Capítulo 02: Puro Problema

[OLIVER]

Piso para fora do avião depois que todos os passageiros desembarcaram, como manda o protocolo. O corredor é espaçoso, com grandes janelas de vidro que dão uma visão da pista de pouso e decolagem, o céu claro e limpo, bem azul, e muitos prédios a perder de vista. Devia ser proibido um aeroporto tão próximo da cidade!

Ando lado a lado com o policial até a sala de desembarque, onde dois seguranças do aeroporto me esperam. A porta de vidro desliza abrindo-se e o policial me empurra na direção de um terceiro homem no recinto. Meu pai biológico. Marcus. A primeira vez que o vi eu nem me lembro e da segunda, fiz questão de não olhar muito. Ele tem a barriga saliente demarcada na linha que separa sua calça jeans cinza e a camisa polo Ralph Loren. No pulso, um enorme relógio Montblanc capaz de atrair assaltantes há quilômetros de distância. Seu rosto é rechonchudo, contornado por uma barba mesclada com fios grisalhos e os olhos azuis como os meus.

Isso é mesmo necessário? — Ele pergunta com a voz grossa e forte feito trovoada. Percorre minhas roupas com o típico ar de desgosto. Sou aquele tipo de pessoa que conquista antipatia com o primeiro olhar. É como ser Don Juan, só que do avesso.

Os policiais trocam olhares um com o outro e tiram as algemas. Meu pulso direito está doendo um pouco e passo a mão ao redor da marca da algema. Ficou um vermelhão. Achei também um exagero esse negócio de algemas!

Seja bem-vindo! — Uma pessoa me abraça forte. Percebo então que havia mais gente na sala, uma mulher de batom rosa choque “passado”. Loira, de cabelos curtos.

Vou arriscar dizer que essa é Sueli, a esposa do meu pai. Ela me beija no rosto. O perfume Chanel nº5 evapora de um jeito que me deixa com náuseas e… Nossa, minha mãe nunca usaria um vestido tão curto.

É, seja bem-vindo, cara. — Do outro lado, um rapaz estende a mão para mim. Ele tem os cabelos castanhos cacheados e usa uma camiseta esportiva. — Como foi a viagem?

Monótona. — Respondo por entre os piercings pretos, com voz desinteressada. Aperto a mão do meu meio-irmão que até dois dias atrás nem sabia que existia, sem muita vontade.

Pois é. Eu não sabia. Devo ser a pessoa mais desinformada do mundo, mas pelo que meu ex-padastro me falou temos uma diferença de idade de alguns meses. Ele é de Julho e eu de Novembro. A história seria cômica se não beirasse o trágico. Enquanto era casado com minha mãe, Marcus reencontrou a namorada do colégio e descobriu que ainda a amava, pedindo assim o divórcio. Durante o divórcio as duas ficaram grávidas. Minha mãe me contou que tentou abortar a pedido do ex-marido, mas não deu certo. E eis porque todo mundo tem que aguentar a minha existência!

Sou um aborto que não deu certo, palmas para mim!

Olhar para Adam (esse é o nome do meu meio-irmão), causa um efeito estrambólico no meu cérebro. Não nos parecemos em nada. Nada mesmo. Adam é vinte centímetros mais alto que eu (e eu não sou baixo, tenho 1,77) é mais forte, mais atlético e sei que ele faz parte do time de basquete do colégio. Sua pele é bronzeada pelo sol e certamente esse cara é popular na escola. Eu sou um vampiro: odeio sol, pessoas e gostaria de me enterrar… se possível: imediatamente!

Entenderam agora porque toda essa mudança é difícil demais para eu absorver? Minha vida virou de pernas para o ar e acreditem, ela já estava semelhante a um trem descarrilhado.

Está com fome, querido? Quer comer alguma coisa? — Sueli pergunta, passando o braço pelos meus ombros guiando-me para longe de Marcus e dos policiais, ensaiando ser simpática.

Estou morrendo de fome, mãe. — Adam responde. Eu fiquei mudo. — Podemos ir naquela lanchonete que vamos sempre, o Oliver vai adorar!

Oliver é muito formal para mim. Sério, quem é que na hora de escolher o nome do filho escolhe um nome com três sílabas hoje em dia? Minha mãe me chamava de Ollie.

Vamos deixar o Oliver escolher dessa vez, o que me diz? — Sueli quer me agradar, mas sua voz vacilante a entrega: essa mulher está pisando em ovos. — Onde quer ir? Que tal no Outback? Lá pode ser muito picante, talvez prefira uma churrascaria?

Desde que a gente coma logo! Você tem noção que estamos esperando o seu voo desde de manhã? — Adam fala passando a mão na barriga para demonstrar o quanto está esfomeado.

Essa família é uma caricatura por completo.

Tanto faz, eu não como carne. — Dou de ombros. Nem sinto fome, só para constar.

Nossa, que bichinha! Tem "dózinha" dos "animaizinhos" é? — Adam faz escárnio.

Adam! — Sueli o repreende.

O interessante é que não sou eu falando no diminutivo. — Reviro os olhos.

Cara, você é demais! — Adam dá risada e coloca as duas mãos na cintura, olhando bem para mim, como quem não acredita que eu existo. — Não posso esperar para meus amigos conhecerem você.

