e dar a boas novas. Procurei por ela na sala de espera, mas vi uma senhora que segurava um terço enquanto cochichava alguma reza ou oração, não sei bem o que a madame François fazia, mas acredito que o amor que ela sentia por ele, ajudou e muito!
― Excusez-moi, madame Françoise!
― Como está meu esposo, Doutor Bittencourt?
— A cirurgia foi um sucesso — respondi.
— Posso ver o meu marido? — indagou a senhora de meia-idade.
— Claro, madame! Logo o monsieur François acordará da anestesia.
Meu sorriso desapareceu quando Alícia entrou na sala, ela segurava a mão daquele homem emaciado e comprido.
— Ma fille, o doutor Bittencourt disse que a cirurgia foi um sucesso e que podemos ver o seu pai.
A madame Françoise abraçou a filha e sorriu para o homem de pele alva. Alícia estava sem graça e evitava o contato visual.
— Merci, doutor Bittencourt! — O tal do André afastou-se de Alícia e estendeu a mão. — Minha esposa estava nervosa!
— Fiquem tranquilos, em breve vocês verão o Monsieur François. — Apertei firme a mão daquele idiota.
— Merci beaucoup! — Alícia agradeceu e desviou o olhar.
— Por enquanto, ele ficará em observação na UTI e depois será encaminhado para o quarto.
— Quanto tempo? — O marido da Alícia me interrompeu.
— Ele ficará internado por 7 dias, receberá antibióticos que evitam infecções e medicações analgésicas para aliviar a dor — expliquei em tom determinado. — O paciente fará exames para testar as funções do cérebro e para verificar se a cirurgia causou alguma sequela.
— Você disse que a cirurgia foi um sucesso! — Alícia me contestou.
— Sim! — Afirmei ao encará-la.
Minha garganta estava seca e a voz estava um pouco mais rouca do que de costume.
— Este é um procedimento necessário para saber se há dificuldade para enxergar ou movimentar alguma parte do corpo.
— Então, o meu sogro receberá alta em uma semana? — O marido dela franziu o cenho quando ela me olhou.
— Se tudo correr bem, sim! — Limpei a garganta. — Com licença, eu preciso voltar ao trabalho.
Saí logo depois que me despedi da madame François. Segui em passos largos pelos corredores e parei em frente ao elevador, vi que Alícia se aproximava, então, eu apertei o botão.
— Alexander! — Ela chamou, mas fingi que não escutei.
A porra do elevador estava demorando, acionei o botão novamente.
— Quero conversar com você!
Ela chegou perto e tocou o meu braço, recuei assim que Nathalie, a enfermeira, passou e meneou a cabeça.
— Alguma dúvida em relação ao seu pai?
— Não!
— Tratarei apenas dos assuntos sobre o meu paciente.
— É sobre ontem — ela insistiu. — Aquilo não deveria ter acontecido!
— Concordo!
A porta abriu, fitei o marido de Alicia que vinha ao nosso encontro. Entrei no elevador e arrumei um espaço entre as pessoas que se aglomeravam na cabine.
— Au revoir! — Ajeitei os óculos quando a porta se fechou.
Embora eu estivesse habituado à rotina do hospital, naquela quinta-feira fria e chuvosa, eu estava aborrecido e muito cansado. O reencontro com a Alícia não foi como eu esperava. A forma como ela fugiu do hotel, confirmou que ela queria apenas uma trepada.
Era o meu último dia de residência no Saint-Mary e, no término do plantão, fiquei por alguns minutos no banho quente. Eu me ensaboava e me preparava mentalmente para conversar com Josephiné. Desliguei o chuveiro e envolvi a toalha um pouco abaixo da minha cintura. Coloquei a calça preta, fechei a fivela do meu cinto e suspirei pesado quando a vi. Continuei me arrumando e não dei atenção.
— Que merda! — bufei.
