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Capítulo 03: A dama e o vagabundo

[OLIVER]

Oi, muito prazer, sou a Joyce. — Fala a garota mais linda da existência da humanidade e já não sei mais como consigo ficar em pé. Ela pressiona os lábios macios contra a minha bochecha.

Oliver. — Duh, aposto que ela já sabe quem eu sou, mas não sabia o que dizer.

Joyce dá uma risadinha.

Ai, te sujei. — Com os dedos, tenta limpar a minha bochecha. — Desculpa.

Não tem problema.

O que está achando daqui?

Péssimo, você é a única coisa agradável em horas.” Mas não sou tão atrevido. Seguro a risada, mas lanço um sorriso:

Normal.

Alguém a empurra um pouco para o lado, seu anel de ouro em forma de asa de anjo tão grande que ocupa dois dedos, quase prendeu no meu piercing. Dei um passo para trás e encarei uma garota loira que parece uma boneca, de tão enfeitada.

Eu sou a Vivian. — Sorri largamente e em invés de me beijar, bateu bochechas comigo. — Você vai estudar na mesma sala que a gente, né?

Seria show. — Uma ruiva se aproxima, com a boca cheia de batom vermelho.

Ah, é uma das gêmeas que Adam falou. Ela se inclina, dá um beijo estalado no ar, sem encostar em mim, mas fingindo sabe? É detestável, já não fui com a cara dela.

Claro que vai. — Adam confirma e puxa a namorada para se sentar no sofá. Joyce cai por cima dele, puxando a barra do vestido rosado, mas vi sua calcinha. Cor-de-rosa. — Meu pai já acertou tudo na escola.

Eu nem sabia que você tinha um irmão. — Um garoto loiro com um sorriso bobo na cara se aproxima, estendendo a mão. — Ryan.

É, nem eu. — Aperto a mão dele. Todos na sala olham para mim sem jeito. É um fenômeno que tenho o dom de causar: mato a conversa como se minhas palavras fossem de veneno. É constrangedor. — Fiquei sabendo que ia mudar anteontem, quando entrei numas.

— “Numas” o quê? — Joyce passa a mão delicada de princesa pelos cabelos compridos, mostrando interesse.

Tipo… briga de rua? — Vivian abre bem os olhos escuros, assombrada. Ela está com um vestido florido amarelo e de panos esvoaçantes, pelo qual é possível ver a borda da renda do sutiã, o decote quer chegar em seu umbigo.

É, isso. — Dou risada.

Você apanhou? Por isso tá com o olho roxo? — Cecilia cobre a boca com as mãos, como se estivesse olhando para um completo marginal.

É, mas o outro otário virei do avesso. — Comento.

Adam começa a rir e seus amigos todos se viram para ele, tentando entender.

Fala sério, Ollie! — Aponta para mim. — Você não bate em ninguém. — Ele olha para os amigos. — Ontem fomos na churrascaria e um garçom pediu pro Ollie chupar as bolas dele.

Nossa! — Sophia se assusta fazendo o primeiro som em todo aquele tempo, sua voz é, inclusive, mil vezes mais suave que a da irmã. Achei que gêmeos tivessem o mesmo DNA em tudo.

O que você fez? — Cecilia pergunta, como se sua irmã não pudesse falar sem que ela quisesse falar também.

Chupou, né, claro. — Adam brinca com uma risada escrachada e todos os seus amigos não conseguem nem rir, tamanho o susto. Acho que não sou o único com o dom de causar silêncio constrangedor. — Fez nada, o que vocês acham? O garçom achou que ele era bicha, Ollie é vegetariano.

Aí Joyce, alguém pra comer mato com você. — Cecilia lança em deboche, fazendo pouco da amiga.

Eu não sou vegetariana, só não como nada que tenha sido vivo. — A menina se defende.

Então só bebe água. — Constato o óbvio.

Como algumas frutas! — Joyce responde como se tivesse sido pressionada a respeito de sua dieta diária. Algo a incomoda nesse assunto e julgando o livro pela capa, tenho um palpite.

Olha o que eu trouxe para vocês! — Sueli chega usando um vestido curto demais para alguém de sua idade, tipo uma perua, trazendo uma bandeja nas mãos cheia de sanduíches cortadinhos em formas estranhas e infantis: triângulos, flores, corações e dinossauros.