Amigos? Ai, isso me apavora. Eu não gosto de fazer amigos. Ponto.

Que bom que vocês já estão se dando bem. — Marcus acrescenta ao espetáculo enquanto confere as horas em seu super-relógio. — Estou com fome, espero que ainda estejam com nossa reserva na churrascaria.

Ah, sabia que você não ia me decepcionar! — Adam comemora como quem faz três pontos em um arremesso.

Querido… — Sueli puxa Marcus de lado e sussurra o que todo mundo é capaz de escutar. — Oliver é vegetariano.

Ah, deve ter salada por lá. — Marcus não se interessa, colocando as duas mãos no bolso da calça jeans a procura das chaves do carro. Existe algo de errado nos arquétipos universais, pois quando se fala que é vegetariano, as pessoas pensam apenas em alface, tomate ou pepino. Marcus olha para mim, o peso do seu olhar está me analisando. — Cadê suas malas?

Ah… Meu pa… — Ops! — Gregory não me deixou trazer, vai m****r depois de revirar.

Os três me olham com cara de quem não entenderam nada, suas expressões retorcidas, sobrancelhas erguidas, bocas entreabertas… O de sempre. Ninguém compreende meu sarcasmo. Dou a eles alguns segundos para concluírem o óbvio, mas Marcus faz um comentário sem sentido.

Tudo bem, compramos um pijama para você depois de comer.

E eu empresto meu uniforme escolar. — Adam abre um sorriso. — Ei, você gosta de jogar basquete? — E nem me espera responder, passando o braço em um abraço incômodo enlaçando-me pelo pescoço. — Comprei o último lançamento do XBox da NBA, joguei umas partidas ontem... Podíamos chamar o Ryan e fazer um campeonato!

Acho melhor não. — Sueli logo o proíbe, o que não foi tão ruim assim, pois detesto jogos de esportes. — Deixe para amanhã, Oliver deve querer descansar da viagem.

Ah, claro. — Adam solta meu pescoço quando paramos em frente ao Corolla preto de Marcus.

Acho que posso assumir que enquanto minha mãe sofria para pagar o aluguel do apartamento de dois cômodos que morávamos, meu pai biológico estava nadando na grana, certo? Não sei se tenho raiva ou fico triste, então prefiro nem pensar muito no assunto.

❀ ❀ ❀

Todos estão ocupados e adultero meu guaraná diet por baixo da mesa, com uma miniatura de licor importado Goldschlärger, 43% de álcool, furtada da mesa de bebidas por onde passei no caminho até o Buffet de verduras. A garrafinha vazia, deixo cair em baixo da mesa. Dou um largo gole na mistura horripilante e doce. Adam finalmente solta seu celular em cima da mesa, com ares aborrecidos. Lanço um sorriso quando na verdade, preciso fazer uma careta enojada. Que licor horrível! Pior que deve custar uma nota. Quem tem muito dinheiro nunca valoriza.

Você tem namorada? — Adam pergunta atirando seus olhos curiosos em cima de mim.

Não.

Que sorte! — Sorri animado. — Vou te apresentar as amigas da Joyce, estão todas solteiras. E tem gêmeas…! — Fala como se fosse algo muito erótico a existência de gêmeas, colocando as mãos perto do tórax, simulando o formato de peitos grandes. Talvez seja um pouco erótico. — A Joyce é minha namorada, sabe. — Por fim, pega de novo o garfo, no qual tem um pedação de carne quase cru e sangrento preso na ponta, que coloca na boca fazendo cara de que estava comendo um néctar dos deuses.

Dou mais um gole na minha bebida estranha. A ideia de conhecer os amigos de Adam me apavoram tanto quanto o pedaço de carne cru que ele engole.

Ela é bonita, mas tão virgem que chega a cansar… Vive dizendo que não se sente “pronta”. — Adam faz aspas com as mãos ainda segurando o garfo e de boca cheia, como se debochasse da situação da garota. — Sorte que a Vivian e a Cecilia estão sempre disponíveis, se é que você me entende! — Ele alcança a taça de refrigerante, com um bolo de comida na bochecha.

É acho que entendo… — Bebo o guaraná de gutiguti torcendo por minha mente anestesiar por completo. A vida dele não me interessa!

A Cecilia é mais fácil de levar pra cama, se quiser, agito as coisas para você. Teve uma festa lá em casa que transei com ela onde vai ser o seu quarto — Riu, divertindo-se de sua escapada. — É um escritório, sabe?

Aham… — Falo por falar, concordo por concordar.

Cara esse assunto te incomoda?

Que assunto?

Sexo.

Não… — Olho para os dois lados. Meu copo está vazio e eu preciso de um porre ou não vou conseguir dormir hoje.

Parece. — Adam faz uma careta. — Você é gay?

Não, aff. Que tipo de pergunta é essa? — Olho para ele indignado. — E se eu fosse, qual o problema?

Não, calma, foi mal. — Adam estende as mãos. — Só queria que você participasse mais da conversa, parece que estou fazendo um monólogo. Somos irmãos, temos que nos conhecer. — Ele se cala enfiando mais carne na boca.

