Eu voava alto quando me aproximei do acampamento. A lua cheia, iluminava a noite estrelada. Voei mais vagarosa e suavemente para evitar ruídos com o bater de minhas asas. Planei em círculos por um tempo e, de cima, eu via as fogueiras ainda ardentes no acampamento e as tendas, umas escuras, outras com tímidas fontes de luz dentro. Algumas nuvens encobriram parcialmente a lua e eu sobrevoei de muito alto em uma parte limpa do céu. Nossa visão privilegiada me permitiu ver as sentinelas de guarda. Dez delas espalhadas, descrevendo um esboço de pentagrama e em cada ponta, duas juntas.
Usei minhas perícias mágicas para verificar a existência de magos, armas ou itens mágicos presentes. Para minha surpresa não havia apenas um mago, mas dois, dividindo a mesma tenda e portando itens mágicos diversos. Pelo menos dez outros homens também portavam armas mágicas. Talvez alguns desses itens até tenham feito parte da coleção de meu irmão, mas mesmo que não fizessem, eu precisava tirá-los daquelas criaturas que não os mereciam.
O ataque teria que ser certeiro e sem chances para reação. Eu teria que dizimar a todos muito rápido, começando pelos magos. Seria fácil com um ataque surpresa, mas eu teria que esquematizar a sequência para evitar qualquer possibilidade de defesa.
As tendas ficavam próximas, com os magos na barraca do centro, e os homens com armas mágicas nas adjacentes, formando um círculo em torno dos magos.
— Mas como são tolos. Subestimam seus inimigos! Vêm caçar dragões e não esperam um ataque de cima? Vai ser muito fácil — afirmei a mim mesmo em voz baixa.
Mergulhei em direção à tenda central e na distância certa lancei a primeira baforada flamejante que atingiu o ponto onde estavam os magos. Houve um grande estrondo e as chamas se esparramaram pelas barracas adjacentes.
Alguns indivíduos tiveram tempo de gritar, mas só até o momento em que pousei, esmagando-os e dilacerando-os, com minhas quatro patas e cauda, vermes que são. Sentia os corpinhos sendo estraçalhados através dos tecidos grossos que se encharcavam de vermelho tão rápido quanto eram queimados, ao mesmo tempo em que eu girava em torno de mim mesmo bafejando minhas chamas mortais por toda a extensão do acampamento. O som das vozes gritando, e contorcendo-se ao sentirem seus corpos inúteis queimando, foi como música para meus ouvidos, enquanto eu lembrava e tentava entender como seres tão tolos, fracos e subdesenvolvidos conseguiram assassinar Drwfr, meu amado e poderoso irmão. Quando lembrei-me dos motivos deles, a melodia dos gritos de dor e pavor foi mais agradável ainda.
Apenas alguns indivíduos saídos das tendas periféricas, conseguiram ver quem confiscava-lhes a vida e então gritaram por “Deus” e por “Jesus”, mas não por muito tempo. Mortais inúteis! Não têm honra nem mesmo na hora da morte! Precisam apelar para algo superior! Quando ouvi aquelas apelações tive vontade de lhes falar que nada poderia salvá-los! Ao terminar esse pensamento já os transformara em cinzas. Quando tudo e todos ardiam, flutuei, bati as asas com mais vigor e subi. Foi quando lembrei-me de um detalhe: as sentinelas. Se escapassem, outros viriam avisados por elas. Rápido, voei alto para procurá-las. Eram dez, mas no momento conseguira avistar apenas sete. Sete ardilosas sentinelazinhas que se dispersaram em sentidos diferentes para tentar me confundir. Porém, tudo é mais fácil para quem voa. Mesmo correndo em sentidos diferentes, visualizei-os como se fossem pontinhos a se ligar, como eu fazia na juventude com as estrelas. Os pontinhos interligados formavam um arco imperfeito, o que facilitou bastante meu trabalho. Voei descrevendo este arco e os estraçalhei um a um com minhas garras traseiras. Faltavam três. Voei mais alto e vi dois correndo e chegando à floresta próxima. Não podia deixá-los entrar lá, do contrário seria bem mais difícil pegá-los. Com um mergulho, consegui interceptar os dois de uma vez! Estavam juntos e não correndo em sentidos diferentes, logo, o último já devia ter entrado na mata.
Parei e pousei suavemente na entrada da floresta. Olhei atento para o interior escuro e, como nada vi, farejei com minúcia e minhas narinas confirmaram minhas suspeitas. Não estava longe. Voei, mas mesmo de cima não foi possível vê-lo devido a mata era fechada. Ateei fogo descrevendo um semicírculo na intenção de prendê-lo em uma jaula ardente. A única chance de escapar seria voltar, mas só se eu não incendiasse o caminho de volta, o que eu fiz. Em seguida voei outra vez e observei por várias horas lá de cima sem constatar movimento algum, a não ser o das criaturas selvagens que fugiam do fogo.
Queimei uma grande área de mata nativa naquela noite, mas de acordo com a história do Mestre nem se comparava com a devastação promovida pelos humanos. A incerteza de ter matado aquela sentinela me incomodava e por isso permaneci sobrevoando o local por mais duas horas, até que desisti. Afinal, se viessem outros, teriam o mesmo fim que seus amiguinhos. Seriam tolos se fossem até lá depois de ouvirem uma história como a que a sentinela contaria se tivesse escapado. Eu precisava recuperar minhas energias e então rumei para meu aconchegante lar.
No caminho, passei pelo acampamento e constatei que aqueles seres eram ainda mais frágeis do que pensei. Não sobraram nem os ossos. Tudo virou cinzas. O cheiro dos corpos queimados podia ser sentido a quilômetros. Eu transformara a clareira em um buraco de cinzas, carvão e terra vitrificada.
