Caíque— Quanto tempo — reafirmo, estendendo a mão para ele, que aceita e aperta com a sua. — E faz tempo que estão juntos?Minha irmã ri, segurando no braço dele.— Faz três anos. — Ri ainda mais quando não consigo esconder o meu susto. — Você não estava muito disponível para se atualizar das novidades.Preciso aceitar sua resposta atravessada calado. Eu falhei nesse quesito com ela, assim como não sou próximo dos nossos irmãos. Por me sentir inadequado até com eles que são meus familiares, me fechei no meu canto seguro e não fui presente.— Estou subindo — aviso, indo em direção à escada.— Não quer jantar? — minha mãe questiona.— Não estou com fome. Vou tomar um remédio para dor de cabeça e deitar, conversamos depois. — De costas para eles, continuo. — Boa noite.Todos respondem.— Foi bom te ver, cara — o namorado da minha irmã fala.— Digo o mesmo.Subo as escadas, ainda meio atordoado com a quantidade de lembranças que essa casa me traz. Os corredores são os mesmos, o cheiro ta
MayaraO despertador toca às seis e meia da manhã, mas eu já estou acordada desde as quatro. Sempre estou. O hábito de antecipar o dia me impede de realmente descansar até o último minuto, como deveria. Viro o rosto e vejo Gustavo ainda encolhido debaixo do edredom, respirando tranquilamente. O cabelo castanho está todo bagunçado, o rosto redondo amassado e sua fisionomia serena me faz sorrir. Por alguns segundos, fico apenas observando, aproveitando o silêncio antes da correria. Ele está crescendo tão rápido, já sinto saudades de quando ele era um pacotinho e eu o carregava nos braços para todos os lados.Passo a mão por seu rosto, acariciando sua testa, descendo pelo nariz pequeno e indo até sua bochecha. Repito o movimento diversas vezes, desejando guardar na mente todos os detalhes da sua fisionomia.Obrigo-me a começar o dia, não dá para adiar muito. Inclino-me sobre ele e passo a mão em seu cabelo com carinho.— Gu, hora de acordar, meu amor.Ele resmunga e se vira para o outro
CaíqueO sol já começa a baixar no horizonte, tingindo o céu com tons dourados e alaranjados. O calor do dia cede espaço a uma brisa morna que passeia entre as ruas movimentadas da cidade. Estou sentado no banco atrás do volante do carro, observando as pessoas indo e vindo, enquanto espero a ligação do meu pai com o retorno da reunião que teve com o gerente do banco. Mais um dia resolvendo problemas financeiros da família. E mais um dia tentando organizar o caos que encontrei quando voltei.Solto o nó da gravata em volta do meu pescoço, quero respirar e parece que está difícil essa simples ação. Passo a mão pelos cabelos, bagunçando-os. Nunca pensei que minha volta fosse me trazer tantas lembranças. Cada esquina dessa cidade parece conter um pedaço da minha história. Algumas, boas. Outras, nem tanto. Quando estou ocupado com trabalho, me distraio um pouco, mas enquanto espero o meu pai, fico dessa forma saudosa observando tudo e relembrando do que não deveria.Meu olhar vagueia sem co
CaíqueEu não deveria estar aqui.Pelo menos, não agora, parado na entrada desse café, observando o ambiente como se fosse um intruso. Mas alguma coisa me prende ali, parado no mesmo lugar. Talvez seja o cheiro familiar de café recém passado misturado com pão quente, ou talvez seja a maneira como tudo parece ter mudado e, ao mesmo tempo, permanecido exatamente igual.Ou talvez seja por ela.Meu olhar se fixa em Mayara antes mesmo que minha mente registre o que está acontecendo. Ela está apoiada no balcão, concentrada na tela do celular. Os cabelos estão presos em um coque alinhado, uma mecha solta de cada lado, roçando suas bochechas. Ela franze a testa por um segundo e, sem aviso, ergue os olhos. Vira para o lado e me vê.Como sempre acontece quando nossos olhares se encontram, o tempo para.Ainda não sei o que esperar a cada vez que nos esbarramos. Nas outras vezes, discutimos, mas agora preciso falar com ela e estou tentando descobrir uma forma de não escalonar e tudo piorar. Seu o
