Três anos depois... Theo Lima O aroma de café fresco e pão recém-assado preencheu o ar assim que entramos na confeitaria de Lívia. O espaço era aconchegante, com luzes suaves e uma vitrine cheia de doces artesanais que pareciam tão delicados quanto ela. Lívia amarrou o cabelo, parecendo mais à vontade naquele ambiente que era seu refúgio. — Vou preparar algo especial para nós — disse ela, oferecendo um sorriso tímido, ainda processando tudo, Lívia era a mulher que eu estava procurando por anos, a minha melhor amiga. Sentei-me a uma das mesas próximas à janela, observando-a se movimentar com graça atrás do balcão. Ela era tão linda e natural naquele espaço que senti meu peito apertar novamente. Era ali, ao lado dela, que eu queria estar. Eu estava prestes a contar a verdade. A abrir meu coração completamente. Dizer para ela que eu era o seu primeiro amor. Mas, antes que pudesse começar, uma voz feminina interrompeu meus pensamentos. — Theo? Que surpresa te ver por aqui! — A
Aurora Duarte Ricci Saí da sala do Theo com o coração apertado. As palavras dele ainda ecoavam na minha mente, mas eu precisava manter o foco. Caminhei até o estacionamento, onde o carro me esperava. Através do vidro, vi Aline, a babá, sentada no banco de trás com meu filho. — Senhora, aconteceu algo? — perguntou Aline, preocupada. — Estou bem, Aline. Vou deixar vocês no hotel e depois preciso resolver uma coisa. O motorista dirigiu em silêncio. Assim que chegamos ao hotel, Aline desceu com meu filho. Dei um beijo em sua testa antes de vê-los entrar no saguão. Meu coração apertou mais uma vez, mas eu precisava seguir. O carro seguiu para o presídio. Meu estômago revirava só de pensar no que estava prestes a fazer. Quando entrei na sala de visitas, lá estava ele, o pai do Theo. — Você!—exclamou ele, me reconhecendo imediatamente. — Me reconhece? — perguntei, firme. — Reconheço. Não consigo esquecer, já que estou aqui por sua causa. Revirei os olhos, mantendo a calma.
Theo Lima A noite caía suave sobre a cidade enquanto eu e Lívia chegávamos ao restaurante. As luzes amareladas criavam um clima aconchegante, mas minha mente estava em outro lugar. Tentei focar em Lívia, em sua risada, em seu olhar carinhoso, mas algo dentro de mim parecia inquieto, talvez pelo que Aurora havia me perguntado pela manhã, ou pelo que iria revelar a Lívia naquela noite. — Vou ao banheiro rapidinho — murmurei, me levantando. Caminhei pelos corredores silenciosos até encontrar o banheiro. Lavei o rosto com água fria, tentando me concentrar, mas meu reflexo parecia estranho, distante. Ao sair, quase esbarrei em alguém. Aurora. Ela segurava a mão de um menino pequeno, que aparentava ter uns dois anos ou um pouco mais. O garoto segurava um boneco robô com força, e seus olhos grandes me encaravam com curiosidade. Antes que eu pudesse dizer algo, uma mulher apareceu correndo. — Theo! — ela chamou, pegando o menino nos braços. Fiquei paralisado por um segundo. O me
Theo Lima O silêncio depois da pergunta de Lívia pesava sobre nós como uma nuvem carregada. Eu podia ver em seus olhos a esperança se dissolvendo pouco a pouco, como se ela já soubesse a resposta que eu relutava em dar. A pergunta ecoava na minha cabeça. A verdade? Eu não sabia. Ou talvez soubesse, mas não queria admitir nem para mim mesmo. Aurora tinha um jeito de entrar na minha vida como um furacão, bagunçando tudo, e mesmo quando eu achava que finalmente tinha seguido em frente, ela voltava, nem que fosse apenas nas minhas memórias. Mas eu não podia dizer isso a Lívia. — Não é nada, Lívi — respondi, forçando um sorriso que não alcançou meus olhos. — Só foi estranho… uma coincidência boba. Ela me observou por um longo momento, como se tentasse decifrar o que eu estava escondendo, mas acabou apenas assentindo. — Tudo bem — disse, com um tom que parecia mais conformado do que satisfeito. O jantar seguiu, mas a leveza de antes tinha desaparecido. Conversamos sobre amenid
