O vento frio foi me ajudando a colocar a cabeça no lugar. Aquela garota tinha me enlouquecido em instantes, só depois de me afastar fui sentindo meus pensamentos coerentes o suficiente para me questionar.
O que eu tinha feito? Meu tempo de ficar pelos cantos escuros com alguém já havia passado há anos. Como se eu tivesse feito isso milhares de vezes, ri comigo mesmo. Claro que houveram essas ocasiões, mas muito pontuais, todas há pelo menos nove ou dez anos, quando era um adolescente cheio de hormônios descontrolados. Como eu gostaria de ter dado mais um beijo naqueles lábios, mas não confiei em mim mesmo para fazer e não queria arranjar problemas para ela. Talvez apenas o fato de um cara mais velho tê-la levado para casa já pudesse ser problemático. Não consegui prestar atenção suficiente para saber se havia alguém nos observando da casa. Todo meu auto controle foi para não a tocar indiscretamente em um lugar tão bem iluminado. Entrei em casa e esbarrei com Luisa na escada, fazendo-a bambear suavemente, completamente alterada pelo álcool. - Ei... – a segurei pelo braço – Não está na hora de ir dormir não? - Você não é meu pai. – ela disse com um sorrisinho irônico. - Já bebeu demais, Luisa. – repreendi, tentando não agir como um pai, apenas como um irmão mais velho. - Tá, tá, tá... – ela respondeu sem paciência – Só estou indo beber uma água. Juro. – juntou as mãos na frente do peito. - Certo. – soltei-a – Se precisar de algo... - Você está no fim do corredor. – ela completou com um aceno de mão, já descendo os degraus. Continuei meu caminho até o quarto, mas fui impedido por um vulto que se lançou na minha direção, batendo com as mãos com unhas muito grandes no meu peito. - Benicio. – uma das amigas de Luisa me segurou pelos braços – Você realmente está diferente daquele adolescente estranho que aparecia nas festas. – suas palavras estavam ainda mais enroladas do que as da minha irmã. - Certo. – respondi sem prestar muita atenção – Preciso ir. - Ei... – ela apertou mais as mãos nos meus braços – Eu poderia ir fazer companhia... – sugeriu se aproximando e tentando encostar seu corpo no meu. - Acho melhor você continuar participando dessa festinha. – retruquei, afastando seu corpo suavemente. Seu rosto se fechou numa expressão contrariada. – Você está muito alterada, ahn... – busquei o nome na mente, mas não vinha – Ahn... - Sarah. - Desculpa, está escuro. – longe de mim desagradar uma adolescente bêbada a essa altura da noite. - Entendi. – ela cruzou os braços, claramente ainda mais contrariada – Mas vamos lá. – apontou com o polegar para o quarto, resolvendo ignorar que eu não sabia quem exatamente ela era. - Não. – neguei firmemente. - Por que não? – ela sorriu. - Sarah, você está alterada demais. Por favor... – pedi começando a andar para meu quarto. Ela correu atrás de mim dando risadinhas. Entrei e tentei fechar a porta, mas Sarah me bloqueou com o corpo e subiu na ponta dos pés para tentar me beijar. Desviei com facilidade e peguei em suas mãos, colocando-a gentilmente para fora. - Você vai me agradecer amanhã. – falei enquanto fechava a porta para seu rosto fazendo bico, e passei a chave para não ter surpresas durante o resto da noite. Finalmente me joguei na cama e a imagem de Betina preencheu minha mente. Que garota! Confesso que fiquei surpreso quando ela me deu permissão para beijá-la, quase a mesma surpresa quando percebi que eu estava louco para fazer isso. Quando a vi parada na porta do quarto, só achei divertido ela estar me olhando, e quando me ofereci para levá-la embora, só estava preocupado com sua segurança. Mas na luz noturna, enquanto nos encarávamos, senti uma urgência de tê-la nos meus braços. Fiquei feliz por isso ter acontecido na rua e não nesse quarto, foi muito mais fácil me controlar imaginando que alguém poderia aparecer. Não queria agir como um babaca, queria que ela pensasse sobre o assunto e não apenas se deixasse levar por mim e depois acabasse se arrependendo. Caí no sono pensando em Betina, e acordei no dia seguinte com