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Minha Princesinha!

Eu dirigi por 466,9 km pela via A6.  Eu levei  mais de quatro horas para chegar a Paris e o telefone do Marcello ainda estava desligado. Estacionei o meu carro na vaga e corri direto para o apartamento de Josephiné. Apertei o botão e em poucos segundos a porta do elevador abriu. Liguei novamente para aquele babaca e caiu na caixa de mensagens. Saí no décimo terceiro andar e corri pelo corredor até o apartamento duzentos e setenta e sete. Toquei a campainha e ninguém atendeu. Apertei algumas vezes até que ela apareceu. 

— Bonjour, Alexander! — O rosto de Josephiné estava vermelho, provavelmente ela passou a noite com dor.  — Encontrou o Marcello?

— Não! O celular dele está desligado.

Acompanhei ela até a sala, a casa estava bagunçada. Havia quadros e fotos rasgadas, além dos cacos de vidro de um jarro no canto da parede.

— A briga foi feia — comentei.

— Aquele Fils de pute deve estar com alguma chienne!

Olhei para uma poça de água no meio da sala quando ela apertou o meu braço e gemeu de dor.

— Vou te levar para o hospital!

— Non! — Josephiné berrou. — Eu vou esperar o meu noivo.

Ela tinha um gênio forte, acho que ela jogou um desses objetos na cabeça do meu amigo. Será que acertou? Segurei o riso.

— Eu ligo para ele assim que chegarmos na maternidade. Se você continuar aqui, sua filha nascerá no sofá da sala. É isso que você quer?

— Ta gueule! — As unhas dela cravaram no meu antebraço logo que sentiu outra contração. — Putain! — resmungou entre dentes.

Apesar de não ser muito paciente, mantive a calma e esperei até que a dor aliviasse. Verifiquei o relógio, o intervalo era a cada três minutos.

— Pega as minhas coisas, s'il vous plait! — Ela caminhou até a porta. 

Agarrei uma bagagem com estampa de ursinhos que provavelmente tinha as coisas da bebê. Peguei a bolsa de couro preta de Josephiné e seguimos pelos corredores até o elevador.

Meu blackberry tocava conforme eu conduzia o meu automóvel a caminho do hospital. Era o número da minha avó, tenho certeza que ela sabia que eu faltei ao plantão. Gostaria de saber quem é o espião que conta tudo para ela. Da última vez que faltei cinco dias quando soube que a Nicole me traiu, minha avó apareceu do nada no meu apartamento. Com certeza, alguém do Saint-Mary a conhece. 

— Liga para o Marcello,  de novo!

— Está desligado, porra!

— Imbécile! — Ela se contorceu no banco ao meu lado.

— Ele não atende a merda do telefone — aumentei o tom da minha voz. — Não abuse da minha paciência, Josephiné! Não sou igual ao Marcello.

— É por isso que ela te deixou.

— Do que você está falando?

Bati com o punho cerrado na buzina, odeio esses motoristas que dirigem igual a uma tartaruga.

— Marcello me contou que a tal da Nicky  te largou!

— E o que você tem a ver com isso?

Ajeitei os óculos e a encarei assim que parei no sinal vermelho, não estava acostumado a mulheres com temperamento forte. 

— Va te faire foutre! — Ela apertou o estofamento do banco.

Sei que Josephiné enfrentava um momento difícil, mas isso não lhe dava o direito de me tratar daquela forma. Que culpa tenho se o idiota do noivo dela não atendia a porra do telefone? Devia estar trepando com alguma mulher que não espanca ele por prazer. Pensei em dizer isso para ela, mas engoli as palavras e segui assim que o sinal abriu.

Logo que parei o carro na frente do prédio de uma maternidade particular, corri até a porta e solicitei uma equipe médica.

Depois que a levaram em uma cadeira de rodas, mandei mais uma mensagem para Marcello, ele tinha que preencher os papéis da internação e não podia perder o parto da filha. Por sorte o obstetra de Josephiné interveio e a levou para sala de parto depois que explicamos a situação. 

Os gritos dela chamavam a atenção de todos que passavam pelos corredores da ala da maternidade. Por um momento fiquei com dó daquela mulher. Eu nunca deixaria a Nicky nesse momento tão complicado, se ela tivesse um filho meu, eu ficaria ao lado dela até o nascimento do bebê.

Balancei a cabeça, mais uma vez ela invadiu a minha mente. Ainda sentia falta dela. Sentei no banco da sala de espera com o blackberry na mão, minha avó ligou de novo.

