Capítulo 2

JOANA

Já passava das dez da noite quando fiz o check-in no Itapuã Beach Suites. Como comprei o pacote em cima da hora, infelizmente não havia voo mais cedo disponível, mas pelo menos daria para descansar antes do passeio que já estava agendado para o dia seguinte.

A decoração da recepção era muito bonita e os hóspedes desfilavam por ali vestindo trajes leves com a cara do verão. Sofás e bancos espalhados pelos vários cantos estavam ocupados com pessoas batendo papo, além da pequena loja de lembrancinhas e um bar servindo drinks em copos coloridos.

A ansiedade com os preparativos da viagem me deixou esgotada. Como devorei todas as porcarias oferecidas no avião, não estava com fome. Eu teria uma semana para conhecer o resort, então preferi ir direto para o quarto e compensar a noite mal dormida. Conforme prometido, enviei uma mensagem para o João Pedro avisando que tinha chegado bem.

O quarto era uma delícia! Uma cama espaçosa para eu me espalhar, além de uma varandinha com uma rede. No banheiro, uma ducha e uma banheira compartilhavam o espaçoso box. Antes de dormir, deixei tudo separado para o passeio: um biquíni azul, um vestido branco bem leve que serviria também como saída de praia, óculos de sol, protetor solar e outras coisinhas.

O ar condicionado geladinho me fez dormir como uma pedra. Por sorte, no dia anterior escolhi o alarme mais barulhento do celular, pois só assim para eu pular daquela cama deliciosa. Acordei cedo para tomar o café da manhã, já que o ônibus para a Praia do Forte sairia às 8h30. Somente quando cheguei ao restaurante, que era de frente para as piscinas, pude notar o quanto aquele lugar era lindo! Agradeci mentalmente ao João Pedro por ter praticamente me obrigado a viajar. Não resisti e antes de me fartar nas guloseimas, meus pés praticamente me levaram para o lado de fora. O cheiro da piscina se misturava ao cheiro do mar. Ao redor do parque aquático havia várias espreguiçadeiras e logo mais a frente uma escadinha levava para um trecho da praia. O céu estava incrivelmente azul e ao longe se ouvia o canto das gaivotas.

Com medo de perder o horário, voltei correndo para o restaurante. Mais uma coisa para aprender naquela viagem: comer sozinha, diferente de todo o resto ali presente. Pela primeira vez na vida experimentei uma tapioca. Eram tantos sabores que fiquei até meio tonta para escolher. Optei pela de banana. Tomei duas xícaras cheias de café com leite e um delicioso pão caseiro com presunto. Voltei para o quarto para acabar de me arrumar e praticamente saí correndo para a recepção do hotel, pois faltavam apenas cinco minutos para o ônibus partir.

— Bom dia! Qual o seu nome? — perguntou a guia de turismo, com um enorme sorriso.

— Eu me chamo Joana Chaves.

— Olá, Joana. Eu sou a Ana Rosa. — Ela rabiscou um “ok” ao lado do meu nome na lista de hóspedes. — Seja bem-vinda! Já vamos partir. Pode colocar essa pulseirinha no seu braço para eu poder controlar o grupo? Vou acompanhar vocês durante todos os passeios da semana. Sente-se onde achar melhor, não há lugar marcado.

Respirei fundo para me preparar para o primeiro evento das férias e subi as escadinhas do ônibus. Ele não era tão grande, mas bem confortável. Umas quinze pessoas mais ou menos já estavam acomodadas. Passei por algumas fileiras para escolher o meu lugar e vi que tinha uma vaga ao lado de um homem. Ele era moreno, usava boné e óculos escuros. Uma tatuagem no braço direito me chamou a atenção, além da barba bem desenhada. Apesar de não conseguir ver sua fisionomia direito, pois ele estava com o rosto virado para a janela, o jeito dele me atraiu. Ele exalava masculinidade, como naqueles romances que tenho lido ultimamente. Por que não me sentar ao lado dele, não é mesmo? Afinal de contas, eu não estava lá para conhecer pessoas?