Sentei no banco, coloquei as meias pretas e peguei os meus sapatos. Ela continuava parada enquanto me observava.
― O que você quer, Isabella? ― Calcei os meus mocassins e me levantei.
― Calma, só estava apreciando a visão. ― Isabella deu alguns passos.
Eu já estava enfezado. Não sei o que essa mulher viu em mim que não saiu do meu pé desde que cheguei na França, parecia a minha sombra.
― Você não perde tempo, não é!
Vesti o casaco cinza e ajeitei, a porra do tecido apertava os meus ombros. Coloquei a jaqueta e peguei a mochila.
― Você voltará para casa? ― Chegou mais perto e encostou o corpo dela contra o meu. ― Vamos sair ― sugeriu ela. ― Só mais uma noite!
Por mais que eu explicasse que eu não podia, ela persistia e me irritava. Ajeitei a armação de aço dos meus óculos, não queria magoá-la, mas aquilo tinha que acabar.
― Não! — Neguei com veemência.
Isabella abriu os botões da blusa que usava, meu pau reagiu quando vi os seios firmes no decote do sutiã.
― Se você quiser, nós podemos ir para um lugar mais tranquilo ou podemos entrar ali. — Puxou os lábios inferiores entre os dentes e ergueu o queixo para a cabine vazia. ― Adoro aventuras!
Cogitei a ideia de acompanhá-la enquanto Isabella beijava o meu pescoço. Minha cabeça de baixo ficou em dúvida quando ela apertou o volume no tecido da minha calça, a mochila caiu da minha mão e eu gemi. Afastei o pensamento, não faria aquilo no meu último dia de residência no hospital.
― Chega, Isabella! ― Saí de perto e me desvencilhei. ― Isso não vai se repetir!
― Por quê?
Será que ela esqueceu que nós estávamos bêbados ou estava se fazendo de boba? Eu ainda não esqueci das lamentações dela só porque chamei o nome da minha ex quando gozei.
― Talvez eu ajude você a esquecê-la!
Queria saber de onde ela tirou essa ideia? A conversa me aborreceu.
― Se a Josephiné não conseguiu, quem dirá você!
― Que merda, Alexander! Assim você me magoa.
― Então, desiste! Porra! — falei em um tom gutural. — Eu já tenho muitos problemas e não posso desperdiçar o meu tempo.
Meu rosto queimava, estava com raiva. Sempre que ficava nervoso falava coisas sem pensar, até hoje sou assim. Encarei os olhos claros de Isabella, esperava que ela dissesse mais alguma coisa, mas felizmente, ela se calou. Peguei os meus pertences quando ela começou a murmurar. Alarguei os passos e fui até a saída sem olhar para trás, já estava cansado de tudo isso.
O vento frio batia em meu rosto enquanto andava pela calçada. Ajeitei o capuz e desviei de algumas poças de água pelo caminho. Empurrei os meus óculos sobre o meu nariz quando contemplei o belo corpo da mulher que estava a alguns passos na minha frente. Percebi quando o chapéu dela voou em minha direção e o peguei. Ela usava um vestido xadrez vermelho na altura dos joelhos e mangas longas. Corri até ela e então, devolvi.
— Merci! — A belle mademoiselle tinha o rosto oblongo e olhos apertados. — E o vento levou!
— Já assistiu ao filme? — Entreguei o chapéu.
Certa vez, Nicky assistiu quase 4 horas desse filme, eu cochilei e acordei só no final enquanto ela chorava. Me arrependi no momento em que eu perguntei o motivo das lágrimas e ela me contou o filme todo. A Nicole sempre gostou de livros e filmes clássicos.
— Oui! Um clássico do cinema.
Estava prestes a convidar a bela moça para tomar um café quando um mustang vermelho parou na beira da calçada.
— É o meu esposo!
Ela acenou para o homem esguio que saiu do automóvel e esboçou um sorriso. Parecia feliz, os olhos dela quase se fechavam.
— Au revoir!
