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Capítulo 03: Palavras não ditas

 

Namorada? Como assim, “namorada”? — Aquelas palavras me atingiram como uma bomba e eu tinha explodido em mais de mil pedacinhos microscópicos. Bem, meu coração tinha.

Eu senti um misto de sentimentos naquela hora, olhando para Túlio e aquela celebridade de quinta categoria com grande descrença. Era quase inacreditável que ele tivesse dito que estava namorando outra menina e pior, uma que era muito mais bonita do que eu, diga-se de passagem. Eu me senti traída pelo pior tipo de pessoa, com raiva, de Túlio e dessa tal Roxane. Meu sangue ficou mais volumoso, bombeando em minhas veias, esquentando como fogo e eu senti raiva. Muita raiva!

É, namorada, algum problema? — Roxane pergunta erguendo um pouco as sobrancelhas e segurando no queixo de Túlio, fazendo o rosto dele virar para dar-lhe um selinho.

Seus lábios se colaram e foi tipo um estalo. Seco. Tenho certeza que em algum lugar do universo uma galáxia explodiu com o tanto de raiva que estou sentindo!

Sua m*****a! — Empurrei Roxane com toda força nos meus braços.

Aaaaah! — Roxane deu um passo para trás se afastando de Túlio.

Foi tudo muito rápido. Túlio me empurrou com o braço, protegeu Roxane e ela gritou de volta vindo na minha direção, eu dei um tapa na cara daquela desgraçada. Assim que ela caiu no chão, sendo amparada pelos braços do amigo que estava ali vendo tudo em primeira fila, Túlio me acertou um soco.

Caí no chão por cima dos meus braços e me sentei, virando para ele, que balançava a mão enquanto um fio de sua franja dourada pendia desgrudando do penteado. Ele parecia sentir dor, mas garanto que não era nem metade daquela que eu estava sentindo… E nem estou falando da dor física. Eu fiquei sentada segurando a bochecha, onde o soco me atingiu e a imagem de Túlio virou esse borrão desconexo, manchado pelas lágrimas que queimavam em meus olhos.

É assim que vai ser, Túlio? — Pergunto travando o maxilar com raiva. — Por que não diz a sua namoradinha como voc--

Cala a sua boca! — Túlio ergue o braço mais uma vez e dessa vez, acho que ele vai acertar-me com mais forma, para fazer um belo estrago.

Ei! — Uma sombra toda negra fica na minha frente, apartando a briga. É um choque quando reconheço o garoto arrogante, suas correntes, anéis e claro, o coturno desgastado.

Não se mete! — Túlio dá um passo ainda na minha direção, mas a sombra fica na frente, protegendo, empurrando-o para trás e Roxane o segura no braço, puxando. — Saia da minha frente!

Qual o seu problema, covarde? — O garoto arrogante continua.

Túlio, pelo amor de Deus! — Roxane puxa Túlio pelo braço, o amigo dele se mete, segurando-o também. — Não vale a pena.

É cara, é só um travesti!

Túlio para de forçar, suspira, arruma suas roupas, vira as costas e sai abraçando sua namorada. A sombra negra na minha frente coloca as mãos na cintura, resfolegando e depois, vira-se para mim, estendendo a mão.

Não preciso da sua ajuda! — Dou um tapa na mão dele, me levanto e saio rapidamente dali limpando as lágrimas e deixando a plateia toda para trás.

***

Corri para o primeiro banheiro feminino que encontrei. Eu estava com os olhos todos borrados de maquiagem e levei um tempão entre parar de chorar e limpar aquela bagunça toda. Ouvi o sinal das aulas tocar e achei que fosse bom esperar o banheiro feminino esvaziar antes de abrir o boxe e me aventurar para fora, quer dizer, acho que ninguém me veria naquele horário. Minha cabeça estava latejando, de tanto chorar e eu não sou uma pessoa que chora por qualquer coisa.

Assim que abri a porta para sair, tomei um susto encarando aquele par de olhos azuis como lagos congelados. O garoto se retesou desencostando da parede, colocou as mãos no bolso e soltou um quase-suspiro, ou algo assim. Ao lado dele, vi Anelise, segurando minhas coisas que trouxe da cantina e deduzi que eles estavam conversando.

Justina. — Anelise me anuncia.