Ocupei o lugar vago do corredor, já que ele tinha tomado conta da janela. Quando eu digo “tomar conta” é porque ele havia se espalhado totalmente, chamando ainda mais atenção para seus braços e pernas bem torneadas. Tão diferente do Matheus, que era magro ao ponto de receber apelidos. Ele não... Tinha um jeito meio selvagem e misterioso. Além de ter um cheiro delicioso, como se tivesse acabado de sair do banho, mas não consegui identificar se era do sabonete ou xampu.

Ele continuou olhando para fora da janela, sem me dar a menor bola, mesmo tendo percebido alguém ao lado dele. Só virou um pouco o rosto quando partimos, pois Ana Rosa deu instruções do passeio. O ônibus possuía vários monitores de TV espalhados e um show da Daniela Mercury foi colocado para entreter as pessoas durante o tempo de viagem, que seria de aproximadamente 1h30.

O moreno misterioso continuou olhando para fora da janela, acompanhando o trajeto. Sem coragem para puxar conversa, resolvi me distrair com o show e disfarçadamente dar uma espiada nos outros passageiros. Não havia crianças, mas vários casais ocupavam as fileiras. A maior parte deles deveria ter mais de 40 anos. Acabei me sentindo a caçula da excursão.

— Você é brasileira?

A voz dele era grave e sensual. Um “oh!” saiu sem querer da minha boca. Finalmente o moreno se manifestou. Eu tinha cara de gringa?! Tudo bem que sou naturalmente loira e um tanto pálida para uma brasileira, mas…

— Desculpa, te assustei? — Ele deu uma risadinha abafada com a minha reação.

— Não! — senti o rosto corar. — Eu estava distraída com o show. Sou brasileira. Por quê?

 — Mais da metade do ônibus é de turistas portugueses. — Ele tirou os óculos escuros e um par de olhos cor de caramelo me encarou. — Meu nome é Ricardo.

Ele sorriu e uma fileira de dentes brancos e perfeitos fez minha resposta sair como num sopro.

— Joana... Prazer...

— Cheguei ontem à tarde. Engraçado, não me lembro de ter ver visto você.

— Comprei o pacote em cima da hora e não tinha horário mais cedo, vim no voo noturno. Esse será o meu primeiro passeio.

— Legal, o meu também. Você é de São Paulo, né?

— Sou... Co-como você sabe?

— Pelo seu sotaque. Eu sou de lá, moro na Vila Mariana. E você?

— Consolação. — Eu estava tão embasbacada que não percebi que o sotaque dele era parecido com o meu. — Então dois paulistanos que moram relativamente perto resolveram se conhecer nas férias na Bahia?

— Pois é! Você veio sozinha?

O tom de voz dele foi um tanto diferente na palavra “sozinha”. O jeito que ele falou teve uma leve entonação de espanto e curiosidade.

— Aham, sozinha. — Tentei fingir uma naturalidade e independência que ainda estava aprendendo a ter. — Foi o meu presente de formatura da faculdade. Queria me aventurar e pegar um bronzeado antes de procurar emprego.

— Hum, acabou de se formar? O que você fez?

— Direito.

— Parabéns, doutora Joana. Agora já sei quem eu devo procurar, caso precise.

Tudo bem. Eu já tinha escutado aquela piadinha um tanto sem graça antes. Mas nunca tinha vindo de um cara tão sexy daquele jeito. Resolvi ignorar que aquela brincadeira era minha velha conhecida e apenas sorri.

— Obrigada! E você? O que faz?

— Sou cantor. Sou vocalista numa banda cover de rock. Nosso estilo é mais anos 80 e 90, não sei se você curte... — Ele deu uma piscadinha.