Me despedi sentindo-me un babaca, foi assim que eu me senti depois de Alícia. Ela me usou! Se bem que foi uma trepada gostosa, sem cobranças ou reclamações. Tirei o capuz da jaqueta no instante em que entrei no Hard Rock Café. Fui direto para a mesa vazia perto da janela. Pensei em pedir um uísque para esquentar, mas optei por um capuccino.
Coloquei o blackberry em cima da mesa, o aparelho vibrou o dia todo, era mais uma ligação de Josephiné. Rejeitei a chamada, em seguida liguei para minha avó, queria avisá-la que logo eu voltaria ao Brasil.
― Alô! ― Uma voz suave me atendeu, permaneci em silêncio.
O meu coração batia mais forte e acelerado. Há anos eu não ouvia aquela voz doce e serena, não sabia o que dizer. Eu pensei em responder, mas Nicole desligou.
Olá, amores! Mais um capítulo saiu do forno para vocês! Essa vida do Dr. Bittencourt na França está muito agitada. 0 que vocês, acham? Alexander se sentiu usado pela Alícia, coitado! E se derreteu com a voz da Nicky. Segunda-feira tem mais capítulos saindo do forno para vocês. I promise! :D
Naquela tarde, eu mordi um pedaço do croissant, ergui os olhos e vislumbrei as pessoas que passavam pela rua. Alguns correram à procura de abrigo para escapar da chuva enquanto os outros transeuntes caminhavam embaixo de seus guarda-chuvas e, ao mesmo tempo, desviavam das pequenas poças de água. "Por que a Nicole atendeu o telefone da minha avó? " Minha mente estava inquieta. Arrumei os óculos, fitei o meu blackberry que vibrava em cima da mesa e bebi um gole do cappuccino. Não discutiria por telefone com Josephiné. Alguns minutos depois, eu liguei para a minha avó novamente. A voz dela parecia mais cansada, se eu estivesse lá, não permitiria que ela se entregasse a doença dessa forma. Minha avó Sophie era tudo na minha vida, ela sempre me levava para passear, lia histórias antes de eu dormir e sempre fazia as min
Depois da viagem cansativa, eu finalmente cheguei a cidade do Rio de Janeiro. Dirigia pela Avenida Atlântica e, ao mesmo tempo, apreciava a bela paisagem. Pessoas corriam e se exercitavam pela orla e as praias estavam lotadas. Finalmente, eu estava na cidade maravilhosa onde nasci e cresci. O veículo que aluguei no aeroporto se aproximou do enorme portão da casa de meus pais, na Zona Sul. O guarda da cabine estranhou a cor do automóvel, mas me reconheceu assim que abaixei o vidro. ― Oh, doutor Bittencourt! ― Ele saiu da cabine e me cumprimentou. ― É tão bom rever o senhor! ― Também estou feliz por revê-lo, Carlos! ― Sorri pela educação. ― Como estão as meninas? ― A minha filha mais velha está cursando direito e a mais nova passou na prova para sarge
Nicole colocou o pequeno garoto no chão e pediu para que o filho não fizesse bagunça. Detive meus olhos no menino e reparei no jeito daquela criança. Ele parecia bem inteligente, carregava uma revista em quadrinhos nas mãos. Ajeitei a minha postura assim que Nicole me encarou. ― Oi, Alexander! Estou surpresa em te ver por aqui! Franzi o cenho e estiquei o braço, Nicole recuou como um coelho assustado, mas depois se aproximou e apertou a minha mão. ― Estou tão surpreso quanto você! Contive a vontade de dizer tudo o que estava preso na minha garganta e segurei a mão macia e delicada com cuidado para não machucá-la. Aquele olhar constrangido na feição pétrea me deixou confuso, a mão dela suava. Mesmo que ela disfarçasse, parecia nervosa.
