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Desejo Sombrio
Desejo Sombrio
Por: QiShuang
Capítulo 01: Inevitável

 

Se quiser evitar decepções ao longo de sua vida, não crie expectativas para o futuro. Essa é a regra máxima que todo ser humano deve seguir e que, infelizmente, demorou um pouco para eu entender como essa dinâmica funcionava. É inevitável: eu sou patética.

Cultivei essas expectativas como uma plantinha na jardineira da janela. Prestei atenção aos seus ciclos, reguei todas as manhãs, tardes e noites. Eu só pensava no quanto a minha vida ia melhorar depois que eu conseguisse o que eu tanto queria. Juntei energias, mentalizei, fiquei vivendo as situações imaginárias na minha cabeça enquanto estava deitada no meu quarto e estava pronta para encontrar a felicidade.

Eu estava confiante de que tudo daria certo e que depois de meio ano distante dos meus amigos de colégio, eu conseguiria — finalmente — tudo aquilo que eu mais desejava. Entreabri os lábios cheios de gloss labial cor-de-rosa e inspirei fundo, absorvendo toda a nova situação em que eu me encontrava.

Aquele era o paraíso. O cheiro de café da cafeteria no pátio principal, o vento gelado da noite e as vozes das pessoas conversando se misturavam. Eu tinha conseguido aprovação em uma das mais caras — e mais bem-conceituadas — faculdades privadas, a que tinha o melhor centro de artes de todo o país. Eu estava empolgada!

Justina! — Um gritinho de alegria chama minha atenção, vindo da esquerda.

Giro, segurando a alça da minha bolsa grande e com estampa de caveirinhas, na qual eu trouxe um estojo recheado de lápis de cor e com a outra mão, um caderno e um bloco de desenhos, que imaginei precisar deles no primeiro dia de aula, mesmo sabendo que provavelmente nenhum professor dê nada, a primeira semana é meio morta; encarando uma garota de cabelos descoloridos cacheados e olhos azuis, com um ar entre o elegante e o “moleca”, usando um vestido cor-de-rosa, suéter branco e converse, balançando os braços acenando para mim no meio do pátio. Essa é minha melhor amiga de todo o sempre — e a única maluca a falar comigo depois de tudo.

Hilay! — Abro um sorriso e me aproximo dela.

Uau, você caprichou! — Ela j**a as mãos na cintura fina e desce os olhos azuis, analisando minhas roupas, que apesar de serem todas pretas, eram bem grudadas no corpo e femininas. — Deve estar mesmo querendo impressionar Túlio, soltou os cabelos e tudo!

Hilay segurou em uma mecha do meu cabelo, que é bem comprido e está recentemente pintado de preto (antes eram castanhos e sem graça, sempre trançados). Passei mais maquiagem do que o normal e nem preciso discorrer sobre o fato de usar o mais alto salto alto que eu tinha no meu armário, certo?

Ai, fala baixo! — Olho para os lados, checando se ao redor haveriam pessoas que poderiam escutar e me julgar. — Vai todo mundo ficar sabendo que entrei nessa faculdade por causa dele!

Relaxa, Jujuba que aqui não é como o colégio, não. — Fazendo uma careta que me considerava meio besta por externar aquele pensamento e abanando a mão, Hilay segurou no meu braço e me guiou pelo pátio. — Tem milhares de alunos, todos muito ocupados com suas notas e trabalhos para prestar atenção em você. Chega a ser solitário, às vezes.

Solitário? Mas você e o Felipe não estão juntos? — Estranhei.

Felipe e Hilay são o meu casal favorito de todos os tempos, mais do que aqueles que eu fico torcendo nas séries de televisão. Eles estão juntos desde os primeiros anos do colegial e toda a sorte que eu não tenho para namorados, minha amiga tem!

Hilay solta uma risada escrachada abrindo bem a boca cheia de batom vermelho, jogando a cabeça para trás, como se eu tivesse contado uma daquelas piadas ótimas, mas já a conheço bem o suficiente para saber que ela está rindo de amargura.

Aquele sonso vive faltando na aula para jogar com os amigos e me deixando fazer todos os trabalhos sozinha, fora arrumar a casa! — Ela abre bem os olhos vermelhos, enfatizando.

É mesmo! Vocês estão morando juntos, vivando todo aquele sonho idealizado de todo casal que sai junto do colegial! — Suspiro inspirada pelo amor desses dois.