Uau! Cantor? Totalmente de acordo com aquela voz grave e sensual. E, apesar de as músicas não terem feito parte do meu repertório, aprendi a gostar por causa dos meus pais.

— Você é o primeiro cantor que eu conheço. Pessoalmente, quero dizer. Toca algum instrumento também?

— Infelizmente não. Até tentei aprender violão, mas foi um desastre. Eu deixo isso por conta do Carlos.

— Carlos?

— Ali, na fileira ao lado. Carlos? — Ele inclinou o corpo um pouco mais para frente para que o amigo pudesse vê-lo.

Um rapaz branquinho e bochechudo acenou. Ele não era feio, mas tive que segurar o riso, pois o achei parecido com o Quico do seriado Chaves. Ao lado dele uma garota ruiva usava imensos óculos escuros e acenava de uma forma um tanto exagerada.

— Pessoal, essa é a Joana. Ela veio de São Paulo também. O Carlos é o tecladista da banda e às vezes toca violão. Aquela é a Tânia, sua noiva. Agora também é a nossa assessora.

— Muito prazer, Joana! — A tal Tânia continuava acenando loucamente. — Que legal ter mais uma pessoa de São Paulo no grupo. Considere-se devidamente adotada. Desculpe, acabei ouvindo parte da conversa de vocês. Como viemos em trio e você está sozinha, a partir de agora formaremos o Quarteto Fantástico. Não é, Ricky?

— Vai devagar, Tânia. Assim você vai assustar a Joana — disse ele gargalhando. — Não ligue, ela é meio maluquinha, mas está com todas as vacinas em dia. Não oferece perigo.

Apenas sorri. Como assim em trio?! Então Ricardo, quer dizer, Ricky, estava segurando vela para o amigo de banda? Discretamente olhei para a mão dele e não encontrei aliança. Se bem que isso não quer dizer muita coisa hoje em dia.

— Posso te chamar de Ricky também? — arrisquei.

— Claro, quase todo mundo me chama assim. Bom... Eu me apresentei como Ricardo, pois toda vez alguém faz uma piada sobre o Ricky Martin.

— Você não gosta dele? — Não consegui evitar uma risada.

— Até gosto. Mas é que ultimamente eu tenho sido mais Ricardo do que Ricky.

— Como assim?

— Canto desde os 14 anos. Mas, sabe como é vida de artista, muito inconstante. Então acabei prestando vários concursos públicos e há um ano passei para fiscal da vigilância sanitária. Essas são as minhas primeiras férias. A nossa banda deu um tempo, mas logo depois do carnaval vamos voltar a tocar em uns bares de São Paulo. A agenda já está bem movimentada e essa seria a melhor época para as férias antes da jornada dupla.

— Vou querer ver vocês tocarem, com certeza! Qual o nome da banda?

— Rockstar Edge. É sempre mais legal se apresentar para as pessoas pela parte que gostamos, né? Não tem glamour algum em fiscalizar o mosquito da dengue.

Ele fez uma careta de desagrado. Estava claro que ele não curtia ter que trabalhar em uma área completamente diferente por causa da grana. Achei interessante a sinceridade dele com uma pessoa que havia acabado de conhecer. Será que é uma característica dos cantores falarem da própria vida assim para as pessoas? Tá, meu pensamento foi meio ridículo. O fato de ele cantar e usar a voz a maior parte do tempo não faz dele um falastrão. Ou faz?

— Vou discordar de você, Ricky. Entendo que ninguém deva pedir autógrafo nem tirar selfies com fiscais, mas que tal pensar na quantidade de vidas você pode ter salvado por conta do seu trabalho?

Ele me encarou por alguns segundos com seus olhos cor de caramelo.

— Falando assim, me sinto até um herói. — Sua expressão relaxou.

— Tudo depende do ponto de vista. Monotonia não deve fazer parte do seu cotidiano. Achei legal a sua vida dupla.