Oba! — Os amigos de Adam a cumprimentam felizes pelo agrado gastronômico.

Comprei bolo de chocolate para comemorar! — Sueli anuncia soltando a bandeja em cima da mesa de centro. Todos sorriem menos Joyce e eu. — Vou trazer os refrigerantes e os sucos.

E aí, Oliver, você tem namorada? — Cecilia inicia o interrogatório da trivialidade recebendo um “uuuuh” de Ryan e Vivian em resposta. Sophia ficou com as bochechas vermelhas.

Não. — Pera, eu vou ter que responder tudo o que respondi pro Adam, só que agora para todo mundo? Ah, não!

Tá interessada! — Vivian cutuca a amiga e pega um sanduíche para si.

Claro que não! Só queria saber como é que as coisas iam ficar, agora que ele se mudou!

Provavelmente iam namorar a distância. — Ryan conclui, mordendo um sanduíche de presunto. A mordida é tão grande que sobrou só uma pontinha na sua mão.

Ou terminar e arrumar outra. — Adam ri do amigo falando de boca cheia e Joyce faz ele fechar a boca para parar de exibir comida. Ele oferece para ela o sanduíche e só se acalma quando ela dá uma mordida, mesmo que extremamente pequena e com nojo do sanduíche.

❀ ❀ ❀

Os amigos de Adam me encheram de perguntas, tópicos altamente triviais: comparando uma cidade com a outra, por exemplo, descobri que são muito diferentes e eu basicamente morava no interior no meio de campos de lavanda. Literalmente, era assim minha cidade.

Mais no fim, Sueli volta com o bolo de chocolate distribuindo um pedaço para cada um de nós. As meninas reclamam que estão de regime, mas comem mesmo assim. Joyce, inclusive, prende meu olhar em sua incrível capacidade de engolir rapidamente dois pedaços em garfadas generosas. Impressionante. Eu não tenho paladar para doces, sinto enjôo e solto o prato por cima da mesa.

Quando a tarde vira noite um campeonato com o tal jogo lançamento do NBA começa e eu quero distância de tanta felicidade, já enfadado dessa festa. Ninguém reparou que estou sem motivos para comemorar, não? Subo as escadas em direção ao quarto de Adam, onde fica meu colchão.

Piso no corredor escuto alguém vomitar no banheiro. Aposto com vocês que é Joyce. Fico parado por ali esperando, não costumo me preocupar com as pessoas e talvez eu esteja aqui só por curiosidade. Escuto os barulhos típicos: descarga, torneira, escova de dentes. A porta abre.

Joyce. Acertei! Posso ver que ela acabou e retorcar a maquiagem e não preciso ser nenhum gênio da medicina para saber que ela vomitou os dois pedaços de bolo de chocolate e a mini-mordida no sanduíche. Sinto até uma fragrância, de perfume muito doce como chiclete, que ela mesma passou no banheiro para disfarçar. Algumas meninas fazem de tudo para serem magras.

Oh, você está aí. — Ensaia um sorriso, mas tem que pensar em alguma coisa idiota para falar. — Tá gostando da festa de boas vindas?

O que você acha? — Perguntou de forma ríspida, com a expressão séria.

Que não. — Responde com simplicidade e me desbanca na hora.

Não está tão ruim.

Ah, eu sinto muito, Ollie. — É possível ver a hora em que ela torce o pé do salto, como se caísse alguns andares, como se pudesse sentir a minha própria queda.

É uma sensação totalmente desconfortável perceber que uma pessoa que eu nem conheço se importa de coração com o que está acontecendo comigo. Essa garota nem me conhece, conversamos dois minutos e ela me decifra como se eu fosse um enigma sem graça. Mais do que isso, ela não me julga e apenas se preocupa comigo. Por que ela se preocuparia comigo? Eu não sou nada para ela. Poderia simplesmente ignorar o que acontece como todo mundo no andar de baixo está fazendo.

Então, com um estalo, eu entendo. Não é um bom coração, nem doçura demasiada… É apenas porque, como eu, ela tem problemas. Não consigo dizer mais nada. Um silêncio esquisito e típico de tensão nos envolve. Joyce fica parada na minha frente, olhos travados nos meus.

Achei você! — Adam nos interrompe, o som de sua voz como um tiro pelas paredes. — A Vivian tava te procurando para ir embora.

