Anne,Nos primeiros dias em casa, eu não desgrudo do Eduardo nem por um segundo. Sei que ele tá melhorando, mas ainda tá fraco, e eu fico de olho em cada movimento, cada suspiro, só pra garantir que ele tá bem. Sempre levo e busco a Sophia na escola, e conto com ajuda dela na recuperação do Eduardo, ela ajuda muito.Preparo a comida dele, ajeito os travesseiros no sofá, trago remédios nos horários certos, faço questão de cuidar de tudo. Ele tenta se mexer sozinho, mas logo percebo que ainda sente dor e, mesmo sem reclamar, eu sei.— Não precisa ficar me mimando tanto, Anne — ele diz, meio rindo, tentando esconder o incômodo.— Preciso sim, quem mandou me dar esse susto? — respondo, jogando uma almofada leve nele, mas com um sorriso. No fundo, gosto de cuidar dele assim, me sinto útil, me sinto mais perto, principalmente porque se não fosse ele, aquela doida poderia ter machucado a nossa filha.Mas, conforme os dias passam, o hospital me chama de volta. As mensagens começam a chegar e,
Anne,Entro na sala de cirurgia com o coração pesado, mas tentando manter o foco. O chefe interino já tá de luvas, máscara, e a equipe toda a postos. Fico do lado, observando tudo de perto, mesmo com a raiva fervendo dentro de mim. Queria estar ali, conduzindo a cirurgia, mas ele me tirou essa chance. Agora, só posso assistir e esperar o melhor.A cirurgia começa, e logo de cara dá pra ver que a situação é pior do que pensávamos. O sangramento tá descontrolado. O chefe tenta estancar, mas a cada segundo que passa, parece que as coisas pioram. O monitor apita mais rápido, os sinais do menino ficam instáveis, e o desespero começa a tomar conta da equipe.— Precisamos mais compressas, agora! — ele ordena, a voz ficando tensa. — Coloca mais uma bolsa de sangue também, andam! — Eu vejo a correria ao redor, mas não posso fazer nada além de assistir. Minhas mãos coçam pra ajudar, pra fazer alguma coisa, mas tô travada, impotente.De repente, o bip contínuo que eu tanto temia. O monitor mostr
Anne,Alguém bate na porta e eu mando entrar. A Helen se senta com um olhar preocupado comigo, vendo o meu estado.— Oh, Anne, me conta o que está acontecendo com você, minha amiga?— Como pode tudo mudar de repente? Antes eu trabalhava todas as noites, uma noite como enfermeira, outra como socorrista. Mesmo ficando todos os meses a beira do vermelho, eu tinha paz, tinha sossego, ninguém tentava contra a minha vida e nem contra mim.Pondero um pouco, respirando fundo e soltando o ar com tranquilidade, tentando me acalmar por dentro.— Mas aí, conheci o Eduardo e tudo virou de ponta cabeça. Ganhei ele, ganhei a Sophia, ganhei até um bebezinho, mas o perdi. Como uma vida pode mudar tanto, Helen? Me diga.— Eu não sei, amiga. — Ela puxa a cadeira e se senta do meu lado. — Mas de uma coisa eu sei: você é forte, é lutadora, nada te derruba e quando tentam, você passa a rasteira antes. Pode ser que tenha acontecido isso tudo com você, ou até mais, mas quem está aqui agora é você. Se tiver q
Eduardo,Ela solta um suspiro e se senta na cadeira. Seus olhos se encontram com os meus, e ela vai me contando o que aconteceu aqui com o menino de oito anos que morreu na mesa de cirurgia.— Nas você viu como ele estava? Auxiliou ele?— Não, ele não me deixou. Só fiquei assistindo, mas só cheguei perto quando o coração dele parou pela primeira vez.Ela continua a contar, e até mesmo quando ele veio falar com ela sobre ela não estar psicologicamente bem.— Vou conversar com ele. Vamos ver o que ele vai me contar. Te prometo contar tudo quando eu voltar. — Me levanto da mesa e me aproximo dela, dando um selinho em seus lábios.Ela me segue até o elevador, desce no andar dela, e eu vou até a sala dos médicos para ver se encontro ele lá. Ele está se arrumando, e eu me aproximo dele.— O que você queria falar comigo?— Sobre a sua esposa. Ela foi antiprofissional comigo dentro da minha sala de cirurgia. Eu não falei nada para não ficar feio para nós dois, pois poderíamos ter entrado em c