batidas na porta. Levantei sonolento e abri a porta para dar de cara com uma Sarah completamente diferente da noite anterior, e com uma expressão um tanto envergonhada. - Posso entrar? – ela perguntou baixo – Prometo que mantenho as mãos longe de você. – acrescentou com urgência. Abri espaço para ela entrar, mas deixei a porta aberta – Queria muito pedir desculpas por ontem à noite. Só me lembro de flashes, mas queria muito agradecer por ter sido tão legal. - Eu disse que você ia me agradecer. – dei um meio sorriso. - Disse? – ela ergueu as sobrancelhas – Enfim, desculpa por... – ela fez um gesto amplo com as mãos – tudo. - Tudo bem, não se preocupe com isso. – tranquilizei-a me aproximando. – Só tome cuidado com o que bebe e onde, Sarah. Você pode encontrar caras que vão se aproveitar da situação. - Benicio... – ela chegou mais perto, abaixando a cabeça – Sei que ontem foi um erro, mas queria que soubesse que eu realmente gosto de você. – ela me encarou com olhos intensos e esperançosos. Fiquei momentaneamente sem palavras pela declaração aberta. – Sei que você pode estar surpreso, mas eu sempre te observei. - Sarah, eu... – como eu ia falar que não me interessava por ela sem magoá-la? - Não! – ela pediu erguendo uma mão – Não fala nada, por favor. Já estou saindo. – e então se dirigiu para a porta e sumiu sem me olhar de novo. Sentei na cama e respirei fundo. Nunca que eu ia imaginar que Sarah gostava de mim para valer, pensei que era uma loucura por conta da bebida e a curiosidade de estar com um cara mais velho. Precisava manter toda a distância dela a partir de hoje para não dar esperanças, eu nunca a veria como nada além da amiga da minha irmãzinha caçula. No mesmo instante a imagem de Betina me veio. Ela não era isso também? Não, rejeitei a ideia rapidamente. Ela mesma me disse que nunca fora próxima da Luisa. Mas mesmo assim era uma garota mais nova. Não pareceu que era uma curiosidade dela ontem à noite, e com certeza ela não tinha bebido, mas ainda assim era é boa diferença de idade. Afastei as ideias e desci para tomar um café. Luisa estava sentada de óculos escuros com uma xicara fumegante na mesa, ao seu lado uma bolsa e livros e cadernos de escola. Parei no meio da cozinha com uma ideia pulsando na minha mente. - Apertaram seu pause? – a voz de Luisa parecia vir de longe – Falando nisso, eu agradeceria se você não falasse para meus pais sobre isso. - Não vou falar nada para nossa mãe. – respondi – Seu pai provavelmente pouco vai falar comigo enquanto eu estiver aqui. - Não seja idiota. – ela revirou os olhos – Meu pai não tem nada contra você. – retrucou, embora soubesse que não era exatamente verdade, depois levantou e pegou suas coisas com um gemido. - Algum motivo para você não ficar em casa hoje? – perguntei enquanto me servia da xícara quase intacta que estava na mesa. - Prova. – ela gemeu enquanto saía. Sentei, agitado pela ideia que crescia dentro de mim. Eu iria procurar Betina na saída da escola. Precisava vê-la na luz do dia e conversar sobre o que fizemos na noite anterior, ou quem sabe até sobre o que poderíamos fazer de novo. Me surpreendi pelo desejo que eu sentia de estar com ela mais uma vez. Seria uma manhã longa até o fim das aulas, então preenchi meu tempo organizando a bagunça do quarto e lavando a roupa suja. Era incrível a quantidade de roupa que Luisa conseguia usar, francamente. Todo instante eu lembrava do rosto de Betina olhando para mim com desejo, as bochechas rosadas e a respiração acelerada. Como era bom vê-la daquele jeito por minha causa, respondendo aos meus toques com tanta intensidade. Tomei um banho longo para acalmar minha mente e poder conversar com ela direito, depois coloquei minha jaqueta, peguei os capacetes e tirei a moto da garagem. O dia ainda tinha um ar gelado, mas o sol estava aquecendo cada vez mais. Teríamos uma tarde quente e ensolarada. Quando cheguei na escola os alunos estavam começando a sair em grupos pequenos. Estacionei e permaneci sentado sem tirar o capacete por pura distração, a procurando