— Pronto, tá decidido. Agora eu sou o Clark Kent. Você salvou a minha autoestima, Joana.

Ele riu com vontade e os olhos brilharam, ficando quase dourados. Senti um friozinho esquisito que se espalhou por toda a barriga. De repente me lembrei das tais “borboletas no estômago” que tanto são citadas nos romances. Será que eu estou tão carente assim? Bastou o primeiro homem bonito me dar um sorriso matador pra eu ficar com essas asinhas batendo sem parar?

Para a minha sorte, Carlos e Tânia começaram a puxar assunto. Dessa forma, acredito que pude disfarçar a expressão de carente todas as vezes que ouvia o tom da voz do Ricky. Carlos contou que além de tocar em outras bandas, especialmente as que atendem casamentos e festas, também dava aulas de música para crianças. Tânia trabalhava como contadora de histórias e às vezes fazia isso junto com Carlos. De repente eu me senti a mais burocrática das pessoas. Por causa da faculdade acabei me relacionando apenas com advogados e estudantes da área. Era o meu primeiro contato com artistas e a impressão foi bastante divertida.

Somente quando o ônibus estacionou e as pessoas começaram a se movimentar para sair é que percebi que havíamos chegado. Aos poucos todos ficaram próximos da Ana Rosa, que daria as instruções do passeio.

— Oi, pessoal. Antes de prosseguirmos, preciso dar alguns avisos. Não é permitido circular ônibus pelo vilarejo, então o nosso ficará estacionado aqui nos aguardando. Antes, era um vilarejo de pescadores e vocês vão adorar passear por lá. Há muitas lojas, bares, restaurantes e, caso necessitem, postos de atendimento de bancos para saques. Aqui também fica o Projeto Tamar, de proteção às tartarugas marinhas. É preciso comprar ingresso para entrar, então é opcional. Vamos marcar aqui às 13 horas como ponto de encontro? Logo em seguida vamos para a praia de Guarajuba, onde poderão almoçar ou tomar banho de mar. O meu número de celular está gravado na pulseirinha de vocês para alguma eventualidade. Divirtam-se!

Começamos a andar e, quando dei por mim, Ricky estava ao meu lado. O casal de amigos vinha logo atrás, de mãos dadas. Ricky era bem mais alto do que eu. Como dizem por aí, ele era um perfeito exemplo de “homão da porra” e me senti uma criança baixinha perto dele. Infelizmente, por causa do sol forte, ele colocou novamente os óculos escuros, escondendo o par de olhos hipnotizantes.

— Quantos anos você tem, Ricky?

— Faço 26 no mês que vem. Por quê?

— Por nada. Desculpa, que pergunta infantil. — Dei um riso torto, sem graça. Queria cavar um buraco pra me esconder. Perguntinha de primário.

— Curiosidade normal, ué. Posso então fazer a mesma suposta pergunta infantil? — Ele riu.

— Tenho 22.

— Praticamente um bebê. — Ele fez uma careta divertida. 

— Liga não, Joana. Só porque ele é gigante acha que todo mundo é bebê. São apenas quatro anos de diferença, sabichão.

Tânia parecia ligada em tudo o que Ricky falava. E eu ainda me perguntava mentalmente o que ele fazia segurando vela para aqueles dois. Mas, claro, eu não ia verbalizar isso. Já bastava a infantilidade de perguntar a idade. Realmente precisava treinar mais o convívio social para evitar perguntas cretinas.

Compramos os ingressos para entrar no Projeto Tamar. Apenas um casal do nosso grupo não quis entrar e preferiram usar todo o tempo na vila.

Tudo era muito bonito. Várias espécies de aquários e piscinas com tartarugas de diversos tamanhos. Um guia explicava o processo de desova, a importância do projeto ambiental e mais outras coisas. Estava bem cheio e muitas crianças se divertiam apontando os animais para os pais.