Joyce lança-me um sorriso tolo e passa por mim, exalando seu perfume de chiclete. Eu me viro em tempo de vê-la dando as mãos com Adam, que sussurra algo para ela, mas Joyce só move a cabeça em negação. Eles descem as escadas, eu vou para o quarto de Adam e me jogo contra o colchão.

Droga. — Coloco as duas mãos na cabeça. Só queria que as horas voassem!

❀ ❀ ❀

A classe inteira está com os olhos grudados em mim como se eu fosse uma obra de arte mal-feita. O peso dos olhares funciona como uma âncora que impede que eu me mova, fico ali parado como um touro enlaçado por um caubói ao lado do professor.

Daqui de cima consigo ver Vivian, Adam e Ryan fazendo gracinhas, mas para a sorte deles não posso ouvir… talvez Ryan esteja perguntando se eu não sou mesmo gay e Vivian, procurando ser simpática, ri enquanto enrola o cabelo loiro no dedo, dando tapinhas no ombro de Adam com a outra mão.

Joyce diz alguma coisa para Vivian, que a responde com um sorriso estúpido, por isso a princesinha fecha a cara, morde o lápis com seus dentes perfeitinhos e se ocupa em escrever no caderno, tirando os olhos de cima de mim, causa até solidão, já que ela me parece ser a única sem um comentário ácido na ponta da língua. Eu tinha que parar de olhar para a língua dessa garota. Entre outras coisas.

Ei, Oliver, diga a eles o seu nome, apresente-se. — O professor toca em meu ombro chamando atenção e percebo que me perdi nas curvas que o lápis colorido da Joyce faz no papel, enquanto ela escreve alguma coisa.

A garota tem o dom de me fazer grudar os olhos nela, de um jeito que eu nem sei o que eu deveria dizer para o professor. A luz da sala me incomoda, especialmente o conjunto de lâmpadas fluorescente que pisca sob efeito falho, causando dor de cabeça. Talvez eu possa usar o picadeiro em que estou para perguntar se alguém teria um analgésico, de preferência: doses cavalares.

Queria um cigarro, uma dose de uísque ou até mesmo aquele licor adocicado que roubei no restaurante, credo, aquilo era mesmo horrível. Coloco a mão na testa. Posso sumir?

Acho que ele é tímido. — O professor é alto, narigudo e magricelo, de um jeito que me faz pensar em uma vassoura, mas tem um sorriso divertido e faz a classe inteira dar risada. Ele me olha e suspira. — Tenho certeza que não faltará chance de todos se conhecerem. — Diz me empurrando. Apontando ao longe. — Agora se sente ali.

A única cadeira aparentemente vazia fica justo atrás de Joyce e isso causa dor no meu estômago, como se eu tivesse levado um chute que enfraquece inclusive meus joelhos. Respiro fundo e caminho devagar, tentando manter equilíbrio.

Shhh, ele vai ouvir! — Adam sussurra e dá risada, mas Vivian deu um tapa no ombro de Ryan.

Falei que eles estavam falando de mim.

Que saco. — Eu me sento e jogo a mochila no chão. Espio rapidamente Ryan que me lança um sorriso afetado. Idiota. — Parece que sou um bicho de zoológico.

Percebo que Ryan segura uma risada travando o maxilar e forçando uma expressão séria, mas ele precisa desviar o rosto para o lando, onde fica uma menina gordinha que até suspirou de amores quando eles cruzaram olhares. Haha, garotas…!

Aposto que só está mexendo com os hormônios femininos da classe. — Adam ri e toma um pontapé de Vivian, que se senta exatamente entre ele e Ryan.

Levo uma chicotada de cabelos perfumados de chiclete, é aquele perfume doce que ela usa para vomitar. Aposto que Joyce se despediu do café da manhã antes de entrar na classe. Cubro a cabeça com as duas mãos e me curvo por cima da mesa. Ainda escuto risadinhas ecoarem entre o silêncio da classe e o professor escreve um texto gigantesco que não tenho nem onde copiar. Esqueceram que eu preciso de caderno, lápis, essas coisas, se querem mesmo que eu finja que vou estudar.

