Os dias que se seguiram trouxeram uma mudança silenciosa no ambiente do hospital. Clara, com sua energia leve e seu profissionalismo afiado, começou a ganhar espaço entre a equipe. Médicos, enfermeiros, residentes — todos pareciam se aproximar dela com facilidade, atraídos pela combinação rara de competência e humanidade que ela carregava.Helena a observava com orgulho. Ver a amiga se adaptar tão bem era um alívio em meio ao caos que ainda dominava suas emoções.Durante uma manhã particularmente agitada, Rafael coordenava uma série de cirurgias enquanto Helena e Clara se revezavam no centro cirúrgico. Clara, mesmo nova, lidava com os casos complexos com uma calma invejável — e, mais importante, era um apoio constante para Helena.Em um momento entre procedimentos, Rafael passou pelo corredor e viu as duas juntas. Helena ria de algo que Clara havia dito, a mão repousando brevemente no ombro da amiga, como quem compartilha mais do que uma piada — compartilha confiança, acolhiment
Helena Ferreira passou pela porta do centro cirúrgico com os nervos à flor da pele. O hospital tinha sido seu novo lar nos últimos seis meses, mas a unidade de cirurgias era um território desconhecido para ela. Ela já tinha lidado com emergências e situações de risco, mas trabalhar ao lado de um cirurgião tão renomado e meticuloso quanto o Dr. Rafael Moretti, com sua reputação impecável, era uma realidade desafiadora.Ela ajustou a máscara sobre o rosto, sentindo o cheiro característico de álcool e antisepsia no ar, e seguiu para a mesa de operações. A sala estava fria, iluminada por lâmpadas fluorescentes que faziam a pele pálida dos pacientes refletir de forma quase fantasmagórica. Helena passou a mão pelos cabelos presos em um coque e olhou para a figura que dominava o ambiente.Dr. Rafael Moretti estava de pé, como uma estátua de pedra, com as mãos cruzadas sobre o peito, observando a equipe se preparar para a cirurgia. Sua postura era rígida, impecável, e seus olhos pareciam afia
Helena não conseguiu tirar Rafael Moretti da cabeça, mesmo após o término da cirurgia. Ela havia entrado naquele centro cirúrgico com a confiança de quem sabe o que está fazendo, mas sair dali com o peso da frustração e da irritação foi algo novo para ela. Ele não havia sido rude, exatamente, mas seu tom autoritário e sua falta de reconhecimento a deixaram desconfortável. Ela estava acostumada a trabalhar com médicos exigentes, mas havia algo no jeito de Rafael que a fazia sentir como se fosse invisível, como se fosse só uma peça no quebra-cabeça da sua grandiosidade.Ela estava no vestiário do hospital, ainda com o avental de cirurgia, lavando as mãos com mais força do que o necessário, tentando descarregar a raiva que começava a se acumular. A água fria estava lhe dando um pouco de alívio, mas a irritação em seu peito não desaparecia. Ao olhar para o espelho, viu o reflexo de si mesma: seus cabelos castanhos, agora molhados, e o olhar cansado. Ela nunca fora de se deixar abalar por
Helena entrou na sala de descanso das enfermeiras, jogando a bolsa com pressa na cadeira, sua mente ainda agitada pela última situação no hospital. O dia havia sido longo, e ela sabia que o que aconteceu na ala de recuperação entre ela e Rafael não podia continuar. As palavras que haviam trocado, as olhadas carregadas de tensão, tudo isso criava um peso que ela não estava pronta para carregar.Ela sentou na cadeira, tentando respirar fundo. Mas não demorou muito até que o som de passos firmes a tirasse da tentativa de relaxamento. Ela sabia quem era antes mesmo de vê-lo. A maneira como ele andava, tão confiante, tão dominante. Rafael Moretti não fazia questão de ser discreto. E ali estava ele, na porta da sala de descanso, com seu jaleco perfeitamente ajustado e um olhar que mais parecia avaliar do que cumprimentar.— Enfermeira Ferreira — disse ele, sem rodeios, sua voz baixa e impositiva. — Precisamos conversar.Helena respirou fundo e virou-se para encará-lo, os olhos dele queimand
O som ritmado dos sapatos de Helena ecoava pelos corredores do hospital como um metrônomo de frustração. Ela caminhava com pressa, o jaleco pendendo de um dos ombros, a prancheta apertada contra o peito. O relógio marcava sete e cinquenta e cinco da manhã — cinco minutos para o início do plantão. Mas o que a incomodava não era o horário.Era ele.Rafael Moretti.Dr. Perfeição, como algumas enfermeiras suspiravam nos corredores. Helena quase revirava os olhos sempre que ouvia os comentários. *“Ele é um gênio”, “Ele nunca erra”, “Você viu como ele segura o bisturi? Parece uma dança”*. Sim, ela já tinha visto. E sim, ele era mesmo tudo aquilo. Mas também era arrogante, controlador, metódico ao ponto de parecer que a humanidade havia sido extraída junto com o apêndice dos pacientes.E ela estava cansada disso.Abriu a porta do vestiário feminino com um empurrão e se jogou no banco de madeira ao lado dos armários. Tirou o jaleco amarrotado da bolsa, esticando-o com raiva antes de vesti-lo.