Você tá legal? — A sombra pergunta.

Eu tenho o direito social de usar o banheiro feminino. Não foi nenhum engano.

Não por isso. — Ele continua parado, impassível, com as pontinhas dos cabelos escuros roçando sua bochecha de uma forma até encantadora.

, eu não queria ter que admitir, mas ele estava sendo fofo por estar ali me esperando e eu deveria pegar um pouco mais leve com ele. Era uma boa forma de pedir desculpas por ter sido um completo babaca como ele foi da última vez.

Você não precisa ficar cuidando de mim, não sou nenhuma criança. — Afasto-me da porta do banheiro, que fecha sozinha, adentrando no corredor. — Obrigada, Anelise, não precisava.

Imagina. — Anelise morde os lábios e me entrega a bolsa e os cadernos. — Vai voltar para a aula? Acho que devia ir até a secretaria dar queixa dele, com certeza ele será expulso!

Não vale a pena, é só um otário. — Eu digo com um suspiro. — Eu vou voltar para casa.

Hm, sem problemas. Acho justo. Quer anotar o meu celular? Qualquer coisa você me liga. — Anelise oferece com toda simpatia, uma que eu não consigo (e não quero) recusar.

Claro. — Abro minha bolsa, procuro o meu celular e trocamos uma mensagem para adicionar os números na agenda uma da outra. — Obrigada, mesmo e desculpe, acabei nem te apresentando meus amigos.

Não chame aquele otário de amigo. — Anelise revira os olhos e estende a mão. — Vou para a aula, nos vemos amanhã?

Certeza. — Eu a abraço.

Anelise fica meio dura de cara, com o abraço, mas depois me abraça dando tapinhas nas minhas costas e nos afastamos. Ela acena para mim, depois, para alguém atrás de mim, o que me leva a questão… Giro, encarando aquele cara-sombra, um pouco surpresa com o fato de que ele ficou parado, do lado da gente, sem dizer nada.

O que faz aqui? — Arranho a voz com raiva só de vê-lo, como se ele fosse culpado pelo o que houve com Túlio. — Pensei que tivesse compromissos com aquele arco-íris de góticas.

Já está com ciúme?

Obvio que não. — Cruzo os braços segurando os cadernos e olho de forma desdenhosa para ele, não que tivesse muito a desdenhar, mas ele não precisava saber que eu o achava atraente. — O que você quer?

Acompanhar você. — Ele diz, dando de ombros como se fosse óbvio. Devo ter feito uma cara, pois ele continua. — Até a saída.

Oh, que gentil da sua parte! — Desdenho com uma revirada de olhos irritante e típica. Começo a andar pelo corredor. — Nem parece a mesma pessoa com quem cruzei mais cedo e nem foi capaz de dizer um obrigado.

Igualmente. — Ele responde, vindo atrás de mim.

Olho para ele por cima do ombro, balançando aquela bolsa carteiro que conforme ele anda, se choca na parte detrás do corpo.

Igualmente o quê?

Você também tem dificuldade de agradecer. — Ele diz.

Isso é uma provocação ou o quê?

Aff, vai embora. — Arfo, exalando pela boca e dou as costas para ele.

Caminho o mais depressa que posso para o pátio principal, deixando o arrogante para trás. Meus saltos explodem contra o assoalho e ressoam nas paredes e como não escuto os passos dele atrás de mim, sigo tranquila.

O pátio está vazio, pois os alunos estão em aulas, como Anelise, e eu já considero que vou perder matéria! Ao mesmo tempo, não sei se tenho coragem de ficar mais um minuto por aqui. Olha, vou te dizer, essa foi realmente a pior maneira de começar o semestre na faculdade e de acabar com todos os meus sonhos. Se eu estou irada? Pode apostar! Foi humilhante, levei um fora daqueles na frente de todo mundo, o time de vôlei masculino inteiro estava lá, uma celebridade oferecida e todos aqueles góticos! Túlio ainda me deu um soco, totalmente desnecessário, com medo do que eu tinha a dizer, claro.

Atravesso a porta de entrada da faculdade, desço as escadarias que dão em uma avenida e vou atravessar para pegar o ônibus no ponto em frente. A rua está vazia, por isso eu nem olho para os lados, no momento em que vou atravessar, um carro surge jogando os faróis em cima de mim, buzinando forte e sinto um puxão no braço, perto do cotovelo, me impulsionando para trás.