entre todas aquelas pessoas vestidas iguais. Meu coração batia acelerado quando a avistei, carregando um caderno no braço direito e com uma bolsa pendurada na transversal. Parecia completamente absorta em seu mundo, séria, sem notar os outros estudantes. Era uma das poucas pessoas que não estavam com amigos ao redor, rindo e fazendo piadas. Sorri comigo mesmo, finalmente lembrando de tirar o capacete, e desci da moto para andar diretamente até ela, torcendo para que seu olhar cruzasse com o meu e eu pudesse ler como ela se sentiria no exato momento em que me notasse. Minha ideia teria sido boa ou ruim? Comecei a desviar do número cada vez maior de pessoas entre nós dois para chegar o quanto antes até ela e descobrir. Foi nesse momento que um garoto se colocou bem na frente dela e a abraçou com toda a intimidade. Ele era loiro, magro e alto – apenas mais um adolescente como vários ali. Betina pareceu se assustar com a atitude, mas não rejeitou o contato e sorriu abertamente para ele. No mesmo instante eu parei onde estava e o sorriso abandonou meu rosto. O garoto segurou a mão dela com ainda mais intimidade, tentando entrelaçar seus dedos, e falava sem parar. Betina estava completamente focada nele, prestando atenção em cada palavra pronunciada. Foi um erro, percebi no mesmo instante. O que eu esperava aparecendo assim? Dei dois passos para trás, ainda observando os dois, antes de me virar e andar apressadamente em direção à moto. Nunca tinha me sentido tão estúpido quanto naquele momento. Eu encontro uma garota, dou alguns amassos nela e depois resolvo bancar o adolescente e ir até a porta da escola? Eu devia ter rejuvenescido uns dez anos sem notar. - O que você está fazendo aqui? – me sobressaltei com Luisa se aproximando de mim. - Procurando você. – respondi sem hesitar. - E já estava indo embora sem mim? – ela franziu o cenho. - Não estava te vendo, pensei que já tinha arrumado alguma carona. – improvisei enquanto meus olhos me traíram e procuraram Betina mais uma vez. Só nesse instante ela me viu, e sua expressão foi de choque. Me forcei a desviar o olhar no mesmo instante, apenas um irmão buscando a irmãzinha caçula. - Vamos? – insisti com Luisa e ela mais que depressa aceitou minha carona. Subimos na moto e acelerei o mais rápido que pude para longe dali.Fiquei parada, em choque, vendo a moto se afastar e sem ouvir qualquer palavra que Adam continuava falando sem parar e nem perceber que eu havia perdido meu foco. Benicio conseguia ser mais bonito ainda a luz do dia, mais marcante e mais destacado de todos ao redor. O que ele estava fazendo ali? Seria por minha causa? - ... você aceita? – voltei a ouvir Adam e olhei para ele parado ali, com seu sorriso aberto e sua mão na minha. Sua mão na minha. Meu Deus, será que Benicio tinha visto isso? – Betina? – Adam insistiu. - Desculpa, o quê? – perguntei. - Cinema. – ele se aproximou de mim
Júlio acendeu um cigarro ao meu lado e olhei de cara feia para ele. - Que foi? Antigamente você não reclamava. – ele deu de ombros. - Não fumo mais. – reclamei apoiando os pés na mesa de centro da sala dele. - Você era mais legal antigamente. – ele ergueu as sobrancelhas para mim. - Desculpa. – toquei a mão dele – Estou um pouco mal humorado só. - Você sabe como eu cos
Entrei em casa lentamente, sem acreditar que Benicio tinha estado ali. Ele viu Adam ir embora, eu tinha certeza. Que péssimo timming o nosso, pelo amor de Deus. Ele realmente sorriu com tristeza para mim? Eu podia jurar que sim. O que era isso que eu estava sentindo agora? Sentei no sofá. A noite passada tinha sido boa, sim. Adam tinha conseguido superar o nervoso inicial e nos encaixamos bem nesse aspecto. Eu tinha me entregado ao momento, mas acordar com os braços dele ao meu redor tinha sido um pouco estranho. E a estranheza tinha aumentando quando ele acordou e sorriu, me puxando para mais perto e beijou minha testa. Precisei inventar que minha mãe ia chegar logo para que ele saísse da cama e se vestisse, sempre com um sorriso satisfeito no rosto.