Hm, de sonho não tem nada, está mais para pesadelo, Jujuba! — Hilay dá tapinhas no meu braço por cima do casaco preto.

Tenho certeza que você está exagerando, Felipe não é nenhum bagunceiro e você deve estar aproveitando bastante o fato de que podem dormir na mesma cama, sem o seu pai enchendo o saco.

Ah, sim, essa parte continua ótima, como sempre. — Hilay pisca um olho satisfeita e me puxa pelo braço, adentrando um corredor.

É bem na hora que um garoto está saindo da biblioteca, segurando alguns livros de capa dura e um que parece uma grande enciclopédia. Apesar de eu ser uma garota magra, eu sou alta e forte. Costumava fazer parte do time de vôlei do colégio e mesmo tendo abandonado o time no último ano, eu ainda sou bem mais forte que as garotas em um geral. É biológico, eu acho!

Eu me choco contra ele, empurrando-o contra a parede com a força do meu corpo e os livros escorrem para o chão, abrindo as páginas, soltando folhas e uns panfletos de uma casa de show, esparramando por cima de seus coturnos com bico de aço.

Ai! — Faço, colocando a mão por baixo dos seios, na costela, onde os livros bateram.

Ei! — O garoto reclama.

Jujuba! — Hilay acrescenta drama, colocando as duas mãos na boca. É tudo muito rápido, mas os detalhes ficam gravados na minha mente como uma tatuagem.

Ergo os olhos para encarar o rapaz contra o qual me choquei, gradativamente subindo por aquelas calças negras visivelmente coladas, as correntes prateadas presas no cinto, os esmaltes negros nos dedos cheios de anéis e um deles, um bico-de-corvo bem gótico, subindo para a gola da jaqueta negra com patches da Novocaine Mausoleum, uma banda mais morta do que aquele visual dele, inclusive e paro nos… lábios.

Nossa. Devia ser proibido um garoto ter lábios assim, bem desenhados, avermelhados, super simétricos e cheio de piercings. Um deles está até avermelhado na parte de baixo, como quem acabou de fazer aquele furo.

D-desculpe. — Fico até gaga diante daquela visão, que para muitos seria até assustadora.

Saco. — Ele faz, meio sem vontade.

Eu me abaixo para pegar os livros e é exatamente na mesma hora em que ele está se abaixando também, o que causa um segundo choque entre a gente, agora, nossas testas se batem com força.

Ai! — Caio sentada com a mão na testa e o garoto da mesma forma. Encontro os olhos dele, azuis como um céu de inverno, frios e completamente cravados em mim. Ele está com a mão cobrindo parte da testa, mas não demonstra sentir nenhuma dor e sua pele é tão branca que ele parece um vampiro. — Desculpe!

Diante de mim está a bagunça, de livros, papéis e panfletos, que eu junto como posso com as mãos, tentando não perder os meus preciosos desenhos que se desprenderam do bloco que eu trouxe. Junto tudo e me levanto. É quando percebo que Hilay segura alguns livros também e o garoto fica segurando uma folha de papel, encarando um desenho que eu fiz de Túlio. Sabe, é um presente, que pretendo entregar quando eu o encontrar.

Ai! — Puxo rapidamente a folha da mão do garoto e ele pisca os olhos cheios de maquiagem negra, sem me entender. — Aqui, seus livros. — Entrego para ele, disfarçando. — Eu não te vi, desculpe.

Hm. — O rapaz responde, sem dizer nada, apenas esticando as mãos e pegando os livros.

Eu fico esperando um “obrigado”, mas não vem. Reparo que ele está com essa bolsa-carteiro, toda negra e de pano, com patches de bandas colados e com correntes, um chaveiro de morcego. Mórbido demais até para mim. O rapaz guarda os livros na bolsa, pega os que estão na mão de Hilay que está com os olhos bem abertos e essa expressão incrivelmente assustada em seu rosto pálido.

Ele pega os livros, guarda, dá um passo para sair e Hilay estranhamento dá quase que um pulo para trás como um animal assustado, me puxando junto. O garoto se afasta de nós.

Nossa, que mal-educado! — Eu digo, antes que ele se afasta. — Não vai cair a língua se disser um “obrigado”, viu?

Jujuba, o que você está fazendo? — Hilay dá uns tranquinhos no meu braço puxando a minha jaqueta, falando como um sussurro, me repreendendo.