Que desastrada. — Aquela voz de timbre inconfundível roça nos meus ouvidos.

O carro passa, atirando uma lufada de ar gelado em cima de mim, que tem um imediato efeito de me despertar.

Ai, me solta! — Eu olho para ele, o garoto sombra, o homem mais arrogante que já conheci na minha vida, que também foi quem salvou a minha vida de um acidente fatal. Assim de perto, eu posso ver muitos detalhes em seu rosto, inclusive a barba rala, castanha. — Você está me perseguindo por acaso?

Você não parece em condições de andar por aí sozinha.

E do que isso te importa? Fique sabendo que eu estou ótima, estaria melhor se você não estivesse me perseguindo, me aborrecendo e ainda por cima me julgando! Eu não preciso e não quero a sua pena, então pode dar meia volta e ir embora! — Esbravejo para cima dele.

Terminou? — O garoto nem demonstra uma reação maior do que jogar o peso dos olhos intensos e claros em cima de mim.

Hum… Sim. Pode ir embora, não precisa se preocupar.

Não estou preocupado. — Ele passa por mim e vai caminhando pela calçada até o estacionamento cheio de motos, parando diante de uma toda preta e daquelas que parecem ter custado uma fortuna, maior que todas as outras e bem mais moderna. — Estou indo embora.

Oh. — Entorto o salto e quase caio no chão.

Quantos micos uma pessoa pode pagar diante da mesma pessoa? Por que eu estou batendo recordes com esse rapaz. Engulo o meu amargo orgulho em seco, desce pela garganta amargando minha alma. Enquanto ele se ocupa em tirar as correntes da roda, eu me ocupo em atravessar a rua e caminhar até o ponto, que está completamente vazio e escuro, quase abandonado. Pego o celular para olhar a previsão do ônibus e vou ter que ficar parada por uns vinte minutos, mais ou menos.

Escuto o ronco do motor da moto, ergo os olhos e vejo aquele garoto sair do estacionamento. Ele pega a contramão na rua, faz uma curva e para na minha frente, com a moto para o lado certo.

Quer uma carona? — Ele pergunta, me encarando pelo visor aberto do capacete preto, apenas aqueles olhos magníficos de fora.

Não, obrigada.

Com medo? — Ele provoca

Você provavelmente vai me derrubar.

Isso é relevante?

Eu moro muito longe daqui. — Recuso.

Eu tenho bastante tempo livre.

Por que você quer tanto me ajudar?

Quem disse que quero ajudar?

Ah. Eu sei o que você está fazendo. — Acerto os livros no braço e tiro uma mecha dos cabelos voando na frente do meu rosto. — Está assistindo a minha decadência, para seu próprio entretenimento.

Provavelmente.

Você ainda vai admitir? Aff! Obrigada, mas não preciso de mais uma pessoa fazendo isso na minha vida. Então por que você e o seu brinquedinho não dão o fora daqui e me deixam em paz?

Por que não engole essa sua arrogância e admite que precisa de carona? — Ele me estende um capacete parecido com o dele, com pequenas diferenças, uns adesivos roxos. — Anda, sobe logo.

Você não faz sentido. É doido, é isso, não diz coisa com coisa. — Pego o capacete, suspirando. — O meu nome é Justina, a propósito.

Eu ouvi. — Ele diz, colocando as mãos no guidom e acelerando, testando o motor. — Meu nome é Bruno.

E assim, fomos oficialmente apresentados.

***

Tenho que admitir que trafegar por entre a garoa da cidade, abraçada com um cara gato de jaqueta de couro não é a pior coisa do universo! Fiquei com a bochecha encostada em suas costas, abraçando-o por trás e tentando não deixar minha bolsa cair na rua. Bruno foi até simpático, guardando meus cadernos na bolsa carteiro dele e anotando o meu endereço no GPS do celular para me levar até em casa.

Eu estava morando nessa cobertura que minha mãe tinha alugado para mim, eu a convenci de que precisava do meu espaço agora que era uma mulher e, mesmo relutante, ela cedeu. Ficava em uma rua nobre, não muito longe da casa em que ela estava morando, por sinal, dava para ir a pé, se eu precisasse.