— Eu vou querer foto ali, claro! — gritou Tânia, apontando para uma espécie de estátua de tartaruga sentada em um banco de frente para o mar.

— É lógico que você ia querer tirar um milhão de fotos de turista... — implicou Ricky.

— E eu sou o quê? Turista, né? Larga de ser chato e tira logo essa foto. Como você é alto, o ângulo fica de cima, dando uma emagrecida natural na gente.

Carlos apenas ria dos comentários da noiva. Ricky revirou os olhos e pegou o celular dela. Tânia fez um monte de poses: agarrada na tartaruga, fazendo cara de sexy, se fingindo de desmaiada e outras hilárias.

— Vem, Joana! Vou pegar o pau de selfie pra todo mundo sair junto.

— Claro. Eu tinha me esquecido dessa vergonha de pau de selfie. — Ricky implicou mais uma vez, mas seu jeito debochado de falar era engraçado.

— Se você reclamar de novo, eu vou colocar pimenta na sua comida. Aqui não tem esse negócio de quente ou frio? Você vai aprender rapidinho na prática, entendeu cantor? — Ela fez uma careta, ajustando o celular no acessório. 

Eu me posicionei perto da Tânia e Ricky ficou na ponta, ao meu lado. Ele passou o braço em volta do meu ombro e seu corpo estava quente. Seus dedos fizeram uma leve pressão em meu braço e o lugar onde ele tocava parecia em chamas. Meu Deus, o que está acontecendo comigo? Há quanto tempo eu o conheço? Duas horas?

Depois de várias poses malucas para fotos e comprinhas na lojinha do projeto, seguimos para o vilarejo. Ele era formado por várias ruas cheias de artesanatos e bares temáticos. Uma pena que não daria para ver tudo em tão pouco tempo. Aquele seria um ótimo lugar para se hospedar por no mínimo uns três dias.

Resolvemos parar em uma sorveteria. Ela era cercada por mesinhas e árvores que forneciam uma sombra gostosa. Seria ótimo para descansar um pouco as pernas, além de aliviar a sede provocada pelo calor.

— Você tem namorado, Joana? — perguntou Tânia naturalmente, enquanto colocava uma colher bem cheia de sorvete na boca.

— Tinha. Terminamos há dois meses.

— Huumm. Solteira. Bom saber. Assim não seremos ameaçados por algum namorado ciumento, né Ricky?

Ele apenas semicerrou os olhos na direção dela, como num aviso para que ela parasse. Fingi que não notei.

— Ricky é um ímã de namorados ciumentos por causa das fãs nos shows. Mas como eles deram uma parada por uns meses, as confusões também deram um tempo. Aliás...

— A gente adora viajar — comentou Carlos, interrompendo-a e a tentativa de calar a boca da noiva ficou nítida. — Já que essa é a sua primeira viagem sozinha, posso te garantir que vai se viciar nisso. Viajar em grupo é sempre bom, mas nada como se aventurar. Por enquanto, Tânia e eu já percorremos praticamente todo o Sul e resolvemos agora investir no Nordeste. Queremos fazer o mesmo pela Europa, no ano que vem.

— Ricky é um tanto mão de vaca com esse negócio de viajar. A gente cansou de chamá-lo no ano passado e ele sempre deu pra trás. Mas dessa vez a gente praticamente o obrigou. Milagre do Papai Noel.

— Assim a Joana vai pensar o que de mim, Tânia? — Ricky não aguentou e riu da amiga tagarela. — Que além de servir de vela de casalzinho ainda sou pão duro?

— Eu não vou pensar coisa alguma... — Não aguentei mais segurar o riso e dei uma gargalhada um tanto alta. — Preciso confessar que vim obrigada pelo meu irmão. Também pertenço à classe dos que pensam dez vezes antes de gastar. A ideia da viagem foi dele.

— O que dizer do irmão da Joana que eu nem conheço e já considero muito? — Ri da brincadeira da Tânia pensando no que o João Pedro responderia já que é tão metido.

