Júlio acendeu um cigarro ao meu lado e olhei de cara feia para ele.
- Que foi? Antigamente você não reclamava. – ele deu de ombros. - Não fumo mais. – reclamei apoiando os pés na mesa de centro da sala dele. - Você era mais legal antigamente. – ele ergueu as sobrancelhas para mim. - Desculpa. – toquei a mão dele – Estou um pouco mal humorado só. - Você sabe como eu costumava curar esse seu mal humor. – ele colocou os pés ao lado dos meus. Eu ri. – E não é verdade? - É sim. – confirmei afundando no sofá. - E sabe também que isso não acontecer mais é uma escolha sua. – Júlio baixou o som da voz, como se estivesse falando para si mesmo. - Para com isso. – pedi – Você sabe que funcionamos melhor como amigos. – ele balançou a cabeça concordando – Se isso for demais para você, eu vou entender. - Não. – rapidamente ele protestou – Não de afaste como antigamente. Júlio e eu ficamos juntos por dois anos, mas decididamente não funcionávamos com um casal. Ficamos juntos logo após eu entender que gostava de caras também, e foi o único homem com quem me relacionei seriamente. Estávamos separados já tinha um ano, mas ele ainda sentia alguma coisa por mim, por isso ficamos seis meses sem nos falar até ele me procurar e dizer que sentia minha falta e que queria me ter em sua vida, mesmo que não romanticamente. - Quer me contar o motivo de tanto mal humor? – perguntou. - Não. – falei rapidamente. Eu tinha ficado abalado quando Betina me puxou e me beijou daquele jeito, mas preferi ir embora e deixar aquilo de lado. Ela era uma garota jovem e tudo que eu pensava era na forma como aquele adolescente tinha falado com ela. Se não era namorado, estava quase sendo, e eu não ia ficar no meio de um drama juvenil. – Vamos só continuar assistindo esse filme. – sugeri. Fiquei olhando para a tela da televisão dele, mesmo que não prestasse nem um pouco de atenção no que estava acontecendo. Minha mente estava tumultuada demais com imagens do meu dia para ver qualquer outra coisa. Aos poucos, Júlio caiu no sono ao meu lado. Ele era um cara muito bonito, grande, ainda mais alto do que eu. Por alguns anos tinha trabalhado como modelo, mas incrivelmente, ele não gostava de ficar viajando o tempo todo. Agora trabalhava em casa com revisão de livros. O que era perfeito antigamente, já que ele mesmo corregia os livros que eu escrevia. Aos poucos essa foi a única relação que nós dois acabamos tendo fora do quarto, e era muito pouco para mim. Eu queria algo mais e nós dois seriamos sempre daquele jeito. Ele confundia com amor, mas eu sabia que não era. Eu deveria dormir ali? Sair enquanto ele estava deitado não parecia uma coisa boa, e dormir ali poderia dar a impressão errada. Jamais que eu queria que ele imaginasse que poderia rolar alguma coisa entre nós dois, esse muro estava muito bem construído. - Júlio. – sacudi seu ombro lentamente até que ele abrisse os olhos. – Preciso ir para minha casa. – ele balançou a cabeça concordando e voltou a fechar os olhos. Vesti minha jaqueta e sai, fazendo o mínimo de barulho possível. Sentei na moto e dirigi lentamente até minha casa, ainda imerso em pensamentos. Depois de deixar Betina na praça, segui para a casa da minha mãe, peguei minhas coisas e voltei para minha própria casa. Iria receber reclamações por não ter avisado, mas eu queria ficar sozinho. Eu costumava passar alguns poucos dias com minha mãe depois de ela pedir muito, reclamando que não me via o suficiente. Meu quarto sempre estava arrumado me esperando, mas eu não ficava muito confortável ali com a nova família dela, principalmente com o marido. Entrei na casa escura. Havia conforto na solidão. A maior parte do tempo eu ficava ali, do outro lado da cidade, sozinho, produzindo meus livros. A manhã seguinte era