Depois que recebi a notícia da morte da minha avó, procurei por Nicole em todos os cantos do hospital e não a encontrei. Peguei o número do telefone dela com o meu pai. Liguei inúmeras vezes durante o dia, mas ela não atendeu. "Que merda!" Pela madrugada, tomei o meu segundo banho, tinha esquecido o quanto o verão do Rio de Janeiro poderia ser quente. Deitei na cama, sem roupa, ajeitei o travesseiro e afundei a cabeça. Pensei na face avermelhada e no jeito como ela se encolheu quando tomei satisfações e fiz cobranças sobre o nosso passado. A mão dela tremia e suava quando segurei, devia ter verificado o pulso. "Será que ela ainda me ama? " Eram quase 2 da manhã quando olhei o número da Nicky na tela brilhante do meu blackberry.
Durante o velório, permaneci ao lado de Nicole, que estava isolada num canto da sala. Meu filho adormeceu no meu colo, não queria me soltar e confesso que eu também não queria largá-lo. Recebi as condolências dos amigos e familiares que compareceram na despedida. Minha avó era uma pessoa querida por todos. Logo depois que o meu pai e doutor Albuquerque fizeram um breve discurso, um amigo, católico, minha avó encerrou as homenagens. Jenny e uma bela jovem com traços hispânicos se aproximaram da Nicky. Abraçaram-na e logo depois, ambas me cumprimentaram com olhos marejados. — Meus sentimentos, meu amigo — Jenny me deu os pêsames. — Obrigada! — Minha voz soou baixa e rouca. Ela olhou para a moça que ainda falava com a
Ainda não esqueci do tapa que Joanna deu na pele macia da minha mulher há mais de cinco anos. Será que Joanna empurrou Nicky da escada? Não gosto do jeito que Nicky defendia a tia, aquela mulher a maltratava e sempre negou o carinho que Nicole precisava." Meu sangue fervia com os meus pensamentos, eu ingeri outro gole do líquido rubi e olhei na direção de Nicole. ― Eu vou ajudar o Alex a escovar os dentes. ― Nicky ajeitou o cabelo e levantou. ― Com licença! Vem filho! — Fugiu como um coelho assustado, ela detestava confrontos. Jenny voltou com outra garrafa de sauvignon blanc. Esbarrou na cadeira duas vezes antes de sentar e Lana a auxiliou. Pegou a garrafa, encheu minha taça e em seguida, ofereceu para a Lana, mas ela rejeitou. ― O que a tia dela fez enquanto eu estive for
O quarto estava silencioso quando abri meus olhos, eu finalmente consegui descansar depois de três dias. Aquele beijo que dei em Nicole me deixou mais animado, eu só queria conquistá-la, tocar aquela pele macia e dourada e penetrar aquela carne apertada. Levantei às 7 horas da manhã, fiz algumas flexões e abdominais no quarto antes de me preparar para a leitura do testamento. Encerrei a minha última série de flexões e tomei uma chuveirada. Nicole não retornava as minhas ligações. "Sei que ela ficou mexida com o beijo, senti isso! Então, por que está me evitando?" Eu resmungava em meus pensamentos enquanto observava a tela do meu telefone. Tirei a toalha e avaliei as roupas que Rosa organizou no guarda-roupa. Não queria us
Depois que entrou no meu carro, Nicole parecia um animal enjaulado e assustado. Ela ajustou o cinto de segurança e me observou quando entrei. ― Por que você está tão nervosa? "Eu sabia o motivo, mas queria provocá-la!" ― Não tenho nada a ver com isso… — gaguejou ― Não entendi! ― Arrumei o banco e olhei nos olhos dela. ― Jenny me ligou mais cedo. Eu não sabia que a Sophie havia colocado meu filho no testamento. "Claro que foi a Jenny! Ela não perde essa mania." ― Que mal há nisso? Meu filho tem todo direito! ― retruquei. Ajeitei o espelho do retrovisor. ― Só uma cláusula do testamento que me incomodou. Último capítulo