— Ricky tem esse tipão maravilhoso e está solteiro. Um absurdo, não acha? Uma das minhas metas de ano novo é tirar esse garoto de casa antes que a diarista o confunda com algum móvel.

— Se eu não soubesse que vocês se conhecem desde crianças, esse seria o momento pra sentir ciúmes? — Carlos fingiu querer enforcá-la.

— Acho que já está na hora de voltarmos para o ônibus, não? — Ricky se levantou, encerrando o papo.

Andamos calmamente até o ponto de encontro. Enquanto eles comentavam as belezas do vilarejo e as impressões do Projeto Tamar, eu não conseguia parar de pensar nas alfinetadas e indiretas da Tânia. Era mais do que óbvio que ela estava tentando me jogar para cima do Ricky. Ele sendo bonito daquele jeito precisava que alguém fizesse o papel de cupido, jogando o amigo para a primeira mulher que aparecesse? Além de tudo, ele é caseiro e sem namorada? O moreno ficava ainda mais misterioso. Ele não é o tipo de homem que passa despercebido nos lugares, até mesmo na fila do supermercado. Como assim ele não tem ninguém?!

Parecendo alunos no primeiro dia de aula, praticamente todos voltaram para os mesmos assentos no ônibus. Como todo mundo começou a interagir mais, o papo ficou animado e o grupo de portugueses arriscou acompanhar as músicas baianas que tocavam nos alto-falantes. Cerca de meia horinha depois, já em Guarajuba, o ônibus parou em frente a um restaurante e Ana Rosa definiu aquele como o ponto de encontro. Teríamos duas horas para almoçar e aproveitar a praia.

Dei uma conferida no cardápio disponível na entrada do restaurante, mas nada me agradou. Olhei para a praia em frente e vi que tinha vários quiosques.

— Eu não estou com vontade de comer nada daqui. Acho que vou ficar em algum quiosque e comer o tradicional queijo coalho assado com uma Coca-cola bem gelada. Além de dar um mergulho, claro.

— Achei sua ideia perfeita, Joana! — Tânia me abraçou como se fosse uma velha amiga. Aquela garota era realmente bem engraçada e um tanto grudenta. — Eu topo!

— Eu vou querer também. Mas, antes disso, vou dar um mergulho naquele mar maravilhoso. Vamos, Carlos?

— É pra já, Ricky!

Escolhemos um quiosque na areia, que cedia cadeiras de praia e guarda-sol. Enquanto Tânia fazia os pedidos, aproveitei para ir ao banheiro. Quando retornei, uma Coca-Cola bem gelada já me aguardava e os garotos tinham seguido para o mergulho.

Antes mesmo que eu pudesse me xingar mentalmente por ter perdido Ricky sem aquele bendito boné, já que estava muito curiosa a respeito dos seus cabelos, a visão dele voltando do mar me deixou de queixo caído. Ele usava um short azul que deixava pouco para a imaginação. Seus cabelos eram bem pretos, fartos e lisos. Na parte de trás, eles ficavam um pouquinho abaixo da base do pescoço. Na frente, caiam em cascata cobrindo parte da testa.

Ele escolheu a cadeira ao meu lado e, hipnotizada, assisti quando ele jogou os cabelos para trás, fazendo com que gotas escorressem pelo seu pescoço e deslizassem pelo peitoral malhado. Eu parecia assistir a um comercial de xampu masculino. Precisei tomar um grande gole da bebida gelada para aplacar o calor gigantesco que senti por dentro.

— Olha aí! Quatro queijos com a casquinha torradinha para os fregueses. — O vendedor, com um sotaque bem característico, deixou o prato no centro da mesa e cada um se serviu com um espetinho.

— Isso sim é um queijo de respeito! — Ricky deu uma mordida e soltou um gemido de prazer enquanto fazia um sinal chamando o vendedor novamente. — Pode trazer mais um pra mim.