sábado e deixei o despertador desligado, mas mesmo assim acordei cedo demais com o sol entrando pela janela que eu tinha esquecido de fechar. Me levantei e debrucei na janela, olhando o céu meio escuro e meio claro. Tudo que eu conseguia pensar era que, em algum lugar, do outro lado da cidade, uma garota linda estava dormindo. Será que eu devia tê-la deixado falar alguma coisa? Eu tinha me precipitado em achar que ela e o garoto eram alguma coisa? Eu tinha agido um pouco como adolescente ontem, constatei. E se ela tivesse algo com o garoto antes de nos conhecermos? Eu não poderia ser possessivo com ela daquela forma. Nós não éramos nada. Nada. Eu devia, no mínimo, ter deixado ela dizer algo. Antes que me desse conta do que eu estava fazendo, estava a meio caminho da casa de Betina, acelerando a moto. Estava na hora de começar alguma coisa direito, conversar com calma e paciência. Principalmente ouvir o que Betina tivesse a dizer e perguntar como ela se sentia em relação a mim. Era curiosidade? Era desejo? Uma mistura das duas coisas? Devíamos testar e descobrir o que era? Quando virei o quarteirão da casa dela, notei um carro estacionado na frente. Freei no mesmo instante, desci da moto e continuei o caminho a pé pelo outro lado da rua. Ridiculamente, parei atrás de uma árvore e observei a casa silenciosa. Estava com um pressentimento sobre aquele carro parado ali e torcia para que não fosse o caso. Quase meia hora depois, o rapaz loiro abriu a porta com uma camiseta amassada e cara de sono, porém muito feliz, e atrás dele Betina com o cabelo bagunçado amarrado num coque. Meu coração pareceu se quebrar em mil pedaços. Será que se eu não a tivesse deixado falando sozinha na praça, essa cena estaria acontecendo agora, bem na minha frente? Fechei os olhos e encostei a testa na árvore, não queria assistir a despedida deles, e só voltei a abrir quando escutei o carro ser ligado. O garoto se afastava pela rua, e a porta dela já estava fechada, então me arrastei para fora do meu esconderijo ridículo e comecei a andar para minha moto. - Benicio? – a voz dela me tirou do meu transe. Olhei para trás e Betina estava parada, descalça na calçada, com uma expressão de confusão. Seus braços se cruzaram no peito como se não soubesse o que fazer com eles. Ensaiei um sorriso e acenei para ela, ali do outro lado da calçada, depois me virei e continuei andando até minha moto. Eu tinha que me afastar muito dali e o mais rápido possível. Precisava parar de pensar naquela cena e imaginar o que aqueles dois tinham feito a noite toda. Aquele garoto com as mãos nela. A boca dele na boca dela. A boca que eu tinha beijado e o corpo onde eu tinha me perdido completamente. Sem que eu percebesse, já estava na porta do Júlio apertando a campainha. Ele abriu a porta esfregando os olhos, provavelmente levantando de onde eu o tinha deixado na noite passada. - O que... – ele começou, mas me lancei contra ele, num beijo desesperado, e tropeçamos para dentro da casa.Entrei em casa lentamente, sem acreditar que Benicio tinha estado ali. Ele viu Adam ir embora, eu tinha certeza. Que péssimo timming o nosso, pelo amor de Deus. Ele realmente sorriu com tristeza para mim? Eu podia jurar que sim. O que era isso que eu estava sentindo agora? Sentei no sofá. A noite passada tinha sido boa, sim. Adam tinha conseguido superar o nervoso inicial e nos encaixamos bem nesse aspecto. Eu tinha me entregado ao momento, mas acordar com os braços dele ao meu redor tinha sido um pouco estranho. E a estranheza tinha aumentando quando ele acordou e sorriu, me puxando para mais perto e beijou minha testa. Precisei inventar que minha mãe ia chegar logo para que ele saísse da cama e se vestisse, sempre com um sorriso satisfeito no rosto.