A empolgação do Adam com minha mudança é única. Só ele parece estar feliz e falando sério, nem eu estou feliz. Com os olhos percorro todo o restaurante já traçando uma rota de fuga. Sueli e Marcus estão conversando entre si, sentados frente a frente e o que mais me incomoda é que eles conversam com olhares e não com palavras. É um sinal de que eu estou incomodando.

Pode falar. — Suspiro, encostando o queixo na mão.

Se te incomoda, eu paro, sério. Até porquê, agora que comecei a namorar a Joyce, fica impossível fazer essas coisas… Ela é supercontroladora, veja que ela me mandou trinta mensagens no W******p só na última hora, querendo saber quando vamos acabar aqui e se pode me ver ainda hoje… Que garota ciumenta!

Acho que garotas são ciumentas, em um geral.

Você já namorou alguém na vida?

Não, mas esse é um dos motivos pelos quais não tenho interesse em arrumar uma namorada.

Ei, já sei! Devíamos dar um pulo na casa dela, peço pra ela chamar as meninas, podemos fazer um churrasco amanhã, comemorar que você chegou!

Peraí, preciso ir ao banheiro. — Rapidamente levanto da mesa. Que parte de “sou vegetariano” tava difícil de Adam entender?

Quer que eu vá junto?

Não! — Meu Deus!

Calma, tava só te sacaneando. — Adam dá risada e continua comendo.

Reviro os olhos. Ando até a mesa de saladas, escolho mais uma garrafa em miniatura de qualquer coisa — uísques sempre tem o maior teor alcoólico e não são tão doces — enfiando-as no bolso da calça. Fujo na direção do banheiro masculino, mas antes, paro diante de um garçom que passava por ali:

Ei, tem um cigarro?

O garçom olha para mim desconfiado, mas percorre os bolsos da calça em busca do seu maço, sem sucesso. Faz que não com a cabeça.

Acho que deixei lá atrás.

Merda. Daria tudo por um cigarro.

Se quiser podemos ir lá juntos. É perto.

Vai sonhando, não vou chupar você.

Antes de entrar no banheiro, mostro o dedo do meio para o homem. É mole? Não era nem bonito para merecer o agrado. Lá dentro há um outro homem, arrumando as pias. Já vi em filmes banheiros tão chiques, mas não imaginei que fosse verdade, que tivesse um cara oferecendo toalhas para se secar as mãos. Parece até que eu fui abduzido para outro planeta!

Sento em um dos box, abrindo uma das garrafinhas de uísque que furtei. Bebo tudo de uma vez. Será que se ficar bêbado, meu pai biológico me colocaria no primeiro avião de volta para casa? O jeito é descobrir.

❀ ❀ ❀

Sueli e Adam estão com os olhos igualmente escuros bem abertos e amedrontados pelo susto. Marcus por sua vez, tem os olhos azuis confusos, um pouco perplexos pelo que acabou de presenciar.

Ele me joga com violência para dentro do carro:

Você nem chegou e olha o que causou! — Quase grita aborrecido e bate a porta comigo lá dentro.

Minha visão está turva, mas muito menos do que eu gostaria que ela estivesse. Estou bêbado e escoro a minha cabeça na janela enquanto olho meu pai biológico gritar alguma coisa com o gerente da churrascaria, fazendo escândalo. Eu daria risada, mas estou tão nauseado que não vou conseguir.

A porta do outro lado abre e fecha. Adam senta-se ao meu lado no carro, com a minha mochila entre nós. Abre a porta de novo e fecha com mais força.

Cara, cê tá bem? — Sua voz trêmula.

Não… — Coloco a mão no estômago. Ai que enjoo!

Meu, cê devia ter me avisado, eu quebraria a fuça daquele garçom! — Soa revoltado.

É…

O que foi que eu fiz? O arrependimento já me acomete. Sueli entra por uma porta, Marcus pela outra. A conversa chega pela metade.

Culpa! E o garçom confessou! — Marcus bate a porta com violência, irritado. — Eu só não chamei a polícia porque já tenho problemas demais, era caso de processo! — Ênfase em “problema demais”, que na verdade se resumem em mim, o adolescente infrator.

Coloco as duas mãos na cabeça quando percebo Sueli olhando para mim. Ela tem um olhar desconfiado igual ao de Gregory. Aposto que ela não se convenceu nem um pouquinho da minha história… Bem, talvez ela seja a única com bom senso aqui dentro do carro.

Oliver… — A mulher coloca a mão na minha perna, chamando minha atenção, passando o braço por entre os bancos de couro cinzento. — O garçom falou mesmo para você, bem…? — Ela não tem coragem nem de dizer.

Com todas as letras. — Respondo. É uma mentira deslavada, mas agora que já menti, preciso sustentar a situação. Curvo-me abraçando minha mochila, para não ter mais que responder. Sueli faz um som, mais semelhante com um grunhido, horrorizada.

Que absurdo! — Marcus bate a mão no volante antes de dar ignição no carro. Canta pneu enquanto manobra o veículo para fora da churrascaria.

Eu devia ter quebrado o cara. — Adam sentencia, especialmente revoltado, tendo que se segurar na alça da porta para não voar com a curva acentuada que o sedã de luxo faz. — Mas que ideia idiota hein, ir ao banheiro e beber!