O silêncio da sala de descanso foi quebrado por um alarme estridente que ecoou pelos corredores como um grito de alerta. Helena levantou o olhar do prontuário que revisava, sentindo o frio familiar escorrer por sua espinha. O som do código vermelho era inconfundível: trauma grave, paciente em estado crítico chegando à emergência.Ela saltou da cadeira, já puxando a touca do bolso do jaleco e prendendo o cabelo com agilidade. Seus passos ecoavam acelerados pelos corredores do hospital enquanto enfermeiros corriam em direções opostas e o rádio no peito de um residente anunciava:— Acidente na rodovia central! Motociclista em politraumatismo, instável! Está a caminho da cirurgia. Tempo estimado: dois minutos.No centro cirúrgico, Rafael Moretti já estava em pé, como se tivesse previsto a chegada. O olhar cortante, a postura ereta, o bisturi já em mãos mesmo antes de vestir a paramentação completa. Quando o residente entrou e deu o relatório, ele nem piscou.— Quero a sala dois pronta em
O silêncio do corredor contrastava com a agitação que ainda pulsava dentro de Helena. Suas mãos tremiam levemente enquanto retirava a touca, o elástico enroscando-se no cabelo desgrenhado. O corpo pedia descanso, mas a mente ainda estava presa à sala cirúrgica — ao sangue, ao som ritmado dos monitores, ao olhar intenso de Rafael que a acompanhara o tempo todo como se ela fosse seu porto seguro no meio da tormenta.Ela encostou-se à parede fria do corredor, respirando fundo. Por mais que já tivesse enfrentado outras emergências, aquela... aquela fora diferente.— Tá tudo bem? — A voz grave, baixa, fez com que ela abrisse os olhos rapidamente.Rafael estava parado a poucos passos, ainda em avental cirúrgico, com a máscara pendurada no pescoço e o semblante mais... humano do que ela jamais vira. Sem a couraça da frieza habitual, ele parecia exausto. E mais bonito do que ela gostaria de admitir.— Sim — respondeu, ajeitando os cabelos soltos com os dedos. — Só recuperando o fôlego. E você
Helena passava os dedos pela alça da mochila quando avistou a silhueta parada junto ao portão lateral do hospital. Rafael. Ele estava ali, parado no escuro, como uma sombra fora de lugar. O jaleco jogado sobre o braço, o celular na outra mão, mas sem olhar a tela. Apenas... esperando. Ela considerou fingir que não o viu. Estava exausta. Não tinha mais energia para suas ironias ou sua frieza calculada. Mas também não era do tipo que recuava. — Me seguindo agora, doutor? Rafael virou o rosto, a expressão tão difícil de ler quanto sempre. — Te procurei para entregar isso — disse, erguendo algo em direção a ela. Um crachá. O dela. Helena passou a mão automaticamente no peito e percebeu que de fato não estava lá. — Ah. Obrigada. Ela esticou a mão para pegar, mas ele não soltou de imediato. Os dedos dele encostaram nos dela por um breve instante, e foi o suficiente para que um arrepio lhe percorresse os braços. Helena puxou o crachá sem comentar. Enfiou no bolso da mochila.