O prédio era bonito e moderno, uma torre branca recém-construída, com portões pintados de preto. Bruno manobrou a moto, emborcando de frente com o portão da garagem, eu estava prestes a dizer que não ia abrir e que eu teria que subir as escadas na esquina da rua, quando o portão abriu, ele desceu a rampa, dois andares e estacionou em uma vaga que parecia ser dele.

Puxei o capacete liberando os meus cabelos, que se esparramaram por cima dos ombros, surpresa.

Você mora aqui? — Deduzi o que parecia óbvio.

Moro. — Ele desafivelou o capacete abaixo do queixo e puxou.

Desci da moto um pouco surpresa, acertando a bolsa no ombro. Que coincidência mais bizarra!

Você já sabia que eu morava aqui quando ofereceu carona, não é? — Coloquei a mão na cintura, segurando o capacete com a outra mão.

Não. — Bruno soltou o capacete em cima da moto, prendendo-o.

Eu não disse mais nada, nem sabia o que falar e estava sentindo um peso estranho na cabeça, uma espécie de dor e cansaço, mas também, com tudo o que aconteceu! Ele se aproximou de mim pegando o meu e prendeu também. Desligou a motocicleta e guardou as chaves no bolso.

Caminhamos na garagem até os elevadores, a luzinha se acendeu automaticamente, eu apertei o botão e nem demorou muito para o elevador chegar. Eu entrei, ele também, ficando diante do painel. Eu me encarei no espelho um pouco, acertando os cabelos, olhando aquela marca vermelha na maçã do rosto, odiando Túlio por aquilo.

Em que andar você mora? — Bruno pergunta.

Na cobertura.

Está brincando?

Não. — Giro, encarando-o. — Por quê?

Eu também moro na cobertura. — Ele aperta o botão escrito “CO”, que se ilumina de led azul.

Intrigante. — Suspiro.

Pois é. — Ele concorda, ponderando, as sobrancelhas para cima, os olhos no chão.

O meu celular toca na bolsa e eu enfio a mão com pressa, para pegá-lo, pensando ser Hilay que já ficou sabendo do acontecido ou minha mãe, querendo xeretar minha vida e saber como foi o dia, mas no momento em que encaro aquele visor, é o nome e a foto de Túlio que aparece. Ah, agora ele vai ligar? Idiota! Desligo o celular, enchendo as bochechas de ar. Encaro o visor, estamos no sétimo andar e subindo. O celular toca novamente e é a mesma pessoa, desligo antes da música se alongar.

Assim você vai partir o coração dele. — Bruno provoca, encostado no espelho.

Ah, me poupe. — Reviro os olhos e desligo novamente. — Deve estar pensando que eu sou muito patética por ter escolhido a mesma faculdade que ele e me iludido esse tempo todo, não é?

Como adivinhou? — Bruno ironiza, erguendo as mãos, concordando.

Fique sabendo que eu não me iludi sozinha! Ele que me iludiu, fazendo com que eu acreditasse nessa… Mentira.

Que infortúnio.

Você está debochando de mim? — Viro para ele colocando a mão na cintura.

Não. — Bruno mantém a expressão em branco, a frieza de sempre. — Mas tem uísque no meu apartamento, se quiser.

Eu passo. Não vou beber com você e nem te dar bola, portanto esqueça. — Ergo a mão, abanando a ideia. Quer dizer, se ele insistir, pode ser que eu aceite.

Que pena. — Bruno guarda as mãos nos bolsos da jaqueta de couro e ergue os olhos para mim. — É uma garrafa de uísque escocês de trezentos dólares. — Na minha mão, o celular toca mais uma vez, Bruno olha para ele. — A menos que prefira atender essa ligação e fazer papel de trouxa mais uma vez.

Certo. — Desligo a ligação e o celular, para que Túlio não possa mais me ligar. O elevador abre a porta e eu passo para fora. — Meu apartamento ou no seu?

Meu uísque, meu apartamento. — Ele diz, deixando o elevador, com um quase sorrido no rosto, contornado por aquela barba estranha. — Além disso eu tenho um gato, e preciso dar comida para ele.

Qual o nome do gato? — Pergunto com estranheza, quase duvidando da existência do mesmo.

Lorde Byron. — Bruno se aproxima da porta de seu apartamento, que é exatamente em frente à minha.

Tão típico.

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