Adam. — Sueli o repreende, fazendo o assunto soar indelicado. — Algumas pessoas são mais… Sensíveis.

Odeio o fato de que ela não consegue dizer as palavras. Odeio!

O melhor que fazemos é irmos para casa. Vamos passar uma borracha nesse assunto. — Marcus encerra.

Casa. A palavra está muito distante de seu real significado ou do local onde eu pretendia ir. Acabo pegando no sono com a mente anestesiada pelo álcool.

❀ ❀ ❀

Sabe a desvantagem de ter dado um show nas primeiras horas? Chamei a atenção de Marcus para o fato de que ele precisava trancar o bar. É madrugada, tento abrir o armário de bebidas e encontro um cadeado de senhas preso à fechadura. Suspiro vencido. Que droga.

Estou com pijamas de Marcus, claro, quem teria ânimo para comprar pijamas como prometido quando eu virei a tarde de pernas para o ar? E sim, eu tenho consciência dos meus atos, apenas não ligo muito para a consequência deles. Meu estômago ronca. Estou com todos os efeitos da ressaca: sede, dor de cabeça, enjoo… mas terei que me contentar com um comprimido para dor de cabeça.

Vou até a cozinha em busca de alguma coisa, mas só encontro uma cartela de remédio para alergia respiratória. Tomo mesmo sem precisar, torcendo para causar qualquer efeito que me deixasse sonolento. Viro do avesso os armários da dispensa e encontro um maço de cigarros esquecido na lavanderia por alguém, de marca importada. Que irônico. Pelo visto não sou só eu que faço coisas escondido por aqui. Tiro um cigarro e acendo no fogão. O gosto da nicotina me coloca em paz por uns instantes.

Abro a geladeira e percebo que alguém esqueceu uma garrafa de vinho na porta. Está pela metade, deve ser usada para cozinhar. Gregory nunca se esqueceria de uma garrafa, ele sabe que tenho tendências a misturar remédio com bebida.

Bebi quase tudo em um gole só. Meu amigo Tony me ensinou um truque: nunca beba tudo, misture o restinho com vinagre e água. Devolvo a garrafa no mesmo lugar que encontrei. Minha mente não me deixa em paz nem aqui, pois logo me recordo de que fui expulso de casa.

Acho que qualquer um me expulsaria na atual situação. Ando até o sofá da sala e deito-me por lá. Encosto a cabeça na almofada e durmo quase que imediatamente, de tão cansado. Acordo poucos minutos depois, ainda é noite e Marcus berra no telefone sem notar que estou bem aqui e posso escutá-lo.

Você acha mesmo que ele seria capaz de inventar uma coisa dessas só pra se safar? Você é louco, Gregory! É por isso que o menino está desse jeito! — Ênfase extrema no “desse jeito”. — Eu sei que ele vive se metendo em confusão, eu li o relatório do B.O., não sou analfabeto! — Uma pequena pausa. — Mas é claro que eu mandei demitir o garçom, o que você acha?

Sinto uma pequena pontada de remorso. Eu não queria causar a demissão injusta de ninguém, só criar uma confusão grande o suficiente para que Marcus me mandasse de volta para casa. As consequências foram piores do que as que imaginei. O garçom deu em cima de mim, mas ele não fez o que eu disse que tinha feito. Sou terrível.

Ah, como você é cara de pau, Gregory, agora quer saber se o moleque está bem! Todo o dinheiro que te dei não foi suficiente? Desapareça! Faça o favor de não me ligar mais! — Marcus bate o telefone na mesa com um estrondo assustador. Passa rapidamente pela sala, subindo as escadas para o segundo andar e dali de baixo escuto a porta do quarto bater.

Jogo as costas contra o sofá e cubro os olhos com os braços. Lá vou eu de novo para o fundo do abismo que existe dentro de mim. Sinto vontade de chorar, mas não consigo realmente colocar para fora. Meus pensamentos viraram um turbilhão de vozes na cabeça. Eu sei que Gregory deve me odiar agora, por tudo o que eu causei.

Todos me abandonam, uma hora ou outra. Primeiro foi meu pai que me abandonou quando eu era um bebê, depois foi a minha mãe e por consequência, Gregory. As pessoas vão embora quando se cansam de mim. É uma pena que eu não possa ir embora de mim mesmo.

❀ ❀ ❀

Acordo com o som de batidas pesadas. Uma droga de rap qualquer que fala sobre morrer na favela e trocar tiro de escopeta. Cubro a minha cabeça com o travesseiro tentando abafar o som, mas não adianta nada. Ergo os olhos e espio o relógio digital em cima do criado-mudo de madeira ao lado da cama de Adam.

10h37min da manhã!

Atiro o travesseiro em Adam que está sentado na cama, bem ao lado, ouvindo música enquanto usa o tablet.

Ai, Ollie! — Adam reclama e se senta melhor na cama, afastando o travesseiro para o lado. Ele está de calça jeans, tênis e uma camiseta polo listrada branca e amarela.

Sai daqui, Adam me deixa dormir! Tá de madrugada ainda!

Se liga, mané, são quase onze horas!