Os profissionais eram atenciosos e aguentavam o mau-humor de Josephiné. Espiei de longe e voltei para a sala de espera, eu não era o pai, portanto, não podia acompanhá-la na sala de parto.

O obstetra sempre foi muito cortês, às vezes ele saía e me dava alguma informação. Segundo o médico de Josephiné, o parto seria normal, já que na França a cesárea era uma exceção. Como Josephiné já estava com sete de dilatação, logo a filha dela nasceria.

Fui à cafeteria do hospital e pedi um cappuccino bem quente e um croissant. Uma mulher, que andava distraída no celular, esbarrou no meu ombro e me olhou, quase que a bandeja caiu das minhas mãos.

— Pardon, monsieur!

— Não tem problema!

Coloquei a bandeja sobre a mesa, arrumei os meus óculos e avaliei aquele belo rosto. Ela era linda, a melanina da bela negra retinta brilhava sob a luz branda.

— Je m'appelle Alícia! — Esboçou um sorriso.

— Eu me chamo Alexander, mais conhecido como doutor Bittencourt.

Apertei as mãos esguias e demorei para soltar, acho que ela notou o meu interesse.

— Trabalha aqui, doutor!

— Não! Trabalho no Saint-Mary, em Lyon.

Puxei a cadeira e me sentei.

— Você quer tomar um café — eu a convidei.

— Adoraria, mas estou esperando meu marido.

Fiquei frustrado quando ela contou que era casada, é claro que uma mulher tão linda não ficaria solteira por muito tempo. Não demorou muito até que o homem sortudo apareceu do nada chamando-a para sentar à mesa no canto da parede com o acabamento fosco.

— Ravi de vous rencontrer! — O sorriso dela era lindo!

— O prazer é todo meu! — respondi e a observei se afastar.

Tomei um gole do meu cappuccino e vi quando Alícia o beijou. Ele puxou a cadeira para ela e me olhou de um jeito estranho, acho que ela deu alguma desculpa esfarrapada.

Depois do que aconteceu com Marie, eu fiquei mais atento. Fugia de problemas. Foquei na tela do meu blackberry e mordi um pedaço do pão de massa em formato de meia-lua. Toquei no contato de Sophie e liguei.

— Oi, vó!

Ouvi as reclamações dela conforme eu mastigava, ergui a cabeça e vi que Alícia me olhava, ela piscou discretamente.

— Eu sei! Tirei um dia para resolver alguns problemas em Paris.

Não falei nada acerca da filha do Marcello, pois até aquele momento, ele não havia contado a novidade aos pais dele. 

— Não tem nada a ver com a Nicky. — afirmei.

Queimei a minha língua quando tomei um bom gole do líquido quente da xícara, Alícia mordia o lábio inferior. Virei o rosto para o outro lado assim que o marido dela levantou a cabeça e fez o pedido à garçonete.

— Não se preocupe, voltarei para Lyon hoje! — Encostei a mão na minha testa e fitei o relógio. — Au revoir, vó! — Desliguei.

Mirei o rosto dela de soslaio, Alícia lambeu a calda de chocolate em volta da boca. Abaixei a cabeça e foquei na metade do croissante, evitei o olhar dela, o meu membro pulsava na calça. 

Chamei uma das garçonetes e perguntei onde ficava o banheiro mais próximo. Segurei as hastes dos meus óculos e mirei na direção que a funcionária sorridente apontou. Agradeci, tirei o casaco e coloquei na frente do meu quadril.

Alarguei os passos, não tinha quase ninguém no banheiro. Meus pés batiam contra o piso vinílico. Entrei em uma das cabines, fechei os olhos e relaxei, era difícil mirar o sanitário com o pau duro. Apesar da dificuldade, relaxei e aliviei a minha bexiga. Fechei o zíper da calça e coloquei o casaco. Tirei os óculos e joguei água no meu rosto.

— Algum problema?

O homem comprido, com os cabelos vermelhos e pele rosada me afrontou assim que atravessou a porta. Era o marido da Alícia.

— Não entendi!

Sequei o meu rosto com o papel toalha e coloquei os óculos.

— Por que você estava falando com a minha mulher?

— Ela se distraiu e nos esbarramos sem querer.

Eu compreendia a raiva daquele homem. Detestava os colegas da faculdade da Nicole, principalmente quando ela fazia alguns trabalhos do curso de administração em grupo.

Certa vez, fui buscá-la na faculdade e observei ela caminhando com um rapaz. Vi quando a Nicky se afastou e ele olhou para a bunda dela. Saí do carro, queria socar a fuça daquele babaca. Nicole correu e me abraçou, ela nunca distinguia o jeito como alguns homens a olhavam. 