Recolhi os objetos mágicos que resistiram ao ataque e dentre todos os objetos, um deles chamou minha atenção: um colar de prata com um pingente de diamante que parecia um prisma. Nunca vira nada igual. Algo dentro dele brilhava, uma luz púrpura tremeluzente ao centro. Sem disposição para analisá-lo mais a fundo, decidi que o faria mais tarde, pois todos aqueles objetos passaram a fazer parte da minha coleção.
Depois de contemplar a destruição que promovi, recolhi-me ao meu valioso leito sob a montanha. Era o momento de deixar aflorar a tristeza pela morte de meu amado irmão: sozinho e no escuro de minha caverna. Fiquei por algum tempo pensando em Drwfr com saudades e preparando-me para o triste fato de que nunca mais o veria. A certa altura, lágrimas verteram de meus olhos e subitamente levantei, gritei, urrei e soquei o chão e as paredes arrancando nacos de rocha. Depois de algum tempo, deitei-me de costas, com as asas, braços e pernas abertos. Ainda com lágrimas nos olhos, aos poucos o cansaço me acalmou, as lágrimas secaram, meus olhos se fecharam devagar e minha visão se turvou. Dormi e assim por enquanto, teria alguma paz.
Eu esperava acordar refeito, mas o que me fez despertar foi a mais profunda dor física que um Draco pode suportar. Abri os olhos, mas só vi luzes claras e coloridas que ofuscavam minha visão. Via tudo embaçado, via vultos. Sentia o calor do líquido viscoso que fluía em abundância do meu corpo. Percebi manchas vermelhas por onde meu sanguevazava em pontos onde minhas escamas foram arrancadas com violência, minha pele perfurada, minhas garras serradas, algumas arrancadas; minha cauda amputada e meus chifres e espinhos decepados a machadadas; meus dentes quebrados a marretadas. Tudo contribuía para aumentar a dor, o desespero e incapacitar meu corpo. Mas, acima de tudo, uma dor maior habitava minha alma: a faltado mana. Eu não sei como, mas em minha residência rochosa n&atil
Acordei em um sobressalto ficando de pé e ofegante como nunca. Passaram alguns dias e, ao contrário daquele pesadelo quepareceu-memuito real, recobrara minhas energias mágicas por completo. Lembrei saudoso de meu amado e falecido irmãoDrwfr. É provável que a dor sentida por ele fora equivalente ao que presenciei em meu pesadelo, de acordo com as descrições do Mestre.Resolvi afastar tais pensamentos e depois do ritual de acordar, espreguiçar, subir ao cume da montanha, certificar-me da segurança e fazer o desjejum, rumei para o Velho Vale uma vez mais. Ao lá chegar, fiz as
—Bem,Dryfr, se com essa notícia me fazes esta cara, então vou lhe dar uma notícia que, com certeza, te alegrará. Como tua mãe, a beladragonesaYdrymdeixou o lugar vago no Conselho dos Sábios e teu irmãoDrwfrteve aquele trágico fim, o lugar de tua mãe passa agora a ti. A partir do próximo Conselho serásDryfr, o Sábio.A notícia me causou tamanha euforia que tossi deixando escapar lufadas flamejantes.Eu!Dryfr, o Sábio! Admito que o título me cai bem. Então as br
Levamos quase um diainteiro para fazer todos os preparativos. Era necessário remover meu leito de preciosidades para um salão adjacente e recobrir todo o chão do salão principal com palha e peles de animais peludos, para deixá-lo mais confortável. No alto, em um dos cantos do salão, nós dois juntos conjuramos o Orbe do Acasalamento. Trata-se de uma esfera mágica que emite luz fraca, calor e aromas agradáveis para tornar ainda melhor esse momento tão importante. O orbe oscila tridimensionalmente causando efeito de sombras dançantes com nossos corpos e estruturas do salão. As paredes rochosas foram esterilizadas com várias de minhas baforadas flamejantes e depois recobertas com óleos aromáticos de árvores nativas. Tudo isso tornou noss
Cheguei pouco depois do meio-dia e fui recebido, como sempre, porRywrd. Adiantado, parei para aquele prometido diálogo com o Incansável. Conversamos por mais de uma hora em que contei a ele minhas aventuras dos últimos dias e ele relatou fatos curiosos ocorridos durante minha hibernação.Faltando mais ou menos duas horas para o pôr-do-sol, as comitivas dos sábios começaram a chegar. Cada sábio acompanhado pelo respectivo discípulo. E o fato de eu ainda não ter nenhum, incomodava o Mestre, pois eu já passara a idade de adotar um pupilo, o que só foi tolerado por causa de me
—Não precisamos ser sutis — retrucou com veemênciaTrwyf, o Púrpura. — Esses seres inferiores têm sido vulgares há décadas e foram eles que invadiram nosso mundo. Se a invasão é culpa deles, ou não, pouco importa! O fato é que chegamos antes, somos os mais poderosos, desenvolvidos e evoluídos e por isso temos o direito de fazer o que quisermos. Eu não quero esperar um “médio prazo”, eu quero acabar com o maior número possível deles já! — bradou alterado.—Todos sabemo
—Continuando, — verbalizou o Mestre depois de uma longa pausa — decidimos por campo sutil e assim será. Precisamos agora decidir a nossa estratégia, pois não poderemos sair um para cada lado, matando todos os humanos que encontrarmos nas zonas rurais de uma única vez porque isso poderia incitá-los a contra-atacar.—Bem — disseYwlin— se essa praga não estivesse se alastrando tão depressa e não fosse tão danosa, sugeriria deixar todo esse assunto de lado, mas percebo que não
Nos cinco dias que se seguiram, fiquei na companhia deWyryn