Ayla acordou assustada, não pelo toque do despertador, mas pelo agoniante sonho que a perseguia a meses no qual ela assistia sem nenhuma reação enquanto Ash morria aos seus pés. Precisava achar seus remédios, que sua mãe teve a brilhante ideia de colocar em alguma das caixas que ainda ocupavam o pequeno depósito nos fundos da casa. Ainda não havia tomado coragem de ir até lá, precisava conhecer melhor aqueles sons, às vezes a recente percepção do que acontecia ao seu redor a confundia e assustava, e isso havia lhe causado alguns acidentes. Não raramente usava protetores auriculares, mas havia ocasiões que precisava de silêncio, ou tinha a impressão que enlouqueceria.
Ouviu passos pesados lá fora, e em seguida o barulho do portão da casa da frente, alguns sons da casa que talvez tivesse que se acostumar, olhou no relógio, poderia dormir mais uma hora já que a escola ficava à apenas três quadras de seu novo lar. Levantou-se, e foi até a janela.
A cidade lá fora estava povoada pelos sons do começo do dia. Grilos, pássaros, passinhos leves de gatos por cima do muro. Um cômodo a meia luz do outro lado da rua a distraiu por um momento, desde sua chegada não havia mais visto o vizinho xerife, e agora ele estava bem ali, no seu campo de visão. Pensou por um momento se ele conseguia enxergá-la de lá também quando antes que fechasse a cortina o viu tirar a camiseta branca. Achava Mason Field um tanto exibicionista, aquela cortina estava sempre aberta, e caso não soubesse logo diria a ele que não estava interessada em vê-lo trocar de roupa.
Quando desceu para o café da manhã, já vestida com o uniforme da escola, a mãe já preparava o café da manhã, o pai estava lendo seu jornal na sala, uma xícara de café na mesinha de centro. Ambos pareciam ter vivido ali a vida toda de tão bem-adaptados. Rose era enfermeira chefe no hospital e seu pai um escritor cujos livros de ficção vendiam bem, com contrato para uma trilogia. Era um belo casal, sua mãe era o que ela achava que acontecia com lideres de torcida que não escolhiam o rei do baile de formatura, e acabou se apaixonando pelo charme de escritor talentoso e incompreendido de seu pai. Aidan Greenwood era um homem de maneiras agradáveis e inteligência acima da média, do tipo que ignorava os chiliques de Rose, contanto que ela não tomasse seu tempo com nada que não fosse realmente importante.
Ayla sentia-se mais ligada ao pai, fosse pela silenciosa companhia, pelos filmes em preto e branco que os dois gostavam de assistir, ou porque a tirava de casa no meio do dia para tomar café e comer torta de limão, sem nenhum motivo, só porque gostava de sua companhia. Com a mãe, ou como ela mesmo preferia ser chamada, Rose, não tinha muito em comum. Sabia que a mãe a amava, e do seu jeito a recíproca era verdadeira, mas não podiam estar no mesmo ambiente por muito tempo. Lembrava da mãe cobrindo-a no meio da noite, e cuidar para que tivesse sempre roupas bonitas e brinquedos. Não era do tipo carinhosa quando ela ficava doente, ou que comemorava seus êxitos escolares. Ela dizia que recebia tudo isso em excesso do pai, e em alguns momentos Ayla achava que a mãe na verdade sentia ciúmes dela com o pai.
– Quer uma carona? – perguntou Rose, enquanto olhava no interior da bolsa e conferia se tinha tudo o que precisava.
– Não, vou caminhando – respondeu Ayla.
Logo, também se despediu do pai e saiu para a temperatura agradável de Helltown pela manhã, andando pela calçada, usava seus fones mesmo que não estivessem tocando música alguma. Era somente para abafar os sons, alguns eram realmente desagradáveis, como os vizinhos da casa com o belo canteiro de rosas transando todo dia no mesmo horário, outros com informações desnecessárias sobre alguém perdendo o emprego, ou conversa triste sobre a doença de uma das crianças na casa cor-de-rosa onde um gato espreguiçava-se na calçada. Curiosamente, na escola, talvez por ter tanto barulho e conversa, conseguia evitar a maior parte dos ruídos ao seu redor, e ainda havia a vantagem de saber algumas impressões das pessoas ao seu respeito. Sabia exatamente o que pensavam sobre ela, e enquanto acenava para as novas colegas de aula, que a aguardavam, ouvia os sussurros, as fofocas e sentia o cheiro quase imperceptível de bebida que vinha do diretor.
– Os testes vão começar na semana que vem! – disse Annie entregando um panfleto sobre inscrições para líderes de torcida.
– Ah, legal – não pode evitar o riso debochado atraindo a atenção das garotas – perdão, não foi como se eu detestasse cheerleaders ou algo assim, só não me vejo fazendo isso.