— Só pro moço galã de novela? Ou trago mais três?

A risada foi tão grande que só conseguimos fazer um sinal de joinha com as mãos. Se até o vendedor da praia achava que ele era bonito, então o vulcão em erupção dentro de mim era mais do que justificável.

— Só planta de plástico resiste ao charme do Ricky... — Carlos, que até agora parecia se segurar nas piadas, não resistiu.

— Vai se foder, Carlinhos. — Ricky riu e jogou uma bolinha de papel nele.

— Além de castiçal de luxo e pão duro, a Joana vai te achar desbocado e porcalhão! — Carlos pegou a bolinha que caiu na areia. — O outro vem de São Paulo pra sujar a praia da Bahia. Toma vergonha, rapaz!

Eles precisavam parar com aquelas alfinetadas! Enquanto terminava o meu primeiro espetinho, mudei para o assunto campeão de quando você não sabe o que dizer: o tempo. Que o céu estava tão limpo, azul, lindo e blábláblá. Deu certo, pois nos cinco minutos seguintes eles se concentraram no cenário e não em mim.

— Bom, enquanto o outro queijo não chega, acho que eu vou dar um mergulho.

Como eu estava com o biquíni por baixo do vestido, sem pensar muito o tirei pela cabeça e saí correndo para o mar. A vontade de enfiar a cabeça na água era maior do que a curiosidade de saber se ele havia gostado do que viu quando tirei o vestido.

Como fui descalça, só então pude perceber como a areia estava quente. Porém, quando cheguei perto do mar, meus pés foram banhados por uma água bem fresquinha. Quanto tempo não sentia isso! Fui entrando aos poucos até a água bater na altura da minha cintura. Baixei o corpo e deixei que uma grande onda passasse por cima da minha cabeça.

A sensação deliciosa demorou uns 30 segundos. Senti algo agarrar o meu tornozelo e rapidamente voltei para a superfície. Como que num instinto de sobrevivência, me agarrei na primeira pessoa que estava perto.

— Eu te chamei para gente vir junto e você nem me ouviu, moça apressada... — Ricky tinha uma expressão engraçada. Só aí eu percebi que ele estava me segurando no colo! Literalmente!

— De-desculpa, eu não ouvi.

— O que tanto te assustou embaixo d´água?

— Alguma coisa agarrou o meu tornozelo.

— Deve ter sido alguma alga. Aconteceu comigo também.

Ele continuava me segurando no colo e parecia se divertir com aquilo.

— Errr... Já que nenhum monstro parece querer me atacar, acho que pode me soltar agora...

Ele me soltou, mas a expressão divertida continuava grudada naquela carinha linda. E assim, tão de perto, pude ver que ele tinha sardas bem discretas perto do nariz.

— Acho que a nossa segunda rodada de queijo já deve ter chegado, né? Vamos? — Foi a minha desculpa para escapar daquele vexame.

Ele nem teve tempo de me responder, apenas me seguiu. Enquanto devorávamos o espetinho, agradeci mentalmente aos céus pela Tânia ser tão tagarela, pois ainda estava morta de vergonha por ter ido parar no colo do Ricky. Aos poucos fui me acalmando enquanto ela contava casos engraçados de eventos infantis que tinha feito com Carlos. Eles parecem bem unidos e apaixonados. O namoro deles deve ser bem divertido.

Na curta viagem de volta, a grande maioria estava cansada e sonolenta. Foi a deixa que eu precisava para fechar os olhos e fingir que também tirava um cochilo. Como em todos os trajetos, Ricky estava sentado ao meu lado. Diferente das outras vezes, em que ocupou a janela querendo ver tudo o que se passava do lado de fora, ele fechou as cortinas para que ficasse mais escurinho durante o seu descanso. O primeiro dia de viagem tinha sido recheado de fortes emoções.  

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