O garoto para de costas para a gente e olha por cima do ombro com seus olhos azuis gélidos. Não sei se ele está tentando ser ameaçador ou o quê, mas não funciona, ergo as sobrancelhas exigindo o “obrigado”, mas ele apenas venta, rindo de canto, mostrando as pontinhas do canino pontudo e me ignora, voltando-se para o corredor.

Mas que arrogante!

Ei! Ei! — Eu tento chamar, acompanhando suas passadas rápidas por entre as pessoas até que, de repente, eu o perco de vista, como um passe de mágicas. — Ai, mas que idiota! Se eu encontrar esse garoto de novo, eu vou dar um soco nele!

Cê tá louca! — Hilay aperta as unhas por cima das minhas roupas e eu olho para ele sem entender. — Não chega perto desse cara, Justina!

Por que? — Pergunto conferindo meus cadernos enquanto voltamos a caminhar, é quando encontro um livro pequeno e de capa preta entre minhas folhas, um livro que não é meu. — Argh, deve ser dele! — Balanço o livro.

Ai! J**a isso fora! — Hilay toma o livro da minha mão. — Deve estar amaldiçoado! — E atira na primeira lixeira que encontra.

Espera! — Grito assustada.

Vamos embora, agora! — Hilay me impede de chegar perto da lixeira, e pensando bem, foda-se. O garoto foi um tremendo arrogante, nem ligo de jogar o livro dele no lixo.

Por um tempo, apenas vamos andando pelo corredor e seguindo as placas que indicam a secretaria, onde posso pegar uma cópia do meu horário e saber onde irei estudar.

Quer me contar o que foi aquele surto? — Pergunto, cortando o silêncio entre a gente.

Olha, tudo bem. — Hilay coloca a mão em sua testa, como se limpasse o suor. — Vamos esquecer e rezar para ele esquecer o que aconteceu e não fazer nada com a gente.

Pfff! Fazer o quê?

Você não tem ideia de quem ele é! — Ela abana o rosto, apavorada.

E você tem? — Desafio.

Sim! Todo mundo sabe quem ele é, o nome é claro que eu não sei, mas o apelido é pinhead. — Ela abre bem os olhos azuis enfatizando. — Sabe, igual aquele do filme, por causa dos piercings.

Pegavam mais levo comigo no colegial do que com ele aqui, hein? — Dou uma risada debochada. Eu gosto de heavy metal e já fui em alguns shows, mas nunca debocharam de mim por isso e sim, por outros motivos. — Coitado.

Coitado, nada.

Lay! — Digo alto, meio que repreendendo por ela não estar me dizendo nada.

Ai, Jujuba, bom eu te digo, se quer tanto saber, mas não vai rir… O pinhead é satanista, vendeu a alma para o demônio e já matou uma pessoa. — Hilay explica. Eu dou risada e penso, que ridículo. — Ah, você está rindo?!

Desculpe, foi inevitável!

Inevitável é o que ele pode fazer contra a sua alma, isso sim! — Hilay balança o dedo no meu nariz, dando meio que bronca, como uma mãe. — O pinhead e esse cara, um maluco motoqueiro, discutiram feio por causa de uma menina, ele até levou um soco e ficou com o olho roxo, mas… bem, o motoqueiro sofreu um acidente e está em coma até hoje.

Hilay, estar em coma e morrer tem uma grande diferença. — Eu a corrijo e ela cruza os braços. — E não é possível que você acredite nisso, você não tem mais doze anos para ficar impressionada com lendas urbanas.

Não é lenda urbana! Aconteceu bem aqui na faculdade e todo mundo viu! Pode perguntar pro Felipe, ou pro Túlio! — Ela estreita os olhos, como se atirasse dardos sobre mim. — Não chega perto desse cara, Jujuba!

Tá, tá. — Reviro os olhos e encerro o assunto, dando por vencida. — Você não vai me levar para a secretaria?

Tou levando! — Ela diz e puxa o meu braço. — Vem, vamos logo que as aulas já vão começar e eu tenho que ir.

Achei que a primeira semana era uma semana morta, que os alunos não fazem nada e nem os professores… — Comento sendo arrastada pelo corredor.

Ah, pois trate de ir se acostumando que aqui na Faculdade São Valentim as coisas são bem diferentes do que você imaginou. — Hilay sentencia.

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