Hoje é domingo! Quem acorda cedo de domingo?

Eu! Acordo cedo de sábado e domingo. As sete. Já tomei café, fui à quadra treinar basquete e tomei banho. Você que é preguiçoso!

Desliga esse lixo de música! Eu quero dormir! — Reclamo e viro para o outro lado, cansado.

O que tem de errado com a minha música? Eu gosto. Identifico-me com as letras.

Como você pode se identificar com uma música que fala de morrer na favela morando numa casa dessas, Adam? — Viro a cabeça de novo para ele, mas tenho que tirar a franja de cima dos meus olhos.

Ué, o que é que tem? — Adam me encara com uma expressão de espanto, procurando entender o que fez de errado, seus cabelos enrolados no alto da cabeça concedem a ele um ar inocente de irritar.

Tem uma quadra no seu quintal! — Berro. Não é impaciência, é mais espanto. Tem uma droga de uma quadra no quintal! — Você é um riquinho mimado que tem tudo o que quer. O que você acha que entende do que essas pessoas passam de dificuldade?

Riquinho mimado? — Ele repete com desgosto, mas nem por isso perde a paciência. — Compreendo que o mundo tá uma bagunça e precisando de melhorias. Tenho que fazer minha parte reciclando lixo, não desperdiçando água, luz… e oportunidades.

Adam bate os ombros e larga o tablet na cama, endireitando-se. Não acredito que escutei isso.

Fico impressionado. — Reviro os olhos, entojado e me sento. — De que adianta reciclar lixo, poupar água e luz, se na primeira oportunidade você come um animal que foi torturado e morto?

Que cê tá falando, cara?

Que você não se preocupa além do superficial. Você finge que tem consciência ambiental, mas não tem.

Nem você! Você ouve músicas que nem falam de nada!

Você nem sabe o que eu escuto!

Sei sim, tava ouvindo no seu iPod.

Mas quê? — Ele mexeu nas minhas coisas?

Sem contar que é um hipócrita! — Adam fica em pé. Ergo uma sobrancelha tentando compreender o que ele quer dizer com isso e é melhor ele se explicar. Adam coloca as duas mãos na cintura e fala em ares superiores. — É vegetariano, mas usa um coturno de couro!

Foi um presente! — Defendo-me em vão.

Na real, sei que sou um hipócrita. Ele tem razão, mas não vou admitir para dar a ele o gostinho da vitória. Não sou vegetariano por possuir uma consciência ambiental, eu só não consigo engolir algo morto. É nojo.

Ainda assim usa! — Alfineta-me com um sorriso virando de lado pela bochecha direita, como se tivesse vencido alguma aposta. — E levanta, logo mais meus amigos estão vindo aí te dar as boas vindas.

Ai, não! — Enterro minha cabeça contra o travesseiro fofo. Cubro minha cabeça com os braços. — Não quero conhecer ninguém!

Deixa de ser criança, Ollie! — Ele ri. — O treinador já chegou para ensinar os cachorros a não atacarem você, então se mexe.

Cachorros? — Sento-me e coço os olhos, mais interessado na conversa. — Você tem cachorros?

Tenho três. Dois pastores alemães e um fila brasileiro que é basicamente um cavalo de tão grande. Os pastores podem arrancar seu braço, mas o fila é dócil. Gosta de cachorros?

Eu sempre quis ter um cachorro, mas a minha não queria.

Não queria?

Morar em apartamento nem sempre dá pra ter cachorro.

Hm. — Adam faz com uma expressão de nulidade. — Mas você podia ter pedido um poodle!

Uma vez levei um cachorro que resgatei da rua para casa, fiquei de castigo por um mês! — Dou risada só de lembrar da cara da minha mãe. Era um filhote, vira-lata. — Era um vira-lata preto, mas tinha uma mancha caramelo no peito. Dei o nome dele de Bruce Wayne.

Aposto que o castigo valeu a pena! — Ele se diverte com a história.

Nada. Ela deu o cachorro para alguém, não sei quem foi e nunca mais vi o Bruce Wayne…. — Torço toda a boca em uma expressão contrariada.

Que cruel! Acho que ela não gostava mesmo de animais! E aí, vai se trocar? Empresto uma roupa.

Certo. — Fico em pé, enfim. O melhor que faço é concentrar-me em outros aspectos. — Como se chamam seus cachorros?

Os pastores se chamam Frida e Thor, é um casal capa preta… e Zeus é o fila. — Adam vai até o armário.

Por que não deu o nome dele de Odin?

Ia ser muito óbvio. — Adam puxa uma camiseta vinho com letras cinzas que se assemelhavam a um retalho. Jogou em cima de mim. Ele não espera que eu vista isso, espera? — Minha mãe lavou sua calça, enquanto suas malas não chegam. Você vai ter que usar ela de novo.

Sem problemas, não é como se eu tivesse tantas calças como você. — Dou de ombros.

❀ ❀ ❀

É tarde de outono, o vento bate gelado, mas sinto calor. Estou suando de medo enquanto Zeus está rosnando para mim.

É uma questão de costume, acho que treinando mais uns dias, Zeus se acostumará. — Nelson, o treinador, explica para Marcus.