MayaraO cheiro adocicado do café ainda paira no ar enquanto caminho pela calçada de paralelepípedos, segurando a pequena mão do meu filho. O céu tem um tom dourado, típico do final de tarde, e a brisa fresca anuncia que a noite logo tomará seu lugar. Meu coração, no entanto, pesa como se estivesse carregando o próprio crepúsculo dentro de mim.Ele quer conversar. Caíque quer conversar depois de anos e eu sei o motivo.Aperto mais a mão do meu filho instintivamente.O seu pedido de uma conversa ainda ressoa em minha cabeça, como um lembrete incômodo de algo que evitei por tempo demais. Sete anos. Sete anos em que construí uma vida, em que aprendi a ser mãe, em que enterrei segredos no fundo da minha alma, esperando que jamais fossem desenterrados. Mas agora ele está de volta. E quer conversar.Ele parecia desesperado, ansioso pela minha resposta. E se eu falasse que ele é o pai do Gustavo? Ele acreditaria? Ia querer se aproximar, ou, ia ficar bravo e tentar tirar o meu filho de mim?—
Mayara— O seu sobrinho preferido chegou! — Gustavo grita assim que a porta se abre e o meu amigo Daniel aparece.— O meu sobrinho preferido chegou! — o adulto grita de volta e abre os braços para receber o meu filho. Gustavo corre de encontro e pula em seu colo, meu amigo o pega e eles se abraçam ao mesmo tempo que pulam e gritam animados.— Vocês parecem duas crianças — implico, e eles riem.— Estava com saudades do tio — meu filho explica.— O tio também. Tenho jogos novos para brincarmos. — Ergue as sobrancelhas e me filho ergue os braços com punhos fechados.— OBAAAAA!— Entrem. — Dá espaço para eu passar e nos cumprimentamos. Fecha a porta e seguimos o som vindo da cozinha.— Chegamos! — aviso minha amiga que está de costas. Ela seca as mãos e se vira.Nos abraçamos em cumprimento e ela abre os braços quando se aproxima do Daniel com o Gu no colo.— Oi, meu amor. — Gustavo se joga para ela que o pega. Eles se abraçam e ela o enche de beijos. — Ai, que saudades de você.— Também,
MayaraMeus dedos tremem enquanto digito a mensagem. A luz fria da tela do celular ilumina meu rosto, refletindo a incerteza que sinto. As palavras parecem simples, diretas, mas carregam um peso que sei que nunca poderei aliviar.Oi, Caíque. É a Mayara. Podemos conversar hoje? Você pode me encontrar no café da praça?Aperto enviar antes que minha coragem vacile. O celular permanece imóvel por alguns segundos, mas cada um deles parece se arrastar como uma eternidade. Então, a resposta chega.Caíque: Estarei lá.Sinto o coração acelerar e respiro fundo, tentando me convencer de que fiz a coisa certa. Mas será que existe uma maneira certa de contar algo assim? Sete anos de silêncio, de decisões unilaterais, de segredos guardados tão profundamente que quase me convenceram de que estavam seguros para sempre.Mas agora, não há mais escapatória.************************************************************************************O café está relativamente vazio quando chego. Escolho uma mesa
Caíque Ao ouvir a confissão de Mayara, é como se o chão sob mim cedesse, um vazio se abrindo dentro do meu peito. Meu corpo se tenciona, cada músculo preparado para reagir, mas não sei como. Raiva, tristeza, frustração… Tudo se mistura de uma vez só.Sei que fui rude em minha explosão, quando Mayara fecha os olhos por um instante, e quando os abre novamente, estão marejados. Mas eu não me deixo levar por isso. Não agora.Tento raciocinar, mas o peso dessa revelação é esmagador. Sinto uma perda que não deveria existir, um tipo de luto por todos os anos que perdi sem saber que tinha um filho.— Podemos conversar depois? — peço. — Sobre como vamos lidar com isso?— Sim.— Então, nos falamos depois. Preciso ir embora. — Não espero por sua resposta. Me levanto, pegando minhas chaves.Ela apenas observa enquanto me afasto. Sei que há muito mais a ser dito, mas agora, eu só preciso sair daqui e respirar.*********************************************************************Dirijo sem rumo p