– Annie já está na equipe a dois anos – disse Cassie, empolgada – tentei no último ano, mas não consegui entrar.
– Tenho certeza que esse ano você consegue – Ayla incentivou a garota.
– Por mais que eu queira, acho que minha coordenação motora não me permite – Cassie suspirou – eu ficaria linda naquele uniforme.
– Annie pode passar umas dicas – disse Samarina – quem sabe ensaiar um pouco com nossa amiga, aqui – bateu amistosamente no ombro de Cassie.
– Porque vocês duas não se inscrevem? – Cassie perguntou – seria legal se fossem comigo?
– Oh… – Ayla foi pega de surpresa.
Gostava das meninas, na verdade eram das poucas pessoas ali que sabia que não tinham se aproximado com algum interesse, fosse porque seu pai era um autor de sucesso, ou porque moravam em uma casa com piscina ou porque aparentemente estava popular entre os garotos. E isso levava a mais um ponto, o fato de ser a “garota nova” fazia com que fosse convidada para tudo, mas de longe preferia ficar na companhia delas. Não queria negar o pedido de Cassie, mas seria um problema se fosse escolhida, com sua audição instável poderia inclusive causar alguns pequenos acidentes.
– Não vai me deixar sozinha nessa – cochichou Samarina para que Cassie não percebesse.
Respirou fundo e acabou concordando, para a alegria das garotas.
Passados alguns dias, depois da inscrição Ayla deixava o colégio com a sensação de dever cumprido, e o uniforme da torcida na mochila, Cassie havia conseguido, e como já esperava havia sido aprovada também, o que deixaria sua mãe muito feliz, pois ela mesmo havia sido líder de torcida quando jovem. O fato de ter feito dança boa parte da vida, mais porque Rose achava que daria a ela postura e disciplina do que porque sonhasse com tutus e sapatilhas claro, a ajudou muito.
– Ei! – olhou para trás e viu Lane O’Neal se aproximando, quando ela parou a sua frente percebeu que fez uma pausa para analisá-la, Ayla realmente odiava aquele tipo de garota – é o seguinte, vai ter uma festa nos Kent hoje, e sério, você sempre recusa os convites, precisa ir agora que é uma de nós.
Ayla olhou para o grupinho reunido a alguns metros de onde estavam, atletas, garotas populares, mas por alguma razão achavam que ela se importava.
– Facilita as coisas, Greenwood – Lane suspirou – metade do time de futebol está querendo ficar com você, e a maioria das garotas daqui está p**a porque você aparentemente as esnoba.
– Eu não esnobo ninguém, Lane, e pra falar a verdade eu não ligo para a torcida – ela viu os olhos de Lane saltarem como se tivesse dito algum absurdo – só participei da seleção para motivar uma amiga.
– Bom saber disso, vou te manter na reserva – ela parecia irritada – você tem ideia de que a maioria das meninas mataria por um lugar na equipe?
– Não vai me manter na reserva porque geral viu meu teste, e fui melhor que as veteranas então não me enche – Ayla acendeu um cigarro – vamos fazer o seguinte, você me diz onde é essa festa, eu apareço por lá, com a condição de poder levar Samarina.
– A esquisita? – ela fez uma careta – olha, não quero se chata, mas aquela vibe gótica sexy dela é tão ultrapassada…
– É minha condição – Ayla disse, e riu da revirada de olhos de Lane.
– Ok, mas vai aparecer na maioria das festas, não entendo porque não está aproveitando sua popularidade!
– Eu estou sim, tanto que você concordou com minha condição – viu Lane ajeitar o rabo de cavalo, os fios loiros e brilhantes, entrou no carro e logo se foi.