Eduardo,Dou ré e vou para os fundos, e encontro com ela lá. Acelero, tirando a gente de cena.— Eu não acredito. Pedimos para esse assunto não ir para a mídia.— As amigas da Sophia já estão sabendo. Temos que mudar ela de escola também. — Anne olha para trás e eu olho pelo retrovisor. Ela está de cabeça baixa ainda, triste com o que está acontecendo. Anne olha para mim e passa para o banco de trás, e se senta com ela, a abraçando em seu colo.— Olha, minha pequena, você não precisa ficar triste, porque você não tem culpa de nada. Você é uma criança e quem fez maldade com você que precisa ter vergonha. Não fica assim, você me deixa triste quando está triste.— Desculpa, mamãe. — Olhando alternadamente para a estrada e para o retrovisor, vejo aquele momento único das duas.— Já sei, vamos para Ilha Bella, vamos nos hospedar lá. Fica mais difícil para eles irem atrás de nós. Anne, liga para o chefe e fala o que está acontecendo. Liga para a assistente social e pergunta quem foi que vaz
Eduardo,No outro dia pela manhã, Anne pediu para eu não ir hoje para são Paulo, pediu para aproveitar o dia junto com a Sophia como uma viagem de família, porque nossa missão hoje, era fazer a Sophia sorrir novamente.Mas ver ela daquele jeito, meio desanimada, com aquele sorriso forçado, me deixava com um aperto no peito. Eu sabia que a última coisa que ela precisava era de um monte de gente falando sobre o seu pesadelo como se fosse uma novela a ser assistida por todos. Então, vou ficar e amanhã eu vou resolver isso. Mas de amanhã não passa.Depois do café da manhã no quarto , nos três fomos caminhar pela areia, e eu dei um jeito de chutar a água do mar pra espirrar na Sophia. Ela olhou meio surpresa, com aquele brilho no olhar que eu tanto conhecia.— Ah, é herói, você me molhou. — ela fala, tentando me acertar de volta.— É claro! A gente tá no mar, Sophia. Aqui, qualquer tristeza fica do lado de fora. — respondi, tentando manter o clima leve. Peguei uma folha de coqueiro caída
Eduardo,Eu não consigo tirar da cabeça o que fizeram com a Sophia. Depois de tudo que ela já tinha passado, ainda veio esse monte de gente enfiando o nariz na nossa vida e espalhando para todo lado. Ainda dirigindo de volta pra São Paulo, meu sangue ferve. Eu olho pela janela, vendo a estrada passar, e só penso em uma coisa: descobrir quem foi que jogou nossa privacidade no lixo.Assim que chego, vou direto pra onde sabia que tinha que ir: a redação daquele jornal que publicava qualquer coisa pra ganhar audiência. Chego sem aviso. Respiro fundo antes de entrar, porque eu sabia que precisava me controlar, afinal, o que eu queria mesmo era quebrar uma mesa ou duas só pra começar.— Eu quero falar com o responsável pela matéria sobre a minha filha. — disse, encarando o recepcionista. Minha voz não saiu baixa, e umas pessoas ao redor já começaram a olhar.— E quem é a sua filha senhor? — Tenho certeza que você sabe de quem estou falando, já que a única notícia de criança que teve de ont
Eduardo,Entro na casa dele com um pé atrás, pois sinto como se algo de ruim fosse acontecer. Mas deixo ele passar na minha frente, e fico observando tudo ao redor.— Sente-se, Eduardo. Quer beber alguma coisa?— Não, obrigado. — Melhor é não aceitar, vai que ele queira me envenenar. — Quero que diga porque espalhou o caso da Sophia?— O meu pai é advogado de defesa, ele estava no caso do pai dela e me contou sobre o que aconteceu. Eu sou pediatra, e acho que é meu dever alertar as outras famílias. Se apareceu um caso assim nos noticiários, as mães ficarão mais atentas aos seus filhos em casa.— Isso não é de hoje que acontece. Sabemos que tem muitos casos e muitos já foram parar na mídia. Mas eu pedi para os policiais, assistente social e tudo mais que não divulgassem o caso dela para não a expôr. Você não tinha esse direito.— Tinha e tenho, não vou me omitir diante disso.Meu sangue ferve todas as vezes que esse desgraçado abre a boca, e estou a ponto de fazer ele engolir a língua