O celular de Vivian vibra entre suas pernas cruzadas e cobertas pela calça jeans vermelha que ela usa. Ela solta o cabelo desenrolando-o do dedo e pega o aparelho coberto por uma capa de strass horrível enquanto faz uma bola de chiclete verde, deve ser de menta. Ela abre um sorriso cheio de gloss transparente na boca:

A Cecy vai dar uma festa quinta a noite. Os pais dela não estarão em casa. Vamos todos?

Claro que vamos. — Adam fala.

Nem vou. — Ryan nega na hora, soando como um bom moço. — Por que não fazem festas de fim de semana? Quinta nem dá pra curtir.

Claro que dá pra curtir, só tem que aguentar a aula no dia seguinte de ressaca! — Adam fala e se estica para me cutucar, ação que acho irritante. — E aí, Ollie, cê vai?

É, vou. — Especialmente se for para ter uma ressaca no dia seguinte.

Legal vou confirmar todos nós. — Vivian lança com um sorriso.

[JOYCE]

Oliver. Eu não sei o que tem esse menino que quando os olhos dele grudam em mim, me deixa sem equilíbrio. Por sorte, já estou sentada quando ele caminha na minha direção e toma o lugar atrás de mim.

Os alunos estão rindo baixinho de suas roupas e estilo. É como se esse colégio fosse um castelo cheio de nobres antiquados e suas roupas dissessem a que casta você pertence. Era assim no feudalismo e acho que até muito antes disso, as pessoas ostentavam seus status social através da roupa.

Não é que ele é o único garoto com esse visual rock’n’roll de juventude transviada pelo colégio, na verdade, existem garotos por aí ostentando camisetas oficiais compradas em shows que eles vão durante o final de semana na Europa ou nos Estados Unidos. Oliver veste-se maneira extravagante e parecida com as dos outros garotos, mas não são roupas da melhor qualidade. Inclusive, a jaqueta é um tanto remendada, falta até um botão.

Ei, me empresta uma folha? — Oliver me cutuca, falando baixo. Olho para trás. Oliver está um pouco inclinado, sua mochila quadriculada branca e preta (quase marrom de tão suja) está fechada em seus pés. — E uma caneta?

Vai dizer que esqueceu tudo no seu primeiro dia de aula?

Não. Não esqueci, só não tenho mesmo. — Ele desvia os olhos meio para o lado, ainda falando bem baixo, para mais ninguém ouvir.

Depois que tomei consciência das condições na qual ele mudou, não sei porque ainda me surpreende ou que possa ser pior. Arranco uma folha colorida do meu caderno e escolho uma caneta do meu estojo. Passo para ele por cima do ombro.

Olha, tudo bem que seu caderno é de menininha todo cor-de-rosa, mas não tem uma caneta azul? — Ele reclama.

Você ainda vai reclamar? — Olho para ele perplexa e tudo o que recebo em resposta é uma careta. — A tinta é azul, ou é a caneta de corações estampados ou uma com uma pena pink em cima. Pode escolher.

Tá, deixa. — Oliver revira os olhos e pega o material da minha mão. Nossos dedos se tocam com o movimento, suas mãos são firmes.

De nada. — Notaram que ele nem pediu “por favor” ou disse “obrigado”? Garoto mal educado!

Em resposta, Oliver chuta minha cadeira. Eu bufo. Quando ele escreve, a caneta enrosca nos meus cabelos.

Ai, Oliver! — Viro para encará-lo. — Coloca sua cadeira mais pra trás!

Acha que tem espaço? Coloca a sua mais pra frente e deixa de ser reclamona.

Não sou reclamona, mas você tá me incomodando.

Na boa, você tá me chicoteando com seus cabelos e eu não reclamei, então é reclamona sim.

O que foi? — Adam se intromete, olhando para Oliver e depois para mim.

Nada. — Oliver vira a cara. — Ela só me emprestou material. Vim sem.

Cara, se precisar, pede pra mim. — Adam estreita os olhos na minha direção e eu viro logo para frente. Oliver não diz mais nada.

A aula passa arrastada.

❀ ❀ ❀

Inacreditável! Esse garoto só pode estar de brincadeira!

Reviro os olhos. Estou saindo do prédio das aulas, pela lateral e dou de cara com Oliver escalando o portão que dá acesso ao parquinho infantil. Eu sei o que ele quer fazer: se conseguir alcançar o outro lado, ele poderá sair do colégio pulando o muro.

