Minha avó, que até então estava ocupada com a massa do bolo, ergueu a cabeça e olhou para Alec com aquela expressão travessa que só ela conseguia fazer.
— Então você é o irmão mais novo do Ethan, não é?Alec arqueou uma sobrancelha, claramente sem saber para onde aquela conversa estava indo.— Bom… na verdade sou o segundo mais novo. Então sou mais velho que ele.— Hm. — Abigail o avaliou como se estivesse analisando uma fruta no mercado. — Bonito, mas tem cara de quem se preocupa demais.Alec piscou, pego de surpresa.— O quê?Minha avó apenas sorriu, voltando sua atenção para a massa.— Deixe de ser tão sério, menino. Vai acabar com rugas antes da hora.Ethan soltou uma risada baixa enquanto Alec fechava a cara, mas antes que ele pudesse retrucar, minha avó bateu as mãos na bancada, animada.— Muito bem, já chega de enrolação! Precisamos de mais suco de laranja para acompanhar nosso café. Aquele que fizeram não foi suficiente!Ela se virEu suspirei.Eu fechei os olhos por um segundo, tentando reunir toda a paciência que ainda restava dentro de mim. Quando os abri novamente, Ethan e Alec continuavam congelados no lugar, as mãos parcialmente erguidas, segurando as últimas laranjas como se ainda considerassem atirá-las.Os cozinheiros, por outro lado, pareciam estátuas de cera — imóveis, incrédulos, provavelmente reconsiderando suas escolhas de vida.Minha avó, indiferente ao caos ao redor, caminhava pela cozinha distraída, mexendo em potes e pratos como se estivesse tentando lembrar de algo importante.— Meu Deus, eu já vi muita coisa nessa vida, mas isso… — Um dos chefs murmurou, passando a mão pelo rosto.Soltei um suspiro profundo, sentindo a exaustão precoce do dia pesar sobre mim.— Ok, chega. Vocês dois, larguem as laranjas e parem com essa infantilidade imediatamente.Ethan e Alec se entreolharam, ainda parecendo duas crianças travessas que foram pegas no flagra.— Mas, Lila… —
O escritório de Ethan era um contraste gritante com o caos animado da cozinha. Aqui, tudo era organizado, impecável, dominado pelo aroma amadeirado do móvel escuro e pelo leve cheiro de couro da poltrona em que ele estava sentado. Ou melhor, em que nós estávamos.Meu corpo estava no colo dele.Não foi algo planejado. Foi natural, como se já tivéssemos feito isso inúmeras vezes. Como se pertencesse a esse lugar, a esse momento.Mas eu não pertencia.Meu coração disparava com a intimidade repentina, martelando tão forte que eu tinha certeza de que Ethan e Alec podiam ouvir. Eu tentava parecer calma, fingir que a posição não me afetava, que o braço de Ethan ao redor da minha cintura não estava queimando minha pele através do tecido da blusa. Mas cada célula do meu corpo estava consciente dele. Da forma como sua respiração era lenta e controlada. Do calor sólido e constante que ele emanava.E ele não parecia minimamente afetado.Alec, por sua vez, ergueu uma sobr
O silêncio que ele deixou para trás foi quase sufocante. Eu tentei recuperar o controle da minha respiração, tentei ignorar o fato de que meu corpo ainda estava tenso contra Ethan, mas ele não facilitava em nada. Ele parecia confortável demais comigo ali, como se eu pertencesse àquele espaço, como se não houvesse nada de errado em me segurar daquele jeito. Mas havia. Havia algo profundamente errado no jeito que meu coração disparava toda vez que ele se movia. Meu coração ainda estava disparado, cada batida ecoando dentro de mim como um tambor frenético. Eu podia sentir o calor irradiando do corpo de Ethan contra o meu, cada parte dele encaixada em mim de um jeito que parecia natural demais. E então ele se moveu. Um movimento pequeno, quase imperceptível, mas que fez meu corpo inteiro travar. Ele inclinou a cabeça e respirou fundo, o nariz roçando a curva do meu pescoço. Minha pele arrepiou no m
O cheiro de sangue impregnava o ar, aguçando meu olfato e fazendo meus instintos lupinos vir à tona. A floresta ao nosso redor era um santuário intocado pelos humanos, um lugar onde a natureza ainda reinava soberana e nos dava a liberdade de sermos os lobos que éramos. A luz do luar se filtrava por entre as folhas das árvore, criando sombras no solo úmido e coberto de folhas caídas. O ar era carregado com o perfume de pinheiros, terra molhada e a presença distante de um alce, nossa presa. Eu amava o poder que a caçada trazia. Não era a fome que me movia, mas a excitação de sentir minha força, minha conexão com meus irmãos, com a terra e com a fera que habitava dentro de mim. Éramos uma matilha, sempre unidos. Porra, lobos nunca estão sozinhos. Corríamos juntos em movimentos sincronizados. Minhas patas, ainda em meu corpo de lobo, se moviam em silêncio sobre o chão de terra macia. Meu pelo marrom escuro se camuflava entre os troncos e as sombras da floresta, enquanto meus se
