5 - ATAQUE

Eu voava alto quando me aproximei do acampamento. A lua cheia, iluminava a noite estrelada. Voei mais vagarosa e suavemente para evitar ruídos com o bater de minhas asas. Planei em círculos por um tempo e, de cima, eu via as fogueiras ainda ardentes no acampamento e as tendas, umas escuras, outras com tímidas fontes de luz dentro. Algumas nuvens encobriram parcialmente a lua e eu sobrevoei de muito alto em uma parte limpa do céu. Nossa visão privilegiada me permitiu ver as sentinelas de guarda. Dez delas espalhadas, descrevendo um esboço de pentagrama e em cada ponta, duas juntas.

Usei minhas perícias mágicas para verificar a existência de magos, armas ou itens mágicos presentes. Para minha surpresa não havia apenas um mago, mas dois, dividindo a mesma tenda e portando itens mágicos diversos. Pelo menos dez outros homens também portavam armas mágicas. Talvez alguns desses itens até tenham feito parte da coleção de meu irmão, mas mesmo que não fizessem, eu precisava tirá-los daquelas criaturas que não os mereciam.

O ataque teria que ser certeiro e sem chances para reação. Eu teria que dizimar a todos muito rápido, começando pelos magos. Seria fácil com um ataque surpresa, mas eu teria que esquematizar a sequência para evitar qualquer possibilidade de defesa.

As tendas ficavam próximas, com os magos na barraca do centro, e os homens com armas mágicas nas adjacentes, formando um círculo em torno dos magos.

— Mas como são tolos. Subestimam seus inimigos! Vêm caçar dragões e não esperam um ataque de cima? Vai ser muito fácil — afirmei a mim mesmo em voz baixa.

Mergulhei em direção à tenda central e na distância certa lancei a primeira baforada flamejante que atingiu o ponto onde estavam os magos. Houve um grande estrondo e as chamas se esparramaram pelas barracas adjacentes.

Alguns indivíduos tiveram tempo de gritar, mas só até o momento em que pousei, esmagando-os e dilacerando-os, com minhas quatro patas e cauda, vermes que são. Sentia os corpinhos sendo estraçalhados através dos tecidos grossos que se encharcavam de vermelho tão rápido quanto eram queimados, ao mesmo tempo em que eu girava em torno de mim mesmo bafejando minhas chamas mortais por toda a extensão do acampamento. O som das vozes gritando, e contorcendo-se ao sentirem seus corpos inúteis queimando, foi como música para meus ouvidos, enquanto eu lembrava e tentava entender como seres tão tolos, fracos e subdesenvolvidos conseguiram assassinar Drwfr, meu amado e poderoso irmão. Quando lembrei-me dos motivos deles, a melodia dos gritos de dor e pavor foi mais agradável ainda.

Apenas alguns indivíduos saídos das tendas periféricas, conseguiram ver quem confiscava-lhes a vida e então gritaram por “Deus” e por “Jesus”, mas não por muito tempo. Mortais inúteis! Não têm honra nem mesmo na hora da morte! Precisam apelar para algo superior! Quando ouvi aquelas apelações tive vontade de lhes falar que nada poderia salvá-los! Ao terminar esse pensamento já os transformara em cinzas. Quando tudo e todos ardiam, flutuei, bati as asas com mais vigor e subi. Foi quando lembrei-me de um detalhe: as sentinelas. Se escapassem, outros viriam avisados por elas. Rápido, voei alto para procurá-las. Eram dez, mas no momento conseguira avistar apenas sete. Sete ardilosas sentinelazinhas que se dispersaram em sentidos diferentes para tentar me confundir. Porém, tudo é mais fácil para quem voa. Mesmo correndo em sentidos diferentes, visualizei-os como se fossem pontinhos a se ligar, como eu fazia na juventude com as estrelas. Os pontinhos interligados formavam um arco imperfeito, o que facilitou bastante meu trabalho. Voei descrevendo este arco e os estraçalhei um a um com minhas garras traseiras. Faltavam três. Voei mais alto e vi dois correndo e chegando à floresta próxima. Não podia deixá-los entrar lá, do contrário seria bem mais difícil pegá-los. Com um mergulho, consegui interceptar os dois de uma vez! Estavam juntos e não correndo em sentidos diferentes, logo, o último já devia ter entrado na mata.

Parei e pousei suavemente na entrada da floresta. Olhei atento para o interior escuro e, como nada vi, farejei com minúcia e minhas narinas confirmaram minhas suspeitas. Não estava longe. Voei, mas mesmo de cima não foi possível vê-lo devido a mata era fechada. Ateei fogo descrevendo um semicírculo na intenção de prendê-lo em uma jaula ardente. A única chance de escapar seria voltar, mas só se eu não incendiasse o caminho de volta, o que eu fiz. Em seguida voei outra vez e observei por várias horas lá de cima sem constatar movimento algum, a não ser o das criaturas selvagens que fugiam do fogo.

Queimei uma grande área de mata nativa naquela noite, mas de acordo com a história do Mestre nem se comparava com a devastação promovida pelos humanos. A incerteza de ter matado aquela sentinela me incomodava e por isso permaneci sobrevoando o local por mais duas horas, até que desisti. Afinal, se viessem outros, teriam o mesmo fim que seus amiguinhos. Seriam tolos se fossem até lá depois de ouvirem uma história como a que a sentinela contaria se tivesse escapado. Eu precisava recuperar minhas energias e então rumei para meu aconchegante lar.

No caminho, passei pelo acampamento e constatei que aqueles seres eram ainda mais frágeis do que pensei. Não sobraram nem os ossos. Tudo virou cinzas. O cheiro dos corpos queimados podia ser sentido a quilômetros. Eu transformara a clareira em um buraco de cinzas, carvão e terra vitrificada.

Recolhi os objetos mágicos que resistiram ao ataque e dentre todos os objetos, um deles chamou minha atenção: um colar de prata com um pingente de diamante que parecia um prisma. Nunca vira nada igual. Algo dentro dele brilhava, uma luz púrpura tremeluzente ao centro. Sem disposição para analisá-lo mais a fundo, decidi que o faria mais tarde, pois todos aqueles objetos passaram a fazer parte da minha coleção.

Depois de contemplar a destruição que promovi, recolhi-me ao meu valioso leito sob a montanha. Era o momento de deixar aflorar a tristeza pela morte de meu amado irmão: sozinho e no escuro de minha caverna. Fiquei por algum tempo pensando em Drwfr com saudades e preparando-me para o triste fato de que nunca mais o veria. A certa altura, lágrimas verteram de meus olhos e subitamente levantei, gritei, urrei e soquei o chão e as paredes arrancando nacos de rocha. Depois de algum tempo, deitei-me de costas, com as asas, braços e pernas abertos. Ainda com lágrimas nos olhos, aos poucos o cansaço me acalmou, as lágrimas secaram, meus olhos se fecharam devagar e minha visão se turvou. Dormi e assim por enquanto, teria alguma paz.

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