— Doutor Bittencourt! — O obstetra de Josephiné saiu de uma das cabines. — Pedi para a enfermeira te avisar, mas ela não o encontrou.

Fui salvo pelo gongo, não que eu estivesse com medo de cair na porrada com aquele homem, só não queria ter problemas com a polícia se quebrasse a cara dele.

— Josephiné está bem?

— Oui! Ela está descansando, a bebê nasceu meia hora atrás.

O marido de Alicia disfarçou e coçou o nariz, a expressão dele suavizou.

— Eu vou visitá-la!

O médico assentiu com  a cabeça e enxugou as mãos logo depois de lavá-las. Esperei até que o obstetra saísse.

— Quer falar mais alguma coisa?

Empertiguei-me diante do homem que me observava de esguelha.

— Parabéns! — Ele esticou a mão.

Suponho que o marido daquela gostosa deduziu, ao ouvir a conversa,  que a bebê de Josephiné era minha filha. Girei os meus calcanhares e deixei o banheiro. No caminho, cruzei com Alicia e fingi que não a conhecia, embora eu quisesse fudê-la, não valia o risco.

O quarto da maternidade era aconchegante e bem arejado. Logo que entrei, reparei em alguns ursinhos e flores dispostos pelo quarto. 

— Ganhou presentes? — questionei.

— Os meus pais enviaram — murmurou ela, parecia cansada. — Eles estão na Grécia.

Uma enfermeira atarracada passou pela porta. Ela trazia a bebê embrulhado numa manta rosa.

— Excusez-moi! — Meneou a cabeça para mim e foi até a cama onde Josephiné estava deitada. — Alimentei a sua filha com um leite especial, mas você precisa amamentar, madame Le Blanc.

— Non! — Ela deitou a cabeça para o lado oposto.

— Josephiné, você precisa cuidar dela! O recém-nascido precisa do leite materno — argumentei.

— Tire-toi! — ordenou ela, mas eu não acatei.

Cheguei mais perto da mulher com uniforme todo branco e olhei aqueles lindos olhos pequenos de água-marinha da nenê.

— Quer segurá-la? — A enfermeira deu um riso contido.

— Claro!

Joguei o casaco na poltrona do canto e higienizei as minhas mãos. Era a primeira vez que eu segurava um bebê. Ajeitei a nenê nos meus braços com certa dificuldade. A pele dela era tão clara quanto a neve. A mão pequena segurou os meus dedos. Aquele sorriso vazio me fez gargalhar. Imaginei como seria se eu tivesse uma filha. Se a Nicole me desse uma menina, seria a minha princesinha.

Avistei a expressão pálida de Josephiné, ela não estava bem. Marcello precisava cuidar da noiva para que ela não desenvolvesse depressão pós-parto.

— Você ainda está aqui?

Aquele otário entrou no quarto como se nada tivesse acontecido.

— Tem mais de 48 horas que você sumiu. Vim até Paris para  te procurar, seus pais estavam  preocupados. — Eu Menti. Não queria dar mais motivos para eles brigarem. Entreguei a bebê para a enfermeira. — A sua noiva estava com contrações quando eu a encontrei, então eu a trouxe para o hospital.

— Te agradeço! — Curioso, ele se aproximou da enfermeira e olhou para a menina. — Posso segurar a minha filha?

— É claro, doutor Bordeaux! Sente-se ali por gentileza!  

A enfermeira elevou o queixo indicando a poltrona branca ao lado da cama. No começo, o meu amigo estava meio sem jeito, mas com a ajuda da enfermeira, ele envolveu aquele pequeno ser humano nos braços.

— Vocês já escolheram o nome?  

Observei ele de longe enquanto vestia o meu casaco acolchoado. Aquele hospital era frio demais.

— Minha princesinha se chama Marcelly.

O rosto oval de Marcello se iluminou quando a bebê sorriu. Aquele momento era dele e eu não queria atrapalhar. Dei alguns passos até a porta e parei assim que ele me chamou.

— Alexander, você quer ser o padrinho da minha filha? 

— Claro! — Sorri. — É uma grande honra!

— Se alguma coisa acontecer comigo, promete que você cuidará dela por mim?

— Eu prometo! — respondi determinado.

Fiquei lisonjeado com o pedido do meu melhor amigo, porém precisava dar o espaço, Marcello finalmente estava lá para cuidar da família.

— Eu preciso voltar para Lyon, minha avó tem espiões no hospital e me ligou o dia todo. Se precisar de alguma coisa, não hesite em ligar!

Fui até ele e me despedi com um aperto de mão, então, me retirei do quarto.

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