Há algo que possamos fazer? — Ele pergunta com uma seriedade acima do normal.

Trazer algumas roupas para o cativeiro. Para que Zeus vá se acostumando com o cheiro de Oliver… Senta! — Nelson segura firme a coleira de Zeus.

Vez ou outra Nelson tem que passar o comando para que Zeus volte a sentar. A impressão que tenho é que o cachorro está louco para arrancar minha jugular. Marcus coça o bigode nada convencido da segurança oferecida.

Não aconselho deixar Zeus solto por enquanto. Ele vê Oliver como uma ameaça. Essa raça é muito fiel aos seus donos e Oliver é um estranho. Melhor trancá-lo no cativeiro.

Cativeiro. A palavra é terrível. Define as jaulas que servem de casa para os animais e que ficam perto da quadra no quintal. São cercadas por uma grade de metal, com um espaço onde fica o comedouro, sombra e camas compradas em pet shop, mas ainda funcionam como uma privação de liberdade, que considero até sádica.

Tudo bem, acho viável. — Marcus concorda.

Quando os cães forem liberados para a patrulha noturna, é bom não dar acesso à casa.

Tudo bem. Em quantos dias você acha que os cães vão se acostumar a ele? Quando efetivamente, será seguro ficar ao lado dos animais? — Marcus coloca as duas mãos nos meus ombros. Zeus dá uma rosnadinha.

Não tenho como prever, vai depender do treinamento e da resposta do Zeus a ele. Pode ser que nunca seja cem por cento seguro para Oliver.

Compreendo. — Marcus por fim me solta. — Continuamos o treinamento essa semana?

Sim, senhor. — Nelson estende a mão para Marcus em um cumprimento, depois, se afasta com os cachorros que o seguiram com um comando. Zeus relutante em sair dali, teve que ser puxado pela corrente.

Poxa, que pena! Achei que Zeus ia ser o que mais fosse se dar bem com você. — Adam vira para mim e solta um suspiro de chateação.

Vamos dar tempo ao Zeus se acostumar com tudo isso. — Marcus nos guia para dentro de casa novamente.

Entendo bem como Zeus se sente. Eu mesmo não me acho apto a me acostumar com essa nova família.

[JOYCE]

Pego meu celular em cima da mesa e abro um sorriso ao perceber que é uma mensagem de Adam. Depois de me ignorar o sábado inteiro, ele resolveu responder:

Aí, não queria conhecê-lo? Cola com a turma aqui depois do almoço. Adam.”

Há uma imagem. Clico para abrir. É garoto dormindo, não parece muito tranquilo. Não é Adam, mas meu coração dá um salto. Tenho que prender a respiração antes que um suspiro me escape.

Uau, gatinho! — Vivian se estica para olhar o conteúdo do meu celular. Ela está com um conjunto de jogging cinza, o meu é rosa. Resolvemos correr juntas hoje, ela quer emagrecer e eu sei tudo sobre emagrecimento. — Já está corneando o Adam, é?

Não! — Meu rosto inteiro pega fogo. Não é crime achar outros garotos lindos, mesmo que eu esteja namorando, é? Adam é meu primeiro namorado a assumir o posto, até então nunca havia me envolvido seriamente com ninguém. Não é que sou retraída, mas garotos são idiotas. — Adam mandou uma foto de Oliver.

Oh, Oliver! — As sobrancelhas de Vivian se angulam interessada e seus olhos focam-se com mais exatidão na imagem. — Ele tem piercings?

Deixa eu ver! — Cecília arranca o celular da minha mão. Ela está com uma camiseta com a boca da Rolling Stones e legging preta, adoro o estilo dela, mas requer uma personalidade forte. Cecília tem de sobra. — Oh, que gatinho!

Cecília entrega meu celular para sua irmã gêmea, Sophia. Eu só sei quando é uma ou outra quando elas usam roupas diferentes, o que não acontece sempre. Sophia está vestindo uma camiseta lilás e legging preta. Da cintura para baixo, elas estão clonadas. Inclusive meia e tênis.

Fique longe de Oliver, Joyce! Adam disse que é puro problema. — Vivian cruza os braços.

Adam disse? Quando ele disse? — Pisco diversas vezes. Sei que eles são melhores amigos e que não devo ter ciúmes da amizade, mas já estou queimando por dentro.

Ontem a noite. O garoto já chegou causando confusão.

Conta tudo! — Sophia pede, interessada na fofoca.

Gente, história ultracomplicada, mas vou falar! Só que é segredo, hein! — Vivian estica o dedo. — A mãe dele se matou e ele entrou em depressão, tentou se matar no Ano Novo e foi parar numa clínica de recuperação. Parece que ele se metia em brigas e bebia demais. Adam não me contou mais do que isso.

Entro em choque. Quê? Isso tudo é verdade?

Meu tipo favorito de confusão! — Cecília devolve o celular com um suspiro.

Tou sabendo que ele tá solteiro. — Vivian sorri.

É mesmo? — Cecília e Sophia olham para mim.

Dou de ombros sem uma resposta.

Pode confiar. Adam me contou tudo. — Vivian se gaba. — Você vai tentar?

