Capítulo 96O mundo ao redor de Ivy se dissolveu.O sangue latejava em seus ouvidos, abafando tudo, exceto as palavras de Grace, ecoando como facas afiadas em sua mente."Você tem que escolher, Lucian. Porque, se continuar assim, você vai perder as duas."As duas.Ivy sentiu um arrepio subir por sua espinha, sua pele se arrepiando como se estivesse exposta a um vento gélido, embora o ar estivesse parado.Suas mãos apertaram com força o pequeno embrulho que segurava, os dedos ficando dormentes. O papel fino amassou sob a pressão, mas Ivy não percebeu.Ela queria se afastar. Queria sair dali antes que ouvisse algo ainda pior. Mas suas pernas estavam presas ao chão, como se fossem raízes fincadas na madeira.A conversa continuava, cada palavra empurrando Ivy para um abismo que ela não queria encarar.— Você sabe que isso não pode continuar assim. — Grace insistiu, sua voz agora mais controlada, mas carregada de algo profundo. — Você está se enganando, Lucian. E está enganando ela.Ivy se
O peito de Ivy subia e descia rapidamente, como se mal conseguisse respirar, como se o ar tivesse sido arrancado do ambiente. Seus olhos estavam fixos em Lucian, esperando… implorando por uma explicação.Mas ele hesitava.— Me diz a verdade! — a voz de Ivy quebrou o silêncio, carregada de dor. — O que mais você está escondendo de mim?Lucian passou as mãos pelos cabelos, o olhar selvagem, a mandíbula travada. Seu corpo inteiro parecia tenso, prestes a explodir.— Ivy, você está tirando conclusões erradas.Ela riu, mas era um riso vazio, quebrado.— Erradas? Erradas, Lucian? — ela deu um passo à frente, os olhos brilhando de fúria. — Então me diz o que é certo! Porque tudo o que eu vejo é você, no meio da noite, sussurrando segredos com ela, falando sobre escolhas e enganos, como se eu fosse uma idiota que não percebe o que está acontecendo debaixo do meu nariz!— É isso que você acha de mim? — ele rebateu, a voz carregada de algo perigoso, a dor se misturando à raiva. — Que eu sou ca
O silêncio que ficou entre eles era pesado demais, carregado de tudo que não poderia ser desfeito.Ivy sentia seu coração martelando contra o peito, como se seu corpo estivesse tentando expulsar a dor de alguma forma. Mas não havia para onde fugir. O peso da verdade a prendia no lugar, como correntes invisíveis apertando sua garganta.Lucian, diante dela, parecia uma sombra do homem que ela conhecia. Sua postura rígida, o maxilar travado, as mãos se fechando e abrindo ao lado do corpo. Seus olhos, antes sempre cheios de certeza, agora estavam perdidos, como se ele próprio estivesse se afogando no mar de suas próprias mentiras.—Você usou isso contra mim — a voz de Ivy tremeu, mas não era fragilidade. Era raiva contida, prestes a explodir. — Você me fez acreditar que os meus pais mataram os seus. Me fez carregar essa culpa, esse ódio. Me fez tentar entender por que você os matou.Lucian piscou rapidamente, como se fosse um reflexo involuntário, o peito subindo e descendo de forma irreg
O vento cortava seu rosto, arrancando lágrimas que nem eram de dor, mas de algo muito mais profundo. Algo que crescia em seu peito, apertando sua garganta, queimando seus pulmões. Ivy corria sem olhar para trás. Suas pernas ardiam, cada músculo do seu corpo gritava para que parasse, mas ela não podia.Não queria.As árvores passavam como vultos em sua visão, sombras que se misturavam com as lembranças que tentava deixar para trás. A noite estava viva ao seu redor—o farfalhar das folhas, o som de galhos quebrando sob patas ágeis. Ela sabia que não estava sozinha.Vários lobos se moviam pela floresta, olhos brilhando na escuridão, observando-a conforme passava. Alguns pareciam hesitar, quase como se quisessem segui-la, outros apenas a observavam, seus olhares carregados de algo que ela não queria interpretar.Ela deveria estar em sua forma lupina. Deveria sentir o solo sob suas patas, correr tão rápido quanto qualquer um deles. Mas não conseguia. Nunca conseguira.Seu peito se apertou.