Aurora Ricci A peça do jogo girava entre os pequenos dedos do meu filho, determinado a encaixá-la onde, claramente, não cabia. — Filho, não insiste, você pode acabar quebrando. A peça não vai encaixar. Ele olhou para a peça, teimoso, e me olhou com aquele brilho nos olhos que sempre me desarmava. — Mas, mamãe, não posso desistir. É o meu jogo favorito e eu gosto muito dele. Eu tenho que tentar, tentar e tentar. Ele precisa saber que um defeito não vai me fazer parar de brincar com ele. Meu peito apertou. Porque, naquele instante, eu vi muito mais do que um menino insistindo num jogo. Eu vi uma verdade que por tanto tempo ignorei. Por que eu desisti? Por que escondi a verdade de Theo? Eu sempre estive ao lado dele, fui a primeira a conhecê-lo, a primeira a segurar sua mão ensanguentada quando ele se machucou por minha causa. Mas agora, tudo o que restava para mim era vê-lo ao lado de outra pessoa, sem lembrar quem realmente esteve com ele desde o início. Fechei os olho
Aurora Duarte Ricci Cruzei os braços, esperando que ele fosse direto ao ponto. — Precisa de mais alguma assinatura minha antes de eu ir? Ele apertou os lábios e desviou o olhar por um instante, como se estivesse organizando os próprios pensamentos. — Preciso que você espere. — Para quê? — Me responde uma coisa, Aurora. Por que, anos atrás, você investiu na minha pequena empresa? Minha respiração falhou por um momento. Eu não esperava essa pergunta. — Por que passou horas e horas fazendo planilhas, orçamentos para que eu conseguisse um investimento e, depois, colocou seu próprio dinheiro no meu negócio? Mais do que qualquer dos acionistas que tenho na empresa, você se dedicou para que meu pequeno negócio, se tornasse algo grandioso, e eu fico me perguntado, o que te motivou? Engoli em seco. Theo me olhava com intensidade, e fugir agora não era uma opção. — Porque... — suspirei, buscando as palavras certas. — Eu havia perdido meus pais quando era nova e vim
Lívia Costa —Estou atrapalhando algo?—perguntei olhando para os dois. —Não, eu já estou de saída. Olhei para a Aurora saindo em direção a porta e então disse: —Espera!—entreguei o cartão da minha confeitaria.—Apareça na minha confeitaria, será muito bem-vinda. O aroma adocicado ainda pairava no ar quando a Aurora saiu do escritório dele.Ainda sentia a presença de Aurora e Theo queimando na minha mente, como se aquelas cenas de um passado que eu lutava para apagar continuassem tão presente. —O que você e a Aurora estavam fazendo?— perguntei e fiquei pensativa. — O que disse?— A voz de Theo me tirou do transe. Ele piscou algumas vezes antes de finalmente me encarar. Parecia perdido, como se ainda pudesse sentir o perfume de Aurora no ar. Engoli em seco. —Quer uma xícara de café para acompanhar o bolo? Theo hesitou antes de assentir. Servi-lhe o café e observei enquanto ele levava o garfo à boca, degustando o bolo que eu mesma havia preparado. Seus traços se suav
Aurora Duarte Ricci O quarto de hotel estava mergulhado em um silêncio reconfortante, interrompido apenas pelo som da minha respiração controlada. Eu estava sentada na beira da cama, encarando a mala semiaberta. As lembranças do passado voltavam a me atormentar, como se tivessem esperado o momento certo para me assombrar. Então, a campainha tocou. Meu coração acelerou. Nenhuma visita era esperada. Levantei-me hesitante e abri a porta. E lá estava ela. Isabela sorriu ao ver o pequeno no sofá e, sem cerimônia, disse: — Sentiu minha falta, irmã? Fechei os olhos por um segundo. Eu sabia que ela viria. Ester nunca guardava segredo por muito tempo. — O que aconteceu? Quando chegou? — Já tem dois dias. Achou que Ester não me contaria que você veio aqui novamente? Só que, dessa vez, cuidei pessoalmente do pedido que fez a Ester. — Sua voz carregava aquele tom autoritário que sempre teve. Ela entrou e se acomodou no sofá, cruzando as pernas com a elegância de quem já sabia