Não, credo. Ele é um pirralho, só saio com caras mais velhos. Você devia tentar, para manter ele na turma. E preciso de uma boa história pro blog. — Cecília abana a mão afastando a ideia e empina o nariz.

Ele não faz meu tipo. — Vivian da risada. — Tá mais para você ou Sophia.

Nem pensar. — Sophia cruza as mãos e braços em um “x” negando. — O garoto deve ser um fracassado!

Só para manter ele na turma. — Cecília atira flechas com o olhar para cima da irmã. — Todo mundo vai querer falar com ele para saber mais dessa história! Precisamos chegar nele antes!

Traduzindo, Cecília quer dizer as meninas do terceiro ano que tem um blog de moda e fofoca escolar concorrente ao dela. Peraí, ela não pretende trazer a tona a história do garoto pro blog, pretende?

Tá, vai, posso sair com ele por um mês, mas só isso. E não vou transar. — Sophia resfolega, vencida. Não me surpreende. Ela não ia abrir mão de notícias para o blog. Essas duas são como cobras.

Nossa, qual o problema? Quer competir com a Joyce quem é a mais virgem da turma? — Cecília provoca, arrancando uma risadinha de Vivian. Ela me ofende, mas tudo o que faço é fingir que não escutei a ofensa, ou que não entendi.

Não preciso competir, a Joyce vence na disparada! — Sophia dá uma risada, arrancando mais risadas de Vivian. — Sem ofensas.

Sem problemas. — Solto um sorriso amarelo.

Ei, vocês são futuras cunhadas! — Vivian repara, segurando no braço de Sophia.

Só por trinta dias. — Sophia revira os olhos.

Ótimo. Vai ser o máximo! — Cecília sorri animada batendo palmas. Penso imediatamente em focas de circo.

É um circo.

Ai, isso me chateia. Por acaso foi uma conversa similar a essa que elas tiveram com Adam? Parece que sim, tudo armado, forçado, sem a menor emoção. Atos pensados para manipular as pessoas e mantê-las no topo da cadeia alimentar. Somos apenas peões de uma cena que elas criam, visando pura popularidade.

Precisamos comprar roupas novas. — Cecília anuncia de repente, colocando os dois braços para cima.

Vamos! — Vivian se anima com a proposta e repete o gesto, colocando os dois braços para cima. Eu gosto muito de Vivian, entre ela e as outras garotas da turma, Vivian é com quem consigo manter um diálogo interessante, mas não consigo evitar de pensar no quanto ela se parece com uma sombra ou um papagaio, repetindo tudo o que Cecília faz. Engraçado, porque no começo eu tinha que Vívian era a líder, mas ela apenas não quer se sentir sozinha.

Nesse colégio e nessa cidade, aprendi que Cecília e Sophia são as donas do pedaço. Elas basicamente controlam a informação e quem detém deste poder, domina o mundo, como bem reparou Júlio Verne, antes de muitos, em seu livro. Funciona basicamente assim: tudo o que sai no blog de Cecília e Sophia é como lei, se elas dizem que você estava bonita com um sapato, é como receber o melhor dos elogios e todos irão te admirar, mas se elas acharem seus sapatos feios, prepare-se: será como o inferno.

São os tipos de meninas que você quer ter sempre como amigas e nunca se meter a pisar em seus calos.

Ei, não vamos correr? — Pergunto.

Vivian e Cecília trocam olhares e caem na risada, debochando da minha pergunta. Elas fazem isso bastante: debochar de mim.

Claro que não! — Cecília toma a frente, afastando-se da pista de corrida. — Você pode me ajudar a escolher uma roupa, você tem boa noção de moda.

Sophia me dá uma olhada de desprezo e vai atrás da irmã e de Vivian. Ela não diz nada, fala pouco e é mais muda, mas nem precisa. Não preciso ser nenhum gênio para saber que ela me detesta.

Vem logo, Joyce! — Vivian me chama.

Sigo as meninas para cumprir a missão do dia: ir até o shopping comprar roupas novas para Sophia conhecer o futuro namorado.

❀ ❀ ❀

Cecília e Sophia quiseram se vestir idênticas, as duas estão com pequenos shorts pretos e uma blusinha de seda com decote, para valorizar os grandes seios. Vivian resolveu colocar um vestido todo estampado e curto, mostrando as pernas torneadas, com sandálias plataforma com salto revestido de corda. Estou me sentindo uma criança perto delas. Coloquei um vestido todo lilás, combinei com os esmaltes de minhas unhas e batom. Estou basicamente como uma criança, perto delas.

Adam pediu para a gente pegar leve com as perguntas. — Vivian explica pacientemente para Cecília e Sophia. Posso ver a hora em que Cecília solta ar pela boca como uma bexiga que soltou o nó, desanimada. — Ele não quer que vocês assustem o Oliver com entrevistas para o blog.

Vamos poder conversar com ele? Ou é tipo “intocável”? — Cecília abre bem os olhos castanhos esverdeados numa espécie de espanto simulado.

Boa pergunta. — Ryan cruza os braços, impaciente.

Ele é um garoto lindo, atlético e do time de basquete também. Dizem que ele é o melhor jogador do colégio (e de outros) e que ano passado recebeu diversas propostas para se profissionalizar, mas eu nunca o vi jogar. Quer dizer, já vi treinos, mas não um campeonato.