- Acho que precisamos conversar. – falei entrando na cozinha onde Júlio estava fazendo um café. O que tinha dado na minha cabeça? - Não precisa falar nada. – ele respondeu virando o corpo na minha direção – Foi um deslize, não é? Casual. – a voz dele era desprovida de raiva, que eu entenderia se ele estivesse sentindo. - Júlio, eu... – tentei encontrar palavras para o que eu tinha feito, mas não sabia como descrever. Por que eu tinha corrido ali? Para camuflar a chateação que eu estava sentindo? Isso era horrível. Eu tinha usado ele.&nbs
Meus braços ficaram subitamente frios longe do contado do corpo dele. Era estranho demais Benicio estar ali, era estranho demais eu ter me sentido completamente acolhida por ele, era estranho eu finalmente ter conseguido chorar em seus braços. Adam tinha cuidado de mim o tempo todo, e de toda parte burocrática que podia, tinha me dado todo o suporte, e eu não tinha conseguido me soltar com ele. - Adam, eu... – acho que eu devia uma explicação para ele. - Não importa. – ele me cortou – Não importa. 
Durante dois meses mergulhei numa história nova e praticamente não sai de casa, não comi direito e nem dormi, não atendi o telefone e não procurei ninguém. Dessa forma, eu não pensava em Betina. Mas era só eu sair dessa rotina que meus pensamentos me traiam. Quando eu pensava no abraço que lhe dei, sentia quase uma dor física por ter sido separado dela, e quando eu deitava na cama, a lembrança do seu corpo e de sua boca me deixavam quase febril. Depois de dez chamadas perdidas da minha mãe resolvi retornar, ou então a polícia iria acabar batendo na minha porta. Ela reclamou do meu sumiço e de novo tentei explicar meu processo criativo sem sucesso, depois insistiu que
- Nossa! – Adam falou com uma risada – Que cena mais imprópria para a porta de uma escola. Vão para um quarto. Não consegui responder. Fiquei parada olhando Benicio nos braços de um cara. Aquele era o pior momento, e nunca vou esquecer, mas foi assim que eu percebi que poderia estar apaixonada por ele. Enquanto um outro cara passava a mão por baixo de sua camiseta, como eu tinha feito, e obtendo o mesmo resultado que eu. Senti uma coisa quente me preencher. E ele olhou diretamente para mim. Diretamente nos meus olhos e foi embora.&nb
Sai da cama tentando fazer o menor barulho possível e andei lentamente até a cozinha para tomar um café. No caminho, peguei a minha camiseta que estava no chão da sala e vesti. Logo eu teria que adiantar um pouco meus textos e precisava despertar meu cérebro. Cinco minutos depois, Júlio apareceu com cara de sono atrás de mim, usando apenas uma cueca. Ele ficava a maior parte do tempo assim agora. Tínhamos passado quase todos os últimos dias na cama sem nunca conversar sobre isso, ele não me perguntara nem mesmo o motivo de eu ter o agarrado na formatura, apenas fomos direto para a casa dele. Na verdade, acho que ele não queria saber o motivo, apenas aproveitar os momentos
Eu estava com um copo na mão, rindo com um amigo meu no gramado, quando vi Betina descer as escadas da casa rapidamente. Havia algo errado, eu soube no mesmo instante, porque sua expressão estava completamente transtornada. Ela saiu para o gramado e seguiu diretamente para a rua onde tínhamos estacionado. Sabia que devia ir atrás dela e saber o que tinha acontecido, mas fiquei parado observando a casa de longe. Instantes depois um cara veio descendo a escada com uma expressão estranha. O rosto dele não me era estranho. Fiquei buscando na mente, sentindo que estava logo ali e eu não conseguia acessar a memória. Ele saiu lentamente para o gramado e foi andando em direção
Estacionei o carro na frente da casa de Benicio e ficamos em silêncio e imóveis. A boca dele finalmente tinha parado de sangrar e estava inchando um pouco. Eu não estava mais irritado, apenas incrivelmente cansado. - Desculpa. – finalmente ele disse, virando-se para mim – Eu sei que tenho sido um babaca. - Eu sabia que a nossa situação era apenas... – me virei para ele também – Olha, eu sabia que não estávamos namorando, ok? – suspirei – Mas não esperava que você sairia comigo e no mesmo lugar ia atrás dela. - Eu não fui at