Mason debruçou-se sobre o volante e olhou ao redor, aparentemente toda Helltown estava no sítio dos Kent e isso não era o que ele queria, com a Lua Cheia se aproximando, seu lobo estava indócil e provocador e seu maior desejo era deixar-se correr pela mata, já que fosse em território humano ou pra lá da névoa, era sua responsabilidade manter o controle, seu e da fera. Saiu do carro e seus sentidos foram invadidos por música alta, conversa e odores, fosse do churrasco, do pequeno roedor morto em algum lugar do jardim, ou dos perfumes femininos a medida que entrava na casa. Fez as vez
– Tá tudo bem, pessoal – Mason disse quando viu que pessoas começavam a notar que havia algo errado com Ayla, mesmo que estivessem num cômodo do lado oposto de onde se concentravam os convidados – acho que ela só precisa de um pouco de ar fresco.Ouviu Samarina pedir pacientemente aos curiosos que dessem um pouco de privacidade, e quase prendendo os dedos de um garoto curioso que insistia em ficar ali também. Deitou Ayla em um sofá mudando-o de posição o virando para a porta de vidro que levava à varanda, de onde vinha uma brisa agradável.–
No caminho de volta, Mason se viu preocupado com o estado de Ayla, que estava enjoada e pálida ao seu lado. Tocou seu rosto de leve, a pulsação dela estava longe de estar normal e ela estava gelada. Pediu a Samarina que alcançasse sua jaqueta, ao seu lado no banco de trás. Sama, que vinha encarapitada entre os dois, olhou torto para o xerife quando o viu dirigir com os joelhos enquanto cobria sua amiga, o que Mason fez de conta que não viu.– Pegou a chave? - perguntou a ela, enquanto olhava de canto para Ayla encolhendo-se debaixo do tecido macio da jaqueta.– Ayla estava deixando o ginásio de esportes depois de ensaiar a coreografia por tempo demais, sua vontade era chamar Lane para uma conversa, pois em sua opinião a veterana exagerava quando cobrava que as meninas se esforçassem à exaustão. Annie havia torcido o tornozelo e outras integrantes da torcida vinham se machucando a cada ensaio, e Ayla pensava que se continuassem assim logo não teriam nem as reservas em condições de se apresentar. Ia na frente de um grupinho animado que combinava alguma festa, tentando ignorar quando falavam seu nome enquanto faziam uma lista de quem queriam convidar.A última ainda era um grande mistério para ela, não lembrava de quase nada, e pensava o quanto deveria estar chapada, afinal a sensa5
Ayla já tinha até esquecido que sua mãe havia pedido para que levasse uma porção de pudim com calda de caramelo ao xerife enquanto vestia um vestido de malha curto e confortável. Calçou uma sapatilha e decidiu que o melhor a fazer era ir logo, já que ela e Samarina queriam continuar assistindo a série sobre médicos, para terminar a terceira temporada. Pediu licença à amiga, dizendo que voltaria em seguida e que o dinheiro para a pizza estava na sua bolsa. Abriu o pote amarelo com a tampa branca para ter certeza que Sama havia colocado calda de caramelo e logo depois fechou a porta atrás de si. Já devia passar das nove da noite, e viu a luz do quarto do xerife acesa enquanto se dirigia a casa vizinha, havia cheiro de grama cortada recentemente, e de salmão, molho levemente apimentado, e maçã. Pensou por um momento que imaginava que um homem como Ma
Quando Mason chegou ao Dawson’s, percebeu que parecia mais cheio do que o normal, não demorou para encontrar Stacy e Ivan em uma mesa do outro lado do bar, próximo à uma janela, respondeu aos cumprimentos de quem ia encontrando, e o proprietário logo foi ao seu encontro. Marvin Dawson’s havia herdado o bar que estava na família desde os acontecimentos nos anos trinta até quando a cidade foi evadida, e recentemente o havia reformado, e mesmo Mason que não era do tipo que frequentava a noite da cidade com frequência, gostava que o bar tivesse aquela ambientação meio antiga, meio sombria. O piso escuro, mesas de madeira rusticas, e os balcões e cadeiras altas com assentos vermelhos. As paredes antigas de uma casarão centenário, e as vigas no teto, com iluminação agradável, e claro, a esposa do próprio Daws
Ayla estava tranquila naquela manhã de sábado, havia acordado cedo, e desceu para o café da manhã já usando o uniforme da torcida e por isso recebeu um sorriso de aprovação de Rose, que estava terminando de tomar seu café antes de ir para o hospital. A mãe disse-lhe que tentaria escapar para vê-las no jogo dos garotos, e mesmo não fazendo questão da presença dela. E nem era o fato de que a mãe parecia reviver sua época de cheerleader através dela, comparando-as como se estivessem disputando vaga na equipe, mas porque cada vez que Rose aparecia nesses eventos, Justine Walker parecia convencida que era multitalentos, e a colocava em mais alguma atividade extra.Lane passou em sua casa para que fossem juntas, mas o que Ayla não esperava era que Samarina estivesse no carro com a maior cara de
Mason estava entretido com as explicações sobre como Stacy pretendia neutralizar, pelo menos por hora os covens locais que rebelavam-se contra o Tratado. Ela foi esperta ao literalmente “plantar” pequenas mudas de uma flor muito comum na fronteira da névoa, espalhando-as discretamente tornando a fuga das bruxas que tentavam capturar Mason um tanto dolorosa. Usando as informações que conseguiu tirar dos restos mortais de suas irmãs, as flores exalavam à quem pertencesse ao mesmo coven um odor quase imperceptível, fazendo com que sua pele ardesse como se queimasse no fogo do inferno!– Isso deve mantê-las longe – disse ela, aceitando a cerveja que Ivan lhe oferecia.– Magia intermediária de bruxas não humanas – o vampiro concordou &ndas