Ryan não tem pinta de competitivo, ele é bem manso e sempre sorridente, mas tem um ar misterioso que o envolve e deixa as meninas doidinhas por ele. Embora, cá entre nós, eu não ache que “meninas” é a praia dele, e por isso, eu o adoro.

Tenho certeza que sim. Adam só não quer que sejamos indelicados. — Vivian tenta acalmar os dois. — O moleque acabou de chegar.

Vou dar uma trégua, mas não pense que não quero tirar essa história a limpo. — Cecília estreita os olhos em uma ameaça.

Ui, eu se fosse Oliver, ficaria com medo. Algumas vezes Cecília parece uma repórter investigativa que analisa um caso escandaloso. Exatamente isso.

Você pode perguntar tudo para o Adam depois. — Vivian revira os olhos e gira o corpo.

Com o dedo levantado ela aperta o dispositivo de recepção acoplado perto do portão da enorme residência de Adam. Tem um alto-falante, uma câmera apontada para gente e uma pequena tela, onde a pessoa que atende a porta aparece. Tudo de última geração.

Eles são muito ricos. Todos eles. Não que eu não seja, também, mas vamos ser sinceros: a residência inteira de Adam é quase o tamanho da vila residencial em que eu moro. É um pouco desconcertante.

A trava automática do portão abre. Vivian, Cecília e Sophia vão na frente. Ryan passa o braço pelos meus ombros.

Nervosa para conhecer o cunhado?

Deveria?

Tá brincando, né? — Ryan me lança os olhos verdes intensos. — É a coisa mais excitante que já aconteceu por aqui. De repente, bum… — Ele dá um tranco, me apertando. — Adam anuncia que tem um irmão.

Oh, então ninguém sabia? — Por um instante, não me sinto mais tão sozinha e desinformada. — Mas ele só fala disso!

Pois é! — As sobrancelhas de Ryan dançam. — Ele nunca comentou nada até o momento em que disse que o irmão vinha morar aqui. Foi no início do ano.

Nossa. — A informação é tão esquisita, que me causa choque.

Faz você pensar, não é?

Pensar no quê?

Nos motivos que levaram Adam a esconder esse fato até agora.

Sabe, fiquei um pouquinho curiosa, mas acho que posso adivinhar que deve ser algo realmente “complicado”, como Adam vive me dizendo. Só espero que Cecília e Sophia não façam de Oliver atração principal em seu circo, seria terrível usar o sofrimento de alguém dessa forma.

Você acha que tem algo a esconder?

Problemas de depressão. — Ryan me conta.

Acho que se minha mãe morresse, eu ficaria em depressão também. — Vivian se intromete.

É nossa missão promover alguns momentos legais para essa pobre alma! — Cecília ri.

Não sei vocês, mas eu não gosto de gente que trata com tanta frieza os problemas das outras pessoas. Poxa, nem consigo imaginar como seria se minha mãe me deixasse. Deve ser horrível para Oliver, não é só uma grande mudança de cidade, e eu sei bem o que mudanças significam, temos que deixar tudo para trás e começar de novo… Mas imagina ter que fazer isso sem alguém para te apoiar? Uma mãe é mais do que importante. Meu coração comprime um pouco.

Estou tão distraída com meus pensamentos que tropeço na entrada. As meninas dão uma risadinha e Adam abre a porta, cumprimentando todos.

Ei, sejam bem-vindos. Vamos indo lá para a sala, vou apresentar Oliver pra vocês, mas oh, sem perguntas indecentes. — Ele aponta um dedo para Cecília, que ri. Adam cumprimenta a todos: beijo no rosto para as meninas e um aperto de mão em Ryan. Vira para mim, com um sorriso e me dá um selinho bem de leve. O gosto de sua boca é de hortelã, do chiclete. — Tudo bem, linda?

Sim. — Dou as mãos com ele e sou puxada um pouco para o lado, guiada pelo corredor da casa.

Seguinte, preciso da colaboração de todo mundo. — Adam anuncia. Ficamos em uma meia-lua na frente dele. — Tem uns lances rolando bem sérios, já contei para vocês que a mãe do Oliver morreu recentemente e que ele não anda muito bem.

Cara, relaxa, ninguém vai ficar perguntando dela para ele. — Ryan se adianta, colocando uma mão no ombro de Adam. — Ninguém é insensível aqui.

Tenho um pouco de dúvidas sobre a sensibilidade das pessoas.

Beleza, então. Vamos entrando galera. — Adam se adianta.

Seguimos até uma parte da casa que dá para ver o jardim. São inúmeras salas acopladas, mas uma delas, é a que tem lareira. Sempre que estamos aqui, ficamos nessa sala, a decoração é aconchegante, com livros em prateleiras cobrindo as paredes; porém, não parece que as pessoas frequentam o lugar.

Montei o videogame e minha mãe está trazendo os sanduíches. Oliver! Oliver! — Adam me puxa para dentro. — Levanta daí! Eles chegaram.

Ah, oi. — Olhos azuis intensos me atingem, amolecendo meus joelhos e meu coração acelera em batidas poderosas.

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