Só me admira que Oliver seja estúpido de pensar que os coordenadores e seguranças não ficam vigiando o local. Caso ele não saiba, tem câmeras por aqui e no momento em que ele chegar lá no outro muro, vai aparecer um deles prontinho para dar uma advertência.

Piso fundo e me aproximo do portão, olhando para cima. Ele usa uma jaqueta preta, cheia de bottons de bandas que nunca vi e correntes, calça xadrez, para formar um look todo punk. Na jaqueta, nas costas, está escrito “Bastard!” com esparadrapos brancos. Deve ser alguma piada pessoal, mas acredite, ninguém aqui no colégio usa esparadrapos para escrever nas roupas, normalmente os garotos da turma punk escrevem com canetas próprias para isso. Eu tinha uma lilás, mas quando eu fazia isso era no ensino fundamental.

Sabia que todo mundo pode ver você aí?

Oliver leva um susto com minha voz e cai da grade, batendo as costas e a cabeça contra o chão. Ele coloca a mão na cabeça, mas não consegue levantar de primeira. Corro até ele, me curvando:

Meu Deus, Ollie, você se machucou?

Que merda, precisava me assustar? — Ele faz uma careta de dor, jogando os olhos azuis intensos em cima de mim.

Estava te dando um toque, não precisa me xingar. — Ele desce o olhar para meus seios, como estou curvada, acho que ele está, bem… vocês sabem, me olhando. Fico ereta e cruzo os braços por cima da minha camiseta do colégio, tapando o buraco da gola em v. — Você também não pensa! Se quer matar aula, por que não sai pelo portão que fica atrás da quadra coberta?

Nem sabia que tinha uma quadra coberta! — Oliver fica em pé e bate a roupa, tentando limpar a sujeira de ter caído sobre a grama do parquinho.

Aproximo-me da grade, para olhar se tem algum segurança observando a gente. Não quero tomar uma bronca por ser vista ajudando-o a fugir da escola.

Ei, tem dez aí?

Tenho… mas o que você vai fazer com eles? — Olho para ele por cima do meu ombro.

Ali atrás tem uma banquinha, aposto que vendem cigarros. E preciso de um isqueiro.

Que horror, por que você não compra drogas com seu dinheiro?

É só cigarro e não cocaína! — Oliver debocha, rindo. Minha mãe sempre me disse que tudo o que vicia é droga, inclusive chocolate. — Tou zerado. Empresta?

Não vou financiar seu vício, não. — Mordo a bochecha pela parte de dentro, aborrecida. Que garoto mais atrevido! Desvio dele e começo a andar para longe.

Eu te pago o dobro depois. — Oliver vem atrás de mim, quase implorando, juntando as mãos. — Por favor?

Uau, que desespero, né? — Reviro os olhos.

— “Né”. — Ele dá risada de mim, ou de si mesmo. — Você deve ser uma dessas garotas chatas que nunca fazem nada de errado na vida.

Ai, como ele me… irrita! Como pode dizer isso? Ele nem me conhece. Na verdade o que me aborrece é que ele tem razão, e pelo fato de que um comentário desses vindo de um garoto que se mete em confusão e quer se meter em uma agora, soa como uma ofensa.

Talvez eu seja. Mas acho melhor do que ser esse desastre que você é. — Tento impor todo o meu desdém por ele nessa frase.

Oliver para de andar. Ele morde a língua segurando um palavrão, totalmente fora de si e eu não aguento, sério, adoro as reações que causo. Ou seria mais correto dizer as reações que ele me causa?

Minha carteira tá na classe.

Oliver caminha comigo pelo corredor da escola, de volta para a classe. Todas as meninas ficam nos olhando e fuxicando. Ai, que intrometidas. Olho para minhas roupas, para ter certeza de que está tudo no lugar e que não estão falando algo de mim. Teve um dia que uma menina esqueceu de fechar o zíper da calça e saiu nos blogs, sim no plural, o blog de Cecília e Sophia e o das meninas do terceiro, o blog de Elisa.

Olho para Oliver, ele não parece perceber que estão olhando para ele e falando dele. Eu queria ser assim e não me incomodar com o que pensam ou falam de mim. Vamos caminhando em silêncio até que chegamos na minha mochila cor-de-rosa, em cima da minha cadeira.

O pessoal desse colégio é meio afetado.

Estão fofocando, é tudo o que sabem fazer. — Suspiro abrindo a mochila e procuro a minha carteira. Pego uma nota de vinte e estendo para Oliver. — Eu quero o troco.

Não, nem pensar. — Ele dobra o dinheiro e coloca no bolso frontal da jaqueta. — Onde é mesmo o portão da quadra coberta?

Eu te levo lá. — Ofereço ajuda, mas me arrependo imediatamente de falar isso para ele, quer dizer, ele não pediu minha companhia, ele me pediu uma indicação. — Perto da quadra onde seu irmão passa todos os intervalos jogando basquete.

Indicação dada, saio da sala.

Se não gosta que ele não te dê atenção, devia tentar dizer isso a ele. — Oliver me acompanha pelos corredores, fazendo o caminho por onde viemos.

E acha que já não disse? Eu e o Adam não temos nada em comum, às vezes me pergunto por que estou namorando ele.

Não sou eu que vou responder. — Oliver sentencia em tom jocoso. Olho para ele. — Afinal, sempre que as meninas perguntam sobre seus relacionamentos fica difícil opinar sem dizer que daria um namorado melhor que o atual, mas não posso fazer isso com meu próprio irmão.

Não se preocupe. Eu não iria te perguntar mesmo. — Aperto mais os passos, mas ele me segue sem a menor dificuldade.

Como foi que se conheceram?

A Vivian que me apresentou ao Adam e disse que ele estava a fim de mim… na escola ainda, nos beijamos. Não teve nada de romântico, como um encontrão nos corredores, um beijo escondido ou roubado, essas coisas de filme!

Romântico é bem a sua praia. — Oliver debocha, erguendo as duas sobrancelhas e mordendo a boca para segurar o sorriso. As pontinhas de seus incisivos grandes batem no piercing de um jeito de derreter.

Não exatamente, não sou romântica! — Logo me defendo, virando a cara. É muito feio ficar encarando um garoto, sendo que tenho namorado. — É que parece que foi algo arranjado pela Vivian… Acaba com o encanto das coisas!

Não acho que as coisas precisam de um encanto.

Não prefere quando as coisas são apaixonantes e intensas do que frias e corriqueiras? — Olho para ele mais uma vez.

Não. Acho que sentimentos estragam tudo, eu preferiria não senti-los.

Eu prefiro sentir intensamente.

Viu? É porque você é romântica e eu não.

Sei. — Dou uma risada com desdém. — Nesse caso, creio que não vai se importar se a Vivian arranjar a Sophia para você.

Que Sophia?

A gêmea da Cecilia.

Hm. Que tem?

As duas mantém um blog com notícias de tudo o que acontece pela escola e aparecer naquelas páginas é como entrar para o hall da fama.

Soa um tédio.

Até que é! — Dou uma risada. Ele sorri. — Para sua informação, elas competem com a Elisa, uma garota do último ano que tem um blog bem acessado, aliás, a última postagem do blog dela de hoje cedo é sobre você!

E o que teriam pra falar de mim, quando nem me conhecem? — Enfadado, ele revira os olhos azuis, mas soa inconformado o suficiente para mim.

Tanta coisa! Você nem imagina! — Dou de ombros. — Mas eu ainda não li.

Por quê? Prefere me conhecer pessoalmente?

Paro de andar. Meu coração acelera e olho por cima do ombro para ele, mordendo a boca. Cada pedacinho… Mas não vou expor o quanto ele mexe comigo, além do mais, é considerado incesto!

Aqui, vem comigo.

Passo por entre o muro do colégio e a parede de um prédio da escola, que cria um corredor secreto que dá acesso a uma área atrás da quadra, onde fica o almoxarifado e os vestuários da quadra coberta. Aponto para ele uma construção de cimento feita para guardar a mangueira de incêndio, subindo por ela dá para alcançar a beirada do muro, e pular usando as barras verticais do portão de carga e descarga.

Vai logo, eu tomo conta pra você.

Como você sabe disso? Costuma fugir da aula?

Não faço nada de errado, esqueceu? Sempre fico por aqui por causa dos treinos do Adam.

Tá incluso nos juros do empréstimo? — Ele me pergunta.

Não sei o que responder e fico calada, na verdade, já estou um pouco envergonhada na presença dele e isso não é muito legal. Oliver sobe na estrutura, alcança o portão, passando uma perna e depois a outra, para o outro lado. Ele gira e olha para mim, com um sorriso atrevido:

Não vem, princesa?

Vai sozinho!

Awm, mas e se eu me perder?

Tenho certeza que é espertinho o suficiente para saber voltar.

Tem certeza?

Vai logo, garoto! Se te pegam aí em cima vão ligar direto pro seu pai. — Reviro os olhos e ele desaparece.

Fico um tempão esperando por ele por ali. Não aparece ninguém, o local é meio esquecido pelos funcionários do colégio, ou talvez os alunos sejam em grande parte comportados demais para fazer algo como fugir da aula.

O sinal do intervalo bate anunciando o fim. Já estou quase desistindo de esperar por Oliver, já considerando que ele não vai voltar, quando escuto o segurança berrar:

O que faz aqui fora?

Pânico sobe pelas minhas costas e rapidamente subo na estrutura que segura a mangueira. Fico na ponta dos pés para olhar para o que está acontecendo do lado de fora.

Se eu te der um cigarro, podemos esquecer que eu pulei o muro? Já estou quase lá dentro mesmo! — Oliver está subindo na árvore, mas acho que deu azar. E ele é louco? Como que oferece suborno assim para o segurança? Agora é que ele está ferrado mesmo.

Dessa vez vou fingir que não te vi. — O segurança concorda e eu fico besta.

Oliver desce da árvore, troca um cigarro com o segurança, acende com o isqueiro e depois sobe, novamente. Quando ele alcança o portão, abro um sorriso. Ufa, que sorte a dele não ser pego.

Aposto que achou que eu ia me perder, princesa. — Mais um sorriso atrevido estampa seu rosto.

Claro que não. — Fecho a cara. Ele tem o dom de me irritar!

Desço da estrutura e Oliver cai na minha frente, por cima de seus coturnos militares. Meus olhos grudam nos dele, como uma sessão de hipnose. De repente, ele segura meu rosto com uma das mãos e sua boca quente e com gosto de cerveja e bafo de cigarro encosta de leve na minha, os piercings gelados causam um contraste excitante. Meu coração acelera forte.

Mas peraí!

Ai! Para com isso! — Dou socos no ombro dele e o empurro com força.

Ai, calma! Quis agradecer. — Ele ri, colocando as costas da mão na boca.

Não é possível, esse garoto é doido e me deixa tonta.

Você tá fedendo a fumaça, isso vai te render uma advertência! — Encho as bochechas de ar e me afasto dele.

Vai nada, vou pegar emprestado aquele perfume com cheiro de chiclete que você usa depois de vomitar no banheiro da escola, do restaurante, da casa do namorado.

Meu sangue ferve! Ferve!

Vai sonhando! Não vou te ajudar em nada. — Saio batendo os pés.

Isso depois de me emprestar uma grana e me ajudar a fugir, não tem o menor peso sabia? — Ele vem atrás de mim, me seguindo e rindo, desafiando.

Pois bem! Eu não vou te emprestar mais nada!

Ah… vai sim. — Oliver amolece a voz, tentando amolecer meu coração. Ele segura no meu cotovelo, me girando.

Some da minha frente!

Que foi, não gostou?

Penso em responder à altura, mas avisto Adam, saindo da quadra, todo suado e conversando com os amigos. Deixa perfeita para fugir daqui. Puxo meu braço, lanço olhos fulminantes para Oliver e corro até Adam.

Ei, Adam. — Eu o chamo.

Oi, gata. — Adam se vira e se aproxima. Ele se inclina e me dá um selinho, com o uniforme escolar molhado de suor, eca! Inclino meu corpo para trás, para ele não encostar em mim. — Viu minha jogada?

Ah, sim. Foi legal. — Meu corpo inteiro está tremendo.

Legal? Foi genial! — Adam segura a bola de basquete no braço e com a mão livre, segura minha mão, entrelaçando dedos. É um gesto comum de carinho, mas me deixa incomodada na hora.

Olho por cima do ombro para Oliver, ele está ali, de braços cruzados e me fulminando com olhar azul claro. Um calor sobre por meu corpo, me deixando de bochechas ardendo. Entre tantos garotos por aí, vou me apaixonar justo pelo irmão do meu namorado?

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