Apesar de podermos nos misturar aos humanos, nunca seríamos como eles. Mesmo em nossas formas humanas, éramos altos, rápidos e fortes de uma maneira que chamava atenção. Qualquer humano que nos visse saberia que tem algo diferente em nós. — Relaxe, Colin — falei finalmente, quebrando o silêncio. — Não é como se algum humano tivesse nos visto aqui no meio do nada. — Não importa, Ethan — ele retrucou, cruzando os braços. — É sobre discrição. Precisamos manter nosso disfarce o máximo possível, devemos agir como lobos apenas quando estamos em forma de lobos. Alec riu, ainda em sua forma meio lupina, exibindo os dentes afiados. — Relaxa, chefe. Disciplina ou não, ninguém aqui é mais humano do que você. Colin lançou-lhe um olhar que poderia perfurar um diamante, e eu tive que esconder um sorriso. Todos ali sabiam que ele tinha razão, mas isso não significava que deixaríamos de provocá-lo. Afinal, éramos uma matilha, e isso significava que brigas, e provocações, faziam parte do pac
Alec levantou as mãos em um gesto de rendição, mas o brilho divertido em seus olhos continuava presente. — Tudo bem, tudo bem. Só estou dizendo que Scarlett é uma boa escolha, mesmo sem ser sua destinada. — Scarlett é uma boa escolha porque é conveniente, não porque há sentimentos entre nós — retruquei, cansado daquela conversa. — E antes que qualquer um de vocês diga algo, eu sei o que está em jogo. Colin, que até então permanecera em silêncio, ergueu a mão para interromper a conversa. — Basta. Scarlett é assunto dele, não nosso. E todos sabemos que achar a destinada não é algo que se força. — Mas ainda é nossa responsabilidade garantir que ele esteja fazendo o melhor para a família — insistiu Alec, mas desta vez sua voz tinha menos provocação. — E eu farei — disse, meu tom firme enquanto olhava para cada um deles. — E não hesitarei em fazer, mesmo que seja casar com Scarlett. Por um momento, o silêncio pairou entre nós, cada um digerindo as palavras. Então Cassia sor
— Alec, você vai cuidar da tecnologia. Você sempre foi o mais curioso entre nós, e tem um talento especial para entender o futuro antes de ele acontecer. Alec levantou uma sobrancelha, parecendo surpreso, mas satisfeito. — Tecnologia, hein? Não posso reclamar disso. Colin então voltou o olhar para mim. Seu olhar parecia pesar um pouco mais ao pousar sobre o caçula da família. — Ethan, você vai cuidar da construção e das empreiteiras. — Construção? — Perguntei, surpreso. — Sim — respondeu ele, com firmeza. — Você tem uma maneira única de visualizar o que pode ser feito, de transformar o impossível em algo concreto. É disso que esse ramo precisa. — E a força bruta também ajuda — acrescentou Alec, com um sorriso provocador. Revirei os olhos, mas Colin ergueu a mão, pedindo silêncio. — Isso não é uma questão de força — ele disse, o tom impaciente. — É uma questão de visão e persistência, e Ethan tem ambos. Olhei para ele, tentando entender se era um elogio ou um desaf
Alec e eu trocamos um olhar rápido antes de assumirmos nossas posições. As brincadeiras e provocações de minutos atrás desapareceram, substituídas pela tensão de não sermos mais os caçadores, e sim, a caça. — Eles nos encontraram — murmurei, os olhos varrendo as sombras da floresta. — E não vieram para conversar. — Fiquem juntos! — ele ordenou, a voz um rosnado grave. Isso não foi um acidente. Alec e eu, que estávamos prestes a sair em disparada na corrida provocada minutos antes, paramos abruptamente. Alec olhou para mim, a brincadeira desaparecendo de seus olhos cinzentos, substituída por alerta, e o pior, medo. —Você sentiu? — ele sussurrou para mim, sua respiração tensa e descompassada. — Não. Mas ouvi o tiro antes que chegasse. O terceiro tiro veio mais rápido, atravessando o ar como um aviso. Dessa vez, passou tão perto de Cassia que ela teve que se abaixar para evita-lo. Os caçadores iriam acabar acertando um de nós e não poderíamos deixar isso acontecer. —