- Acho que precisamos conversar. – falei entrando na cozinha onde Júlio estava fazendo um café. O que tinha dado na minha cabeça? - Não precisa falar nada. – ele respondeu virando o corpo na minha direção – Foi um deslize, não é? Casual. – a voz dele era desprovida de raiva, que eu entenderia se ele estivesse sentindo. - Júlio, eu... – tentei encontrar palavras para o que eu tinha feito, mas não sabia como descrever. Por que eu tinha corrido ali? Para camuflar a chateação que eu estava sentindo? Isso era horrível. Eu tinha usado ele.&nbs
Meus braços ficaram subitamente frios longe do contado do corpo dele. Era estranho demais Benicio estar ali, era estranho demais eu ter me sentido completamente acolhida por ele, era estranho eu finalmente ter conseguido chorar em seus braços. Adam tinha cuidado de mim o tempo todo, e de toda parte burocrática que podia, tinha me dado todo o suporte, e eu não tinha conseguido me soltar com ele. - Adam, eu... – acho que eu devia uma explicação para ele. - Não importa. – ele me cortou – Não importa. 
Durante dois meses mergulhei numa história nova e praticamente não sai de casa, não comi direito e nem dormi, não atendi o telefone e não procurei ninguém. Dessa forma, eu não pensava em Betina. Mas era só eu sair dessa rotina que meus pensamentos me traiam. Quando eu pensava no abraço que lhe dei, sentia quase uma dor física por ter sido separado dela, e quando eu deitava na cama, a lembrança do seu corpo e de sua boca me deixavam quase febril. Depois de dez chamadas perdidas da minha mãe resolvi retornar, ou então a polícia iria acabar batendo na minha porta. Ela reclamou do meu sumiço e de novo tentei explicar meu processo criativo sem sucesso, depois insistiu que
- Nossa! – Adam falou com uma risada – Que cena mais imprópria para a porta de uma escola. Vão para um quarto. Não consegui responder. Fiquei parada olhando Benicio nos braços de um cara. Aquele era o pior momento, e nunca vou esquecer, mas foi assim que eu percebi que poderia estar apaixonada por ele. Enquanto um outro cara passava a mão por baixo de sua camiseta, como eu tinha feito, e obtendo o mesmo resultado que eu. Senti uma coisa quente me preencher. E ele olhou diretamente para mim. Diretamente nos meus olhos e foi embora.&nb
Sai da cama tentando fazer o menor barulho possível e andei lentamente até a cozinha para tomar um café. No caminho, peguei a minha camiseta que estava no chão da sala e vesti. Logo eu teria que adiantar um pouco meus textos e precisava despertar meu cérebro. Cinco minutos depois, Júlio apareceu com cara de sono atrás de mim, usando apenas uma cueca. Ele ficava a maior parte do tempo assim agora. Tínhamos passado quase todos os últimos dias na cama sem nunca conversar sobre isso, ele não me perguntara nem mesmo o motivo de eu ter o agarrado na formatura, apenas fomos direto para a casa dele. Na verdade, acho que ele não queria saber o motivo, apenas aproveitar os momentos