O silêncio que ficou entre Alaric e Ivy era tão latente que só fora quebrado apenas pelo som da água pingando do corpo de Alaric e o farfalhar distante das árvores. Ivy ainda estava ofegante da corrida, mas a visão dele, emergindo do lago como um predador, fez seu coração bater de um jeito diferente. Não de cansaço. Mas de alerta.Alaric avançou alguns passos em sua direção, sua expressão indecifrável. Seus olhos escuros pareciam avaliá-la, como se tentassem entender o que diabos ela fazia ali.— O que você está fazendo aqui, Ivy? — Sua voz era baixa, rouca, carregada de algo que ela não soube definir.Ivy abriu a boca, pronta para responder, mas, ao ver seu estado —completamente nu, a pele pálida cintilando sob a luz do luar — fechou-a de novo e desviou o olhar.— Você… não vai colocar uma roupa? — Sua voz saiu mais seca do que pretendia.Alaric ergueu uma sobrancelha, a sombra de um sorriso irônico surgindo em seus lábios.— Ah, então agora você se importa? — Ele soltou um riso bai
O mundo ao redor de Ivy parecia se contrair. O ar estava mais denso, pesado, e o fogo que ardia em sua marca pulsava como um aviso silencioso. Mas o pior não era a dor. Era a voz.Aquela voz gélida e antiga que há algum tempo havia se calado dentro dela."Agora você finalmente voltou para o seu lugar. Não te deixarei ir embora jamais."Ivy tentou engolir o pânico. Seus dedos pressionaram a pele latejante de seu pescoço, como se pudesse apagar aquela sensação. Mas ela sabia que era inútil.Porque aquilo não era apenas uma marca. Era uma corrente.Ao seu lado, Alaric caminhava em silêncio, sem perceber a batalha interna que a consumia. O som ritmado dos passos dele ecoava na trilha de terra úmida, e a forma despreocupada com que ele se movia apenas deixava tudo mais sufocante.Ela queria perguntar. Queria exigir respostas que talvez ele teria, já que possuíam aquele maldito vínculo antepassado. Mas como perguntar a explicação de e algo que nem ela mesma entendia o que era esse algo?A d
O ar que Ivy segurava era tão espesso que parecia ter forma.Ela não conseguia se mover. Seus olhos estavam fixos na silhueta escura do outro lado do vidro, o coração batendo alto demais dentro do peito.A figura não se movia. Apenas esperava.Então, a luz fraca da lua atravessou as nuvens, revelando o que estava ali.Um corvo.O alívio veio rápido, mas não durou.Havia algo de errado naquele pássaro.Seus olhos negros pareciam inteligentes demais, quase humanos. Ele a observava como se estivesse esperando por algo. E então, com um movimento súbito, bicou o vidro.Uma. Duas. Três vezes.O som ecoou pelo quarto como um aviso.Ivy respirou fundo, tentando acalmar o tremor em seus dedos. Ela se aproximou com cautela e destravou a janela. O vento gelado entrou de imediato, bagunçando os fios soltos de seu cabelo.O corvo abriu as asas e, com um salto gracioso, pousou no parapeito.— O que você quer, garoto? — Murmurou, mais para si mesmo.Foi só então que Ivy viu.Preso à sua pata havia u
O medalhão queimava na palma da mão de Ivy.O pequeno pedaço de prata escurecida pelo tempo parecia pesar mais do que deveria, como se carregasse todo o peso da verdade que ela nunca quis enxergar.O ar no escritório parecia rarefeito, e sua respiração vinha curta, descompassada.Alaric continuava parado na porta, a luz fraca lançando sombras irregulares sobre seu rosto. Havia algo nele que a fazia sentir um frio na espinha—um olhar que não era de surpresa, nem de culpa.Era um olhar de tédio.— Você não deveria estar aqui. — Ele repete, a voz calma, sem pressa, como se estivesse comentando sobre o tempo.Ivy apertou o medalhão com tanta força que sentiu o metal gelado contra sua pele.— O que isso está fazendo aqui? — Sua voz saiu trêmula, baixa, mas carregada de algo afiado.Alaric inclinou a cabeça levemente, como se estivesse considerando a pergunta. Depois, deu um passo para dentro da sala, fechando a porta atrás de si. O clique do trinco